Por Laura Moura, g1 PI


Campanha da Rede Clube no Piauí — Foto: Rede Clube

A vida de Guilhermina Ferreira de Sousa virou de cabeça para baixo no ano passado. A professora, que reside no município de Água Branca, a 100 km de Teresina, sofreu uma tentativa de feminicídio no dia 29 de junho de 2022. O suspeito do crime é o eletricista Moisés Vieira Brasil, ex-companheiro de Guilhermina. Ele está preso desde no dia 30 de junho e aguarda julgamento, que está marcado para o dia 28 de março deste ano.

Eles se conheceram pela internet depois que Guilhermina se separou do marido. A professora o levou para morar com ela, após um ano de namoro à distância. As crises de ciúmes começaram com xingamentos e terminaram por deixar a vítima com dois dedos amputados, uma fratura no braço, uma orelha decepada, perda de movimento em uma das mãos e cicatrizes por todo o corpo.

Guilhermina Ferreira de Sousa, vítima de tentativa de feminicídio — Foto: Lucas Marreiros /g1

Desde o crime, a educadora do ensino infantil está longe das salas de aula. Porém, a esperança dela de voltar a lecionar permanece viva.

Nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o g1 conta a história desta mulher que tenta se reerguer após ser mais uma vítima do machismo e da violência de gênero no estado.

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Educadora infantil Guilhermina Ferreira — Foto: Arquivo Pessoal

Guilhermina Ferreira de Sousa tem 52 anos e é natural de São Gonçalo do Piauí, município a 117 km ao Sul de Teresina. Aos dois anos de idade, ela perdeu a mãe. O pai de Guilhermina não tinha condições de criá-la e, por este motivo, ela foi adotada por um casal.

Ela mora em Água Branca desde criança. Foi lá onde criou seus três filhos, sendo dois homens e uma mulher. Guilhermina foi mãe pela primeira vez quando tinha 24 anos. Na época, ela engravidou do namorado.

Contudo, o relacionamento não foi para frente e conheceu outro homem, que veio a se tornar seu marido. Eles foram casados por 18 anos e tiveram dois filhos.

Guilhermina Ferreira de Sousa — Foto: Arquivo Pessoal

Ela possui duas profissões: auxiliar de serviços gerais e educadora infantil. Mesmo funcionária pública do município de Água Branca desde 2006, onde atua na área de serviços gerais, a piauiense queria mais e passou a se preparar para ingressar no ensino superior.

Guilhermina cursou pedagogia na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e conquistou o tão sonhado diploma em 2016. Logo em seguida, ela fez pós-graduação em educação infantil. O sonho de dar aulas foi concretizado em 2019, quando ela passou a lecionar para crianças entre dois e cinco anos.

Guilhermina se forma em pedagogia pela UFPI — Foto: Arquivo Pessoal

Porém, a vida de Guilhermina sofreu uma reviravolta. O responsável por isto foi o eletricista Moisés Vieira Brasil.

Guilhermina e Moisés: o início do relacionamento

Em outubro de 2019, quando Guilhermina já havia se separado do marido, ela conheceu Moisés Brasil pela internet. A professora contou ao g1 que enviou uma mensagem para ele, que respondeu pedindo o número dela.

No mês seguinte, em novembro, Moisés enviou uma mensagem para Guilhermina dizendo que estava em Teresina e iria passar em Água Branca, cidade onde ela mora. Contudo, ele foi direto para Floriano, onde ele residia. Chegando lá, Moisés foi para a casa de um sobrinho que, coincidentemente, é marido da irmã do filho mais velho de Guilhermina.

“Por isso que aceitei a aproximação. Eu conversei com ela [irmã do filho de Guilhermina] e ela disse que ele era gente boa, trabalhadora. Eu achei que, realmente, ela estava me dando boas referências dele”, afirmou a professora.

Guilhermina e Moisés se viram pela primeira vez no dia 1º de janeiro de 2020. A partir desse encontro, eles engataram em um namoro à distância, ela em Água Branca e ele em Floriano. O relacionamento permaneceu desta forma por pouco mais de um ano.

