Brasil

Professores comentam decisão que anula critério sobre violação de direitos humanos no Enem

Inep afirma que ainda não foi notificado judicialmente sobre possível mudança na prova de redação
Exame do Enem Foto: Agência O Globo
Exame do Enem Foto: Agência O Globo

RIO - Professores de redação acreditam que a decisão da Justiça Federal, que determinou a suspensão da regra do Enem que atribui nota zero à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos, pode ser revertida até a data do exame. Os docentes dizem ainda que, caso isso não ocorra, além dos impactos práticos na prova, a medida pode servir para autorizar discursos de ódio.

- É uma "guerra de liminares", que já vimos acontecer em outras provas. Mais uma questão externa ao exame que acaba tendo uma influência sobre os alunos. Já tivemos o manual divulgado pouco tempo antes da prova, agora temos uma liminar a menos de duas semanas do Enem... E o candidato no meio desse fogo cruzado, sem saber o que fazer. O fato também é que há professores treinados há um ano para que corrijam a prova de redação com os critérios anteriores - analisa Raphael Torres, professor do Colégio Pensi.

LEIA TAMBÉM: Entenda a decisão judicial que muda a regra da redação do Enem

Um dos impactos da decisão, segundo Torres, se ela for mantida, é a diminuição do número de notas zero, uma vez que discursos que não eram corroborados podem passar a ser.

- Mas é preciso lembrar que, quando você desrespeita os direitos humanos, pode promover radicalismos e isso compromete a coerência textual - avalia. - Também é importante ressaltar que não se pode, em nome da liberdade de expressão, violar direitos básicos da humanidade.

LEIA TAMBÉM: Veja quais são os critérios para avaliar a violação de direitos humanos na redação do Enem

Para o coordenador de Redação do Colégio de A a Z, Rafael Pinna, há impactos práticos da mudança, mas outros reflexos ainda mais graves em termos sociais.

- Pragmaticamente o impacto dessa medida vai depender do tema da redação. Se for um tema parecido aos dos últimos dois anos, que passa pelo discurso do respeito aos direitos humanos, isso pode gerar mudanças na correção. Mas, se cair uma questão ambiental, ou um tema sobre empreendedorismo, assuntos assim não levam o aluno para premissas dos direitos humanos - analisou Pinna.

O professor destaca ainda que a decisão pode ser interpretada como uma autorização a possíveis discursos de ódio nos textos dos estudantes.

- Quando passamos a permitir que uma pessoa vá contra os direitos humanos, será que isso é valorização da liberdade de expressão ou autorização para discursos de ódio? Justamente em um momento no qual os estudantes deveriam ser coibidos a ter esse tipo de discurso, já que são pessoas que estão saindo do colégio e começando a exercer plenamente sua cidadania. Não me parece adequado que se permita determinados tipos de discurso - criticou.

Por fim, Pinna afirma ainda que dificilmente um aluno conseguiria fazer uma boa argumentação para defender atos como a tortura. Por outro lado, ele ressalta que a medida pode deixar brechas quando a banca for corrigir o texto dos estudantes.

- Há algumas sutilezas. Por exemplo, se cair um tema de violência, o aluno pode sugerir a pena de morte? Antes isso não seria adequado, mas, com a mudança, se a proposta é que a pena de morte seja oficializada pelo estado, talvez essa seja uma sugestão aceita. Apesar disso, continuo achando que os corretores vão punir discursos de ódio, porque é difícil sustentar essas ideias.

INEP DIZ QUE CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ESTÃO MANTIDOS

A decisão foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido, tendo em vista a proximidade da realização das provas. No pedido feito ao TRF1, a entidade sustenta que um dos principais objetivos do Enem é o de servir de mecanismo de seleção ao preenchimento de vagas em instituições de ensino superior, cujo texto produzido na prova de redação será avaliado de acordo com os critérios estabelecidos em regras do edital do certame, dentre elas a que determina o respeito aos direitos humanos no desenvolvimento do tema proposto, sob pena de ter atribuída nota zero, em verdadeira punição no expressar de opinião considerada atentatória contra eles.

O movimento Escola sem Partido, responsável pela ação, defende que o critério de violação dos direitos humanos na redação é injusto e subjetivo e, por isso, prejudica a liberdade de expressão dos alunos.

Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) afirmou que ainda não foi notificado sobre o tema,  e reiterou que os critérios de avaliação das cinco competências da redação estão mantidos. O órgão declarou também que "seus atos são balizados pelo respeito irrestrito aos Direitos Humanos, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, consagrada na Constituição Federal Brasileira."

MOVIMENTO DIZ QUE CRITÉRIO É CENSURA

Em seu perfil do Facebook, o Escola Sem Partido fez uma postagem apontando que os direitos humanos propostos pelo Inep são uma visão "politicamente correta" e que o órgão não pede dos alunos uma reflexão legislativa sobre o tema. Por isso, o movimento considera o uso deste critério como censura.

"Sob a aparência de 'respeito aos direitos humanos', o Inep está impondo aos estudantes uma verdadeira censura prévia. Diante da ameaça de zerar na prova de redação ‒ a mais importante do exame ‒, os participantes se veem forçados a abjurar de suas crenças e convicções", informa a nota.