Por Ana Carolina Moreno, G1


Da esquerda para a direita: Debora Garofalo, Jayse Ferreira, Diego Mahfouz, Rubens Ferronato, Wemerson Nogueira, Valter de Menezes e Márcio Batista, os sete brasileiros que já chegaram à final do Global Teachers Prize — Foto: Divulgação

Uma viagem a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e a possibilidade de receber US$ 1 milhão são as duas premiações materiais do Global Teacher Prize (GTP), uma espécie de "Prêmio Nobel da Educação" criado pela Fundação Varkey em 2015 para valorizar o perfil do professor pelo mundo. Mas, segundo alguns dos brasileiros que já se classificaram entre os 50 melhores do mundo nessa premiação, as mudanças que vêm com o reconhecimento mundial de seus projetos são mais abstratas, mas igualmente importantes.

Neste domingo (24), a quinta edição do prêmio foi entregue a Peter Tabichi, um professor de ciências da zona rural do Quênia que doa a maior parte de seu salário para apoiar os alunos mais pobres.

De todas as edições já realizadas desde 2015, apenas na primeira o Brasil não teve professores indicados entre os 50 finalistas.

Veja quem foram os brasileiros finalistas do Global Teacher Prize:

  • Debora Garofalo: professora de tecnologias de uma escola municipal em São Paulo, ficou entre os dez finalistas na edição 2019;
  • Jayse Ferreira: professor de educação artística em Itambém (PE), e ficou entre os 50 finalistas na edição 2019;
  • Diego Mahfouz Faria Lima: diretor de uma escola de São José do Rio Preto (SP), ficou entre os dez finalistas na edição 2018;
  • Rubens Ferronato: hoje professor de Curitiba (PR), desenvolveu um material didático para ensinar matemática a pessoas cegas em Cascavel (PR) e ficou entre os 50 finalistas na edição 2018;
  • Wemerson da Silva Nogueira: professor de química e ciências em Boa Esperança (ES), ficou entre os dez finalistas na edição 2017;
  • Valter Pereira de Menezes: professor de uma escola municipal na comunidade ribeirinha de Santo Antônio do Tracajá, em Parintins (AM), ele ficou entre os 50 finalistas na edição 2017;
  • Márcio Andrade Batista: professor de ciências em Barra do Garças (MT), ficou entre os 50 finalistas na edição 2016.

O G1 conversou com alguns dos professores que já foram finalistas do prêmio sobre o impacto que o Global Teacher Prize teve em suas carreiras. Segundo eles, a divulgação de seus trabalhos pela fundação ajudou a catapultar os projetos internacionalmente.

Jayse Ferreira - Ajuda a não desistir

Jayse Ferreira na sala de aula com os alunos — Foto: Jayse Ferreira/Arquivo Pessoal

Jayse Ferreira dá aulas de educação artística no interior de Pernambuco. Com o projeto "Vamos encurtar essa história", para o qual foi selecionado entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize em 2019, ele estimula os estudantes a fazerem o roteiro de curtas baseados em filmes e séries escolhidos pelos jovens. A iniciativa rendeu versões de Harry Poter - O Recomeço, Minecraft e um curta autoral chamado "Entre dois lados", sobre jovens que misturam bebida e direção, um problema comum na comunidade onde Ferreira atua.

Para ele, a indicação ao prêmio o estimula a continuar com os projetos e incentiva estudantes a pensarem em seguir a carreira da docência ao verem a valorização das ações.

"Eu digo sempre: é a solidão pedagógica. O professor se sente só. Quando ele inova, geralmente dá trabalho sair do quadrado. E você vê um prêmio que dá essa visibilidade mundial para o seu trabalho, com certeza o profissional vai se empenhar mais", conta.

"Se eu só fazia na minha sala e achava que estava bom, agora com júri internacional vendo seu trabalho, que vai divulgar no mundo todo, que pode replicar para vários países, isso é muito bom. Ajuda o professor a não desistir", diz Jayse Ferreira, que tem recebido convites para palestrar em todo o país.

"O aluno também não me vê mais como o professor Jayse, mas como o profissional de educação. Por conta da divulgação e das viagens, eles vêem a docência como algo possível. Passou a fase de achar que educação não presta, que ganha pouco. Isso [o reconhecimento] é muito bom", comemora.

Em 2014, Ferreira ganhou o prêmio "Professores do Brasil", do Ministério da Educação, na categoria melhor projeto do ensino médio. Em 2017 ele repetiu a premiação, desta vez com um projeto de tecnologia. Ele também já recebeu a comenda Antonio Carlos da Costa, considerada a maior premiação pernambucana na área de educação.

Valter de Menezes - Reconhecimento internacional

O professor amazonense Valter de Menezes em visita a Brasília, depois de ter seu projeto escolar que trouxe fossas sanitárias à comunidade ribeirinha em Parintins ter sido classificada entre o 'top 50' do Global Teacher Prize — Foto: Arquivo pessoal/Valter de Menezes

"Longe é um lugar que não existe", resumiu Valter de Menezes sobre a gratidão que sente pelo reconhecimento de seu trabalho. Professor de uma comunidade ribeirinha no Amazonas, ele se inspirou na pergunta de um de seus alunos sobre o aumento dos casos de diarreia no período de enchentes para desenvolver um projeto científico que culminou na construção de fossas para a comunidade.

Em 2015, seu projeto já havia sido reconhecido com o Prêmio Educador Nota 10, organizado pela Fundação Victor Civita em parceria com a Fundação Roberto Marinho. Em 2016, ele chegou ao "top 50" do Global Teacher Prize. No ano seguinte, ganhou o Prêmio Professores do Brasil e, no ano passado, venceu a Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente.

"Uma classificação mundial como essa muda muito. Primeiro, a concepção de que você é capaz de fazer alguma diferença, mesmo em qualquer parte desse planeta", explicou ele.

"Mesmo vivendo e morando no meio da Floresta Amazônica, sem materiais pedagógicos adequados, sem laboratório, sem sinal de internet e com essa classificação e esse horizonte, fui capaz de iluminar um caminho a trilhar mais e mais. Então, o Global Teacher foi uma porta aberta para o mundo", afirmou Valter de Menezes.

Wemerson Nogueira - Viagens e eventos

Professor Wemerson com os alunos em Boa Esperança — Foto: Arquivo Pessoal/Wemerson Nogueira

"Eu posso afirmar com todas as letras que o Global Teacher Prize muda a vida de qualquer professor", contou Wemerson Nogueira, do Espírito Santo. "Eu nunca havia saído da minha casa no interior de Nova Venécia (zona rural) em viagem a outro país."

Desde que se tornou o primeiro brasileiro a entrar no "top 10" do GTP, há dois anos, Nogueira, que dava aulas de ciências biológicas, diz que já visitou 43 países, aprendeu a falar inglês e espanhol, recebeu novas propostas de trabalho e visitou universidades renomadas, como Harvard.

"Quando olho para trás e vejo que aquele simples garoto, filho de dois catadores de café, moradores do interior, conseguiu orgulhar seus pais e mostrar ao mundo que é possível quando se tem fé e sonhos, isso para mim é a maior mudança que eu poderia viver", disse Wemerson Nogueira.

Entre 2016 e 2018, o professor também recebeu o prêmio de Educador do Ano pelo projeto 'Filtrando as Lágrimas do Rio Doce', com alunos do 8º ano de uma escola municipal, além de seis prêmios e 12 homenagens.

Depois de alcançar fama internacional com seu projeto em sala de aula, Nogueira foi acusado, em 2017, de usar um diploma falso de licenciatura para conseguir o emprego como professor da rede pública. Ele afirmou que foi enganado por um pólo de estudos falso. Nesta semana, o capixaba afirmou ao G1 que entrou com uma ação judicial contra o pólo e, que, enquanto o processo tramita, decidiu voltar à faculdade e começar outro curso de licenciatura em ciências biológicas.

"Estou me formando este ano, pronto para ingressar novamente na sala de aula, mas agora estou atuando como professor estagiário", disse ele. "É por isso que eu digo que o GTP muda a vida de um professor. Eu podia ter desistido de tudo depois que vivi esse inferno na minha vida, por causa desse diploma. Mas a resiliência me fez recomeçar novamente e dar a volta por cima."

Rubens Ferronato - Compromisso nacional e global

Rubens Ferronato, que desde 2000 trabalha com o ensino de matemática para estudantes cegos, e com o treinamento de professores no método de ensino que ele desenvolveu, explicou que, nos dois primeiros anos desse trabalho, seu compromisso era apenas com seus alunos.

Hoje, depois de seis indicações e prêmios, o foco de seu trabalho foi ampliado.

"No momento em que fui premiado, isso meio me obrigou a ter uma visão nacional, brasileira, passei a ter um compromisso social. Com o Global Teacher Prize, passei a ter um compromisso global. Ele é muito importante porque te dá visibilidade a nível mundial", explicou o professor Ferronato.

Atualmente, ele está desenvolvendo iniciativas com países da América do Sul, Espanha e Itália de educação com o uso de tecnologia social e inclusiva.

"O conceito é o desenho universal", explicou ele. "Tudo aquilo que você desenvolve para o estudante cego tem que servir para todos. A ideia de inclusão é que ela tem que ser eficiente para atender a todos."

Multiplano é um aparelho desenvolvido pelo professor Rubens Ferronato para o ensino de matemática usando pinos comuns ou em braile, o que permite que estudantes cegos também possam usá-lo para aprender — Foto: Divulgação/Multiplano

Márcio Batista - Rede mundial de professores

Assim como Ferronato, os outros professores também já haviam sido reconhecidos em prêmios e homenagens locais ou nacionais. Mas, com o Global Teacher Prize, além do renome internacional, eles também passaram a integrar uma rede mundial de professores, chamada de VTA (Professores Embaixadores da Varkey, na sigla em inglês).

A cada ano, os 50 finalistas são convidados a integrar a rede, que agora chegou a 250 professores de dezenas de países diferentes.

"A rede de contatos e de trabalhos é fantástica", afirmou Márcio Batista, o primeiro brasileiro a ser incluído na VTA. "Hoje tenho interação com centenas de professores do mundo todo. O prêmio GTP cria conexões unicas e te coloca ao lado dos melhores professores do mundo todo."

Primeiro finalista brasileiro do Global Teacher Prize, em 2016, o professor Márcio Batista já foi convidado para dar palestras como o TEDx da UFTM, em 2017 — Foto: Arquivo Pessoal/Márcio Batista

Chegar ao "top 50" da Fundação Varkey em 2016 não foi nem o primeiro nem o último reconhecimento de Márcio Batista, que já foi o vencedor de dez prêmios e, neste ano, é finalista de mais um, no qual orientou um projeto de pesquisa sobre a matemática e o cerrado brasileiro.

Ele diz, porém, que nenhum docente faz projetos diferenciados com o objetivo de receber prêmios. "Claro que o valor de um milhão de dólares faz uma diferença bastante boa na vida de qualquer pessoa. Mas veja por exemplo o caso da nossa finalista Debora. Tenho certeza que seu trabalho não estava focado no prêmio e sim na chance de mudar a vida de seus alunos", explicou ele.

Debora, que participou da cerimônia de entrega do Global Teacher Prize no domingo (24), não se tornou a primeira representante do Brasil a levar o grande prêmio de primeiro lugar, mas celebrou a conquista do "top 10" mesmo assim.

"Todos nós brasileiros já somos vencedores", afirmou Debora Garofalo ao Jornal Nacional. "Nosso sonho não acaba aqui, ele só tá começando."

A cerimônia foi apresentada pelo ator Hugh Jackman, e terminou por premiar o professor queniano Peter Tabichi (assista como foi no vídeo abaixo).

Professora brasileira é uma das dez finalistas do maior prêmio de educação do mundo

Professora brasileira é uma das dez finalistas do maior prêmio de educação do mundo

Qual é o critério de seleção do GTP?

Professores de todo o mundo podem se inscrever na premiação anual, desde que atuem ao menos 10 horas por semana em sala de aula e cumpram um currículo escolar reconhecido pelo governo com alunos de quatro a 18 anos. O vencedor é escolhido pelos integrantes da Academia Global Teacher Prize, formada por professores-chefes, especialistas em educação, comentaristas, jornalistas, funcionários públicos, empresários de tecnologia, diretores de empresas e cientistas de todo o mundo.

Confira abaixo os critérios que são levados em conta na premiação:

  1. Empregar práticas instrucionais eficazes que sejam replicáveis ​​e escalonáveis ​​para influenciar a qualidade da educação globalmente.
  2. Empregar práticas instrucionais inovadoras que abordem os desafios específicos da escola, comunidade ou país e que tenham mostrado evidências suficientes para sugerir que podem ser eficazes para enfrentar esses desafios de uma nova maneira.
  3. Alcançar resultados demonstráveis ​​de aprendizado dos alunos na sala de aula.
  4. Impacto na comunidade além da sala de aula, que fornece modelos únicos e diferenciados de excelência para a profissão docente e outros.
  5. Ajudar as crianças a se tornarem cidadãos globais através do fornecimento de uma educação baseada em valores que as equipa para um mundo onde elas potencialmente viverão, trabalharão e socializarão com pessoas de diferentes nacionalidades, culturas e religiões.
  6. Melhorar a profissão docente ajudando a elevar o nível do ensino, compartilhando as melhores práticas e ajudando os colegas a superar os desafios que enfrentam em suas escolas.
  7. O reconhecimento do professor por parte dos governos, organizações nacionais de ensino, professores-chefes, colegas, membros da comunidade em geral ou alunos.

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