Professor de São Paulo ensina filosofia sob olhar periférico
Criado na periferia de São Paulo e considerado um “aluno-problema” na juventude, Fabiano tinha tudo para dar errado, mas descobriu sua vocação como professor e fez do giz e da lousa suas armas
Por: Mariana Lima
Quem vê hoje o professor Fabiano Ramos Torres, de 45 anos, falar da sua paixão pela sala de aula nem imagina que na juventude ele foi um “aluno-problema”. Criado entre a periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, e de Guaianases, no extremo da Zona Leste da cidade São Paulo, Fabiano não conseguia se adaptar ao ambiente escolar, apesar do seu gosto pelo aprendizado.
“Era um modelo de ensino muito rígido, que limitava a criatividade. E as dificuldades me levaram a repetir de ano algumas vezes. Nenhum professor tentava se aproximar para entender o que estava acontecendo comigo. Eu sempre gostei de aprender, mas tive que sobreviver à escola”, conta.
Tendo passado tanto pelo ensino particular como público, Fabiano pontua que a falta de acolhimento o motivou a desenvolver seus próprios métodos de aprendizagem.
“As pessoas já tinham desistido de mim depois de tantas repetências. Mas quando meu pai desencanou, eu senti o baque. Aí tive que me esforçar para encarar o ensino médio. Passava o dia na biblioteca, lia jornais e ia acumulando conhecimento”, relembra.
Assim, aos poucos, Fabiano foi se tornando um “bom aluno” de acordo com os parâmetros tradicionais. Dedicando-se ao máximo, ele conseguiu viabilizar um sonho que para todos parecia impossível: entrar na Universidade de São Paulo para cursar Filosofia.
“Foi um choque absurdo entrar na USP. No primeiro momento, tudo ali reiterava o que eu sempre ouvi, que não era capaz. Foram sete anos na graduação, sempre brigando com a narrativa de que aquele lugar não era para mim”, revela.
Mas Fabiano ocupou esse espaço e fez valer o seu direito de dividir a sala com pessoas de classes mais altas. Em 2005, quando estava terminando a graduação, uma nova preocupação surgiu: onde poderia trabalhar? Na época, o ensino de filosofia ainda não era obrigatório e poucas escolas do estado ofereciam a disciplina.
Contudo, o diploma de Fabiano veio acompanhado de uma mudança no currículo escolar. Em 2006, o Governo de São Paulo inseriu no currículo do Ensino Médio a disciplina de filosofia.
O desejo pela docência já vinha crescendo ao longo da graduação, mas a oportunidade do concurso público foi o sinal definitivo para Fabiano. Como havia poucos profissionais formados na área, após ser aprovado, ele ainda conseguiu escolher a escola onde iria dar aulas.
Assim, a Escola Estadual Profª Ruth Cabral Troncarell, localizada no bairro Parada XV de Novembro, entre Itaquera e Guaiasses, distritos da Zona Leste de São Paulo, ganhou um professor de dreadlocks e que queria transformar a periferia em um lugar de potência.
“Eu tive a oportunidade ter uma boa formação e queria devolver isso para a minha periferia. Atuar onde era preciso, seguindo uma lógica freiriana”, afirma.
Mesmo com objetivos sólidos, quando pisou na escola pela primeira vez, o medo de não conseguir dar conta estava presente.
“Mas quando entro na sala de aula é só encanto pela inteligência dos alunos. Eu já fui chegando querendo unir a garotada pra trocar ideia e discutir a filosofia a partir da nossa realidade”, comenta.
Ao promover atividades diversificadas, como performances interativas, grupos de estudos e realizar aulas na rua, Fabiano foi quebrando a ideia que os estudantes tinham da figura do professor.
“Transformei a sala de aula num espaço de escuta. Eles podiam falar e trazer as suas vivências. Essa era a diferença. Eles traziam o mundo e eu tinha que me virar para encaixar a filosofia”, conta.
Um professor-doutor
Ao longo dos 15 anos em que esteve na rede pública, Fabiano sempre dividiu a docência com a pesquisa acadêmica. Para ele, que fez mestrado e doutorado, era fundamental mostrar para os alunos a importância de ocupar a universidade pública.
Quando foi entregar a sua tese de doutorado, ‘Travessias do beco: a educação pelas quebradas‘, na Faculdade de Educação da USP, alguns de seus alunos o acompanharam. “Quando chegamos até o prédio da Educação, era a escola pública fazendo o depósito daquela tese”.
Apesar das conquistas, o processo não foi fácil. Para conseguir equilibrar os estudos com a docência, Fabiano fazia 20 horas semanais de aula por quatro dias na semana, ganhando um salário mínimo de professor, que, à época, não passava de R$ 1.800. Quando chegou ao mestrado, conseguiu uma bolsa da Secretaria da Educação, mas ainda era abaixo do ideal.
“Professor tem que estudar. As condições de trabalho são precárias, mas pioram se ele não consegue estudar para se aprimorar. Só que o nosso sistema não dá o suporte adequado para isso”, afirma.
No final de 2019, Fabiano deixou a escola pública para ser professor visitante na Universidade Federal do ABC (UFABC), também na área de ensino de filosofia. Contudo, a pandemia atrapalhou seus planos. Foram seis meses sem poder dar aula até o ensino online ser utilizado pela instituição.
O professor nunca tinha dado aulas sem ter contato com os alunos. Então, lidar com aquelas câmeras desligadas foi um desafio ainda maior. “No começo, eu fiquei perdidão, mas aos poucos fui transformando aquela sala online em um espaço de escuta. O aluno sempre precisa se sentir acolhido”, reforça.
Apesar de estar no espaço universitário, Fabiano guarda com carinho as lições que aprendeu na escola pública. “O que vivenciei com esses alunos foi a educação e a filosofia como prática da liberdade”, conclui.