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Professor premiado destaca o poder transformador da educação

Duas vezes vencedor do Prêmio Professores do Brasil, o pernambucano Jayse Ferreira, que estará no Educação 360, conta como mudou uma escola em Itambé

O professor pernambucano Jayse Ferreira: inovação e criatividade em sala de aula
Foto: Divulgação
O professor pernambucano Jayse Ferreira: inovação e criatividade em sala de aula Foto: Divulgação

RIO - Jayse Ferreira, de 38 anos, transformou uma cidade inteira — e, com isso, ganhou o Prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação (MEC). Foi em razão de um projeto dele, que é professor de artes e filosofia, na Escola de Referência de Ensino Médio Frei Orlando que o município de Itambé, em Pernambuco, com 30 mil habitantes, teve contato com o cinema.

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A partir de uma conversa com os alunos, Jayse teve a ideia de trabalhar com livros e games como “Harry Potter” e “Minecraft”, ligando esses conteúdos ao que era ensinado em sala de aula. Os estudantes fizeram pequenos filmes baseados nos materiais. Depois, com mais confiança, a turma produziu um roteiro original. O resultado do “Vamos enCURTAr essa história?” foi exibido para toda a cidade na praça principal.

Foi a segunda vez que o professor levou a premiação do MEC. Em 2014, ele ganhou notoriedade no país todo com o projeto “Eu sou uma obra de arte: etnias do mundo”. Nele, os estudantes foram fotografados caracterizados com roupas de diferentes povos. O objetivo era valorizar as mais diversas raças, etnias e culturas na escola.

O professor é um dos convidados da mesa “Profissão: professor”, do Educação 360 , evento promovido pelos jornais O GLOBO e Extra com patrocínio de Sesi, Fundação Telefônica, Fundação Itaú Social e Colégio pH, apoio da Fundação Cesgranrio e apoio institucional de TV Globo, Canal Futura, Unesco, Unicef e Todos Pela Educação. (Veja como se inscrever no evento ao final da reportagem)

Nesta entrevista, Jayse conta como se destacou com poucos recursos no sertão pernambucano e como se tornou um dos mais inventivos professores brasileiros.

Por que decidiu ser professor?

Eu tinha habilidade com desenho e pintura. Queria conciliar isso com ensinar. Então, decidi ser professor de artes. Fui o primeiro da família a ter diploma de curso superior. Meu pai é analfabeto, trabalha consertando bicicletas. Minha mãe é doméstica. Por isso, acredito no poder da educação de transformar.

Qual era o objetivo do ‘Vamos enCURTAr essa história?’?

Queria conectar o mundo digital ao conteúdo da sala de aula trabalhando a tecnologia de forma simples e com criatividade. Os alunos escreveram o roteiro, filmamos juntos. A produção mobilizou a escola toda, os estudantes se dividiram para pesquisar suas funções, como figurinistas, cenógrafos e até mesmo efeitos especiais.

Como você avalia o resultado?

Foi um tremendo sucesso. Em menos de uma semana, foram mais de 21 mil visualizações na internet. E, com o sucesso, veio o preconceito. Mandaram muitas mensagens preconceituosas por sermos nordestinos. Foi como um balde de água fria para os alunos, mas revertemos essa situação nas aulas de filosofia.

Como foi criar uma história autoral dos alunos?

Fizemos uma história de suspense. No roteiro, um carro caía no açude. Pegamos uma porta de carro e colocamos na piscina de um dos alunos para gravar (risos). A escola tem que ser algo vivo mesmo, por isso o projeto ganhou um prêmio. Tem gente que diz que celular em sala não dá. Mas, se ouvirmos o aluno, dá certo.

Uma pesquisa feita pelo Todos Pela Educação mostrou que metade dos professores do país não recomenda a profissão aos alunos. Como reverter essa situação?

A docência tem que ser algo atrativo. Poucos alunos meus querem seguir essa profissão. Tem a questão salarial, e as escolas são sucateadas. Mas isso é o lado ruim. Tem que se falar do lado bom, que encanta, como o poder da educação. Um professor empenhado pode transformar uma cidade.

Você recomenda a docência?

Sim. Com os projetos, eles viram que o professor pode ser valorizado. Conto o quanto isso mudou minha vida. Muitos não querem porque a família é contra.

E como atrair o interesse dos alunos para as aulas?

Penso primeiro em como eu gostaria de ter aquela aula. A escola não é o professor que domina e manda. Escuto o que eles gostam e me preparo. Muitos querem pegar uma metodologia fechada e aplicar. Mas tem que ver a realidade do aluno, ouvi-lo. Foi o que aconteceu com meus projetos.

Qual é o maior desafio do professor?

Conciliar o conteúdo com o que os alunos querem. A escola parou no tempo. Existe uma dificuldade de aplicar o que me ensinaram para essa juventude tão ligada à tecnologia. Como eles podem gostar de estar na escola? Entram às 7h30 e têm horário para tudo. Queria que eles vissem a escola de outra forma, como uma segunda casa. Escola tem que ser agradável. Que segunda casa é essa onde eu preciso pedir para ir ao banheiro?

E como fazer da escola uma segunda casa?

Os professores escolhem até os livros sem ouvir o aluno. Como fazer isso, se o livro é para ele? Assim, os estudantes não conseguem se sentir parte do projeto. Em Pernambuco, é proibido usar celular em sala de aula. Mas não é a melhor forma. Eles têm que entender por que não podem.

EDUCAÇÃO 360

O que é: o Educação 360 é um um encontro internacional que reúne pessoas que vivenciam e pensam a educação sob diferentes pontos de vista e põem em prática iniciativas transformadoras. O evento conta com palestras magnas de grandes nomes da educação mundial e nacional e mesas de debate, além de apresentação de estudos de casos inovadores e bem-sucedidos.<SW>

Quando e onde: o evento acontecerá nos dias 24 e 25 de setembro, no Museu do Amanhã e no Museu de Arte do Rio, ambos na Praça Mauá, no Centro do Rio.

Inscrições: já estão abertas e podem ser feitas pelo site do evento. Qualquer um pode participar gratuitamente.

Destaques desta edição: além do professor Jayse Ferreira, que será um dos participantes da mesa “Profissão: professor”, o congresso contará com nomes como Sanjit Bunker Roy, que criou uma universidade só para moradores de comunidades pobres na Índia; o economista do Banco Mundial e coautor do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2018 David Evans; o ex-ministro de Educação de Portugal Nuno Crato; e Eric Hanushek, da Universidade de Stanford (nos Estados Unidos), que realizou um estudo no qual estabelece correlações entre qualidade da educação e crescimento econômico.

Consulte a programação completa no site do evento.