RIO - O segundo dia da prova do Enem indicou a defasagem do Banco Nacional de Itens (BNI), repositório de questões do exame que não é atualizado desde 2018. A ausência mais clara nas provas de Matemática e, especialmente, de Ciências da Natureza foi a pandemia de Covid-19, da mesma forma que aconteceu na prova do ano passado.
Oficial: Confira o gabarito do Enem 2021
— Uma marca registrada do Enem sempre foi o atualismo das questões. A prova sempre foi muito contemporânea. Mas temos visto essa defasagem nos últimos anos. Do ponto de vista pedagógico, isso é muito ruim porque os alunos não ficam tão atentos à atualidade e acabam agarrados a fatos que já estão ficando no passado — afirma Vicente Delorme, diretor de Planejamento do Colégio pH.
Já Rafael Pinna, diretor-geral do Colégio e Curso Ao Cubo, acredita que se esse cenário se mantiver, o resultado tende a ser a formação de estudantes cada vez mais alienados de assuntos relevantes atuais para a sociedade.
— Essa desconexão com a atualidade reduz o interesse dos alunos nas aulas e, de modo geral, nas escolas — afirma.
O GLOBO mostrou na última terça-feira que o BNI está perto do fim depois de três edições do Enem do governo Bolsonaro sem que o processo para elaboração de novas questões tenha sido realizado nenhuma vez desde 2019. Com isso, de acordo com servidores do Inep, não há questões suficientes para a edição de 2022.
Veja imagens do segundo dia de prova do Enem
O Inep já teve quatro presidentes durante o governo Bolsonaro. Além disso, outro posto chave, o comando da diretoria de Avaliação da Educação Básica, diretamente responsável pela elaboração da prova, também teve alta rotatividade, com seis diretores nesse período. O cargo também chegou a ficar quase cinco meses sem titular, em 2019.
Ontem, uma questão de análise combinatória, por exemplo, citava os campeões da Copa do Brasil até 2018 apenas. O exame teve duas questões sobre dengue. Uma delas relacionava a letalidade da doença com o Ebola, na África, e outra, inquirindo sobre qual era o tipo de prevenção que se fazia ao se usar um pigmento do açafrão contra a doença transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti.
A prova trouxe ainda duas questões sobre agrotóxicos, tema sensível do governo Bolsonaro. Em outubro, um grupo intitulado “Mães do Agro” foi recebido pelo Ministério da Educação para reclamar sobre a forma como a agricultura era tratada nos livros didáticos.
A prova também teve uma questão sobre o impacto da tragédia de Mariana no arquipélago de Abrolhos, com o escoamento do rejeito de minérios de uma barragem da Samarco no Oceano Atlântico por meio do Rio Doce.
Conteudista e teórica
Na avaliação do professor de Física da Plataforma AZ de Aprendizagem Vinicius Silveira, o exame de hoje teve questões “genéricas e sem relação com a atualidade”:
— Não teve nenhuma questão com assuntos polêmicos no sentido político. As questões foram muito genéricas e não tinha nenhuma relação com a atualidade, como pandemia, por exemplo.
O professor lembra que a prova de física, este ano, demandou menos cálculos. Em exames anteriores, normalmente, essa parte é dividida entre questões teóricas e questões que exigem contas.
Gilberto Tavares, coordenador de Química do pré-vestibular do Matriz Educação, também diz que esse campo do conhecimento priorizou a teoria ao invés de cálculos.
— A questão mais incomum foi sobre o conceito de ácido e base de Brönsted-Lowry e a mais comum foi a questão que traz a comparação de combustíveis — afirmou o professor.
Já em Biologia, o professor Alexandre Pereira, do Ph, avaliou que a prova foi muito conteudista e que isso pode ter dificultado para quem não conseguiu estudar o ano todo.
— Muitos assuntos específicos, especialmente na área da botânica — explica Pereira.
E, em Matemática, a prova exigiu muita interpretação de gráficos e tabelas, além de questões de geometria plana e espacial, probabilidade e análise combinatória.
Na avaliação de professores 0do Colégio QI, a prova não fugiu do que sempre cobrou.
Morador de Fortaleza, Antônio Lopes, de 54 anos, achou a prova de matemática complicada. Desempregado, ele fez o Enem pelo 2º ano seguido. Deposita na prova a esperança de alcançar o curso de Análise de Sistemas ou Ciências da Computação.
— Enquanto não consigo um emprego, me dedico aos estudos. Mando currículo todos os dias, pela internet, mas parece que não chega nas empresas. Não sei se é pela idade. Tenho experiência que as vagas pedem, mas não chega resposta — afirma Lopes.
Já a aluna da rede estadual do Rio Maria Gabrielly, de 17, conta que a pandemia atrapalhou demais sua preparação.
— Se não der certo no momento, eu sei que dei o meu máximo. A pandemia realmente prejudicou — diz.