Em 2021, na semana santa, Guilhermina foi para Floriano visitar Moisés. Ele disse que não queria mais namorar à distância e os dois decidiram morar juntos em Água Branca, na casa de Guilhermina.

A professora ressaltou ao g1 que, até então, eles mantinham um relacionamento saudável. Contudo, tudo mudou quando o casal passou a morar junto.

Do ciúme às agressões

Quando os dois começaram a morar juntos, segundo Guilhermina, o eletricista passou a apresentar os primeiros sinais de ciúmes.

“Existiam os sinais. Mas, no meu entender, era um sinal de carinho de cuidado, que era o ciúme dele. Ele dizia que eu só queria ficar no celular. Só que eu pesquisava coisas para acrescentar nas minhas aulas”, afirmou a professora.

Em seguida, logo vieram os xingamentos, até acontecer o primeiro empurrão.

Marcas das agressões sofridas por Guilhermina Ferreira — Foto: Lucas Marreiros /g1

Guilhermina relatou que, certo dia, ela divulgou nas redes sociais um doce que sua vizinha estava vendendo. O patrão de Moisés falou com Guilhermina pedindo mais informações sobre o doce. Pouco tempo depois, o eletricista viu a conversa, sentiu ciúmes e discutiu com a professora. Durante a briga, ela foi empurrada.

"O agressor vai dando os sinais, a gente que não percebe. A gente acha que é um momento, que vai passar. Só que, com o passar do tempo, a agressividade vai crescendo”, contou Guilhermina.

No Dia das Mães do ano passado, a mulher sofreu outra agressão. Segundo ela, Moisés passou a tarde bebendo na casa do vizinho e chegou em casa de noite. Guilhermina o avisou que iria deixar sua neta em outro local e não levou o celular. Ao retornar para casa, o eletricista iniciou uma briga, mais uma vez, por ciúmes.

“Ele me jogou na cama, ele batia na minha cabeça, colocou o joelho no meu pescoço me sufocando, ele me deu gravata. Eu quase que desfaleci. Até que ele parou e foi dormir. Mas, antes de dormir, ele disse que ia me matar no dia 9 de junho. Ele disse que ia passar por cima de mim com o carro da empresa”, relembrou.

No dia seguinte, ele acordou, disse que não se lembrava de nada e pediu perdão. Guilhermina perdoou. “Eu não fiz o que eu deveria ter feito, que toda mulher deveria fazer, que é denunciar”, afirmou.

Outro episódio de violência aconteceu na escola onde a professora trabalhava, no município de São Pedro do Piauí. O eletricista foi até ao trabalho dela bêbado e de motocicleta para buscá-la. Guilhermina não aceitou voltar com Moisés para casa e ele tentou agredi-la. Ela teve que dormir na casa de uma amiga para se proteger.

Término do relacionamento

Em junho do ano passado, Guilhermina e Moisés tiveram uma discussão e ele decidiu sair de casa. "Ele começou a dizer que não dava mais certo porque eu era mentirosa", afirmou a professora.

O eletricista saiu da residência, mas continuou fazendo ameaças contra ela. Guilhermina precisou sair de casa e ir morar com seu pai. Ela achava que nunca mais o veria até chegar o dia 29 de junho, data em que ocorreu o crime.

29 de junho

Guilhermina internada em hospital após a tentativa de feminicídio — Foto: Arquivo Pessoal

Guilhermina ficou sabendo que o ex-companheiro havia retornado para o município de Floriano e, por este motivo, ela decidiu voltar para sua casa. No dia do crime, ela não foi dar aulas porque era feriado no município onde lecionava. Então, a professora aproveitou a folga para trabalhar em casa.

Por volta de 15h, quando Guilhermina estava na sala de estar, Moisés invade a residência. Segundo ela, ele afirmou que iria matá-la.

"O primeiro golpe foi na cabeça e o outro decepando a minha orelha, vindo até o queixo. Eu caí, coloquei minhas mãos e ele ficou golpeando minhas mãos que decepou meus dois dedos, fraturou meu braço”, relatou.

