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Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

“Priorizar a educação” é investir na área, não discursar

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Imagem: iStock

Rodrigo Ratier

20/09/2021 06h00

Na semana passada, o Senado aprovou em 1º turno uma proposta de emenda constitucional (PEC) que desobriga o gasto mínimo com Educação por dois anos. O artigo 212 da Carta afirma que estados, municípios e o Distrito Federal precisam aplicar 25% das receitas de impostos na área. A PEC se refere aos gastos dos anos pandêmicos de 2020 e 2021. Menos mal que a proposta exija uma compensação até 2023. Mas a mensagem que se passa é que está tudo bem com a educação, que há dinheiro suficiente — e de novo, que o problema da área não é falta de recursos, mas uma gestão mais eficiente.

À primeira vista, parece coerente que se tenha gasto menos com Educação durante um período em que as escolas permaneceram fechadas por tanto tempo. Pois o argumento não resiste a um exame detalhado das novas despesas que deveriam ter sido feitas — da digitalização das escolas à compra de equipamentos de proteção, da formação das equipes às reformas para normal presencial — ou mesmo pela comparação internacional. O relatório Education at a Glance 2021, feito pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), informa que estamos na contramão do mundo. O Brasil faz parte do grupelho de nações que não aumentaram o investimento em educação durante a crise causada pela covid-19.

Segundo o estudo, que avaliou o impacto da pandemia nos sistemas educacionais de um grupo de 43 países (35 da OCDE e 8 parceiros, incluindo o Brasil), algo entre 65% e 78% dos governos nacionais abriram os cofres para enfrentar os desafios da pandemia — a porcentagem varia segundo o nível de ensino. Portugal contratou mais de 3 mil professores para aulas de reforço. A Espanha chamou 21 novos docentes para reduzir o tamanho das turmas. A Nova Zelândia gastou 62 milhões de dólares para fornecer conexão à internet aos alunos mais vulneráveis.

E o Brasil?

Na prática, nada — ou quase nada. O relatório informa que não houve mudança significativa nos orçamentos de 2020 e 2021. E isso considerando os gastos das três esferas administrativas — municípios, estados e União. Se dependesse do Ministério da Educação (