Rio

Professor humilhado em Rio das Ostras recebe solidariedade de colegas em manifestações

Delegado titular da 128° DP vai começar a ouvir os estudantes envolvidos no episódio nesta segunda-feira
Manifestação em solidariedade ao professor humilhado por alunos em Rio das Ostras: Em São Gonçalo, cidade onde Thiago já lecionou, professores da rede pública levaram para as ruas uma faixa pedindo respeito Foto: Reprodução
Manifestação em solidariedade ao professor humilhado por alunos em Rio das Ostras: Em São Gonçalo, cidade onde Thiago já lecionou, professores da rede pública levaram para as ruas uma faixa pedindo respeito Foto: Reprodução

RIO — O professor Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos, que foi agredido e humilhado por alunos dentro de uma sala de aula, recebeu neste sábado duas manifestações de apoio. Professores do Ciep Municipal Mestre Marçal, em Rio das Ostras, onde ocorreu o episódio, foram trabalhar vestidos de preto no sábado letivo, em sinal de luto. E em São Gonçalo, cidade onde Thiago já lecionou, professores da rede pública levaram para as ruas uma faixa com dizeres como: "Educadores merecem respeito". O protesto ocorreu durante as comemorações pelo aniversário de 128 anos do município da Região Metropolitana.

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Antes de ser humilhado dentro de sala, na tarde da última terça-feira, Thiago já vinha sofrendo ameaças de morte por parte de alunos. Ele conta que há seis meses, desde que começou a lecionar na unidade, sempre tentou lidar de forma pacífica com o comportamento agressivo dos estudantes do 9° ano do Ensino Fundamental.

O professor Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos: educador recebeu solidariedade de colegas de profissão Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
O professor Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos: educador recebeu solidariedade de colegas de profissão Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

— Eu tentava resolver as situações através do diálogo, mas cheguei ao limite. Se eu não tivesse feito nada, poderia morrer. Eles já vinham me ameaçando. Um deles dizia que eu não tinha medo de aparecer morto, que ia me matar. Ameaça não é brincadeira. Quando cheguei em casa e contei para a minha mãe sobre as ameaças que eu sofria, ela chorou. Nós dois choramos juntos — conta o educador, que mora na Aldeia da Prata, em Itaboraí.

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‘Se eu não tivesse feito nada, poderia morrer’

Thiago dos Santos Conceição decidiu ser professor aos 10 anos. Ele tinha admiração pela docência. Na Escola Municipal Afonso Salles, em Itaboraí, onde cursou o ensino fundamental, os mestres eram respeitados pelos alunos, que, por sua vez, tinham sede de conhecimento. Um cenário bem diferente do que enfrentou na semana passada. O professor de português, de 31 anos, foi agredido e humilhado por estudantes dentro de sala de aula, em Rio das Ostras.

A violência, registrada em vídeo, foi a gota d'água. Thiago, que já vinha recebendo ameaças de morte, pediu afastamento e não quer mais voltar à escola. Após a repercussão das imagens, um dos alunos agressores publicou vídeo na internet pedindo desculpas pelo que fez. No sábado, repórteres do “Fantástico”, da TV Globo, acompanharam um encontro entre os dois, e o jovem chorou.

— Eu só tenho a pedir o perdão do professor — disse o aluno, que tem 16 anos.

— O jeito como você está chorando foi o jeito como eu saí naquele dia — respondeu o mestre. — Sabe o que me deixa mais triste? Que meu objetivo era ajudar vocês. E eu não consegui.

Os dois apertaram as mãos, e Thiago, emocionado, disse que continua acreditando em sua profissão.

— Vale a pena investir na educação, porque a educação transforma. É nisso que eu acredito — afirmou.

Filho de uma empregada doméstica e de um comerciante, Thiago é o caçula de quatro irmãos. Ele nasceu e foi criado em Aldeia da Prata, bairro pobre de Itaboraí. Mora em uma casa humilde, numa rua de terra. As paredes não têm pintura, só reboco, e a mesa onde o professor prepara as aulas é apoiada em tijolos.

Thiago cursou os ensinos fundamental e médio em escolas públicas de Itaboraí e São Gonçalo. A mãe fez faxinas para pagar sua faculdade de Letras em uma universidade particular.

Aos 20 anos, ele pisou pela primeira vez na sala de aula como professor. Atualmente, tem dois empregos, além do de Rio das Ostras: é orientador educacional na prefeitura de São Pedro da Aldeia e dá aulas de português em escola de Itaboraí.

Para chegar às 7h no Ciep Municipal Mestre Marçal, em Rio das Ostras, Thiago acordava antes das 4h e fazia o trajeto de quase três horas de ônibus. Apesar do sacrifício, nunca tinha pensado em largar o emprego, até a semana passada.

Na tarde de terça-feira, ele passou para os alunos do Ciep uma folha de exercícios. Como resposta, recebeu xingamentos e agressões. O vídeo mostra adolescentes escrevendo palavras ofensivas e amassando a folha. Um aluno atira uma pochete na direção de Thiago e come um pedaço da prova, enquanto outros riem.

Na reportagem do “Fantástico”, o menino diz que foi “na pilha dos amigos”:

— Foi um erro o que a gente fez com ele. Foi um erro que ninguém merece, porque ele (o professor) não tratava a gente desse jeito, sempre tratou a gente com amor e com carinho.

No fim de semana, Thiago recebeu muitas manifestações de apoio. Professores do Ciep onde ocorreu o episódio foram trabalhar vestidos de preto, em sinal de luto. Em São Gonçalo, docentes da rede pública levaram às ruas uma faixa com dizeres como “Educadores merecem respeito”. Uma das turmas para a qual ele dá aulas fez uma homenagem.

Thiago não guarda mágoa:

— Vivi um dos piores momentos de minha vida, mas sei que aqueles alunos acabam sendo reféns da sociedade. Eles vivem num caos, em uma desestruturação familiar e política que tem reflexos.

DELEGADO VAI OUVIR ESTUDANTES

O delegado titular da 128ªDP (Rio das Ostras), Carmelo Santalúcia, que cuida do caso do professor humilhado dentro de sala de aula, vai começar a ouvir os estudantes envolvidos no episódio nesta segunda-feira. No depoimento prestado por Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos, o professor reafirmou que o desrespeito por parte dos jovens era normal na escola. Um dos jovens que participou da ação já tem 18 anos e vai responder por corrupção de menores. O rapaz também vai responder por dano ao patrimônio público qualificado e desacato, e os outros três adolescentes por fato análogo a estes dois delitos.

— Ele relatou que não foi um fato isolado, já ocorria antes e veio aumentando progressivamente a gravidade. A partir de segunda-feira vamos iniciar as intimações dos alunos. Já ouvimos a diretora e outras pessoas da escola. Por enquanto não trabalhamos com a hipótese de responsabilizar a escola, pois nada surgiu que indique responsabilidade criminal — contou.

Os casos de violência são recorrentes no Ciep Mestre Marçal. Uma aluna pediu a transferência da escola nesta semana por causa dos episódios de agressividade dos colegas. O inquérito da 128° DP já ouviu a direção da unidade e testemunhas. A polícia também fez ontem uma perícia na sala de aula, que observou o quadro quebrado pelo aluno, além de pichações na parede, com símbolos de facções criminosas e desenhos de órgãos genitais masculinos.