Guilhermina Ferreira teve dois dedos amputados — Foto: Lucas Marreiros /g1

Os vizinhos ouviram os gritos da vítima e foram até a casa dela. Um deles disse "para, ela já está morta" e, então, Moisés parou as agredi-la e fugiu.

Guilhermina foi levada para o Hospital Municipal Dirceu Arcoverde, em Água Branca. Devido ao seu estado de saúde ser grave, ela foi encaminhada ao Hospital de Urgência de Teresina (HUT), onde só recebeu alta no dia 22 de julho, quase um mês após o crime.

Sonhos interrompidos

Guilhermina e seus alunos — Foto: Arquivo Pessoal

A violência sofrida por Guilhermina mudou drasticamente sua vida. A professora carrega até hoje as sequelas das agressões de seu ex-companheiro.

Ela teve dois dedos da mão direito amputados, perdeu parte da mobilidade da mão direita, perdeu parte de seu cabelo, fora as cicatrizes no rosto. Desde o dia 29 de junho, Guilhermina não dá aulas. Para ela, essa foi a pior consequência.

"Não tenho condições de dar aula porque eu não consigo manusear os instrumentos de trabalho. Um pincel de quadro, um livro, nada. Não consigo escrever ainda com a mão esquerda. É a pior coisa da minha vida. Eu ver tudo que eu sonhei, que eu batalhei para conquistar, sem ajuda, só eu mesma", disse.

Após receber alta do hospital e se recuperar em casa, Guilhermina realizou uma perícia no município onde lecionava. O médico que lhe atendeu falou que ela teria que se aposentar por invalidez, porém, ela não aceitou.

A professora disse que queria voltar a dar aula e, então, ela recebeu um ano de licença para realizar um tratamento e, possivelmente, voltar para a sala de aula. Atualmente, Guilhermina está na fila de espera do Centro Integrado de Reabilitação (Ceir) para iniciar o tratamento.

“É uma esperança que eu tenho. O meu coração não aceita eu estar inválida. Eu nunca imaginei, nem nos piores momentos da minha vida, que eu teria que me aposentar por invalidez. Essa palavra ‘invalidez’ eu não consigo aceitar. Hoje eu tentei colocar um anel no meu dedo e não dá. Eu não consigo pentear o cabelo da minha neta”, declarou, emocionada.

De Mulher para mulher: não se cale

Guilhermina Ferreira sonha em voltar a dar aula — Foto: Lucas Marreiros /g1

Guilhermina contou ao g1 que o seu grande erro foi permanecer calada. A educadora disse que sentia vergonha e tinha medo das pessoas saberem sobre as agressões que ela sofria.

“No primeiro sinal, a gente tem que sair da relação. Eu tinha vergonha do povo saber que eu estava passando por aquilo. Muitas vezes, eu não falava pra ninguém sobre as agressões que eu sofria. Isso não pode acontecer”, relatou.

Hoje, ela reconhece a importância da denúncia e faz um alerta para as mulheres que estão, neste momento, sendo vítimas de violência.

"No primeiro xingamento, tome uma atitude. Não fique esperando do xingamento vir um tapa, porque se deixar, vem mais. Não é só o xingamento, é a maneira de tratar. Não permitam, não deixem, não se calem. Peça medida protetiva, seja o que for, mas não fique calada. Não resolve nada. É buscar apoio", finalizou.

Violência contra a mulher em números

No Piauí, a cada 15 dias uma mulher é vítima de feminicídio. Em 2022, o estado registrou 23 feminicídios, sendo 19 no interior e quatro em Teresina. O número foi divulgado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-PI).

Entre janeiro e setembro do ano passado, 912 registros de lesão corporal por violência doméstica contra a mulher foram realizados.

Onde denunciar e onde procurar ajuda

Rede de Proteção à Mulher no Piauí — Foto: Arte Adelmo Paixão/g1 PI

Delegacias da Mulher em Teresina — Foto: Arte Adelmo Paixão/g1PI

Delegacias da Mulher no interior do Piauí — Foto: Arte Adelmo Paixão/ g1 PI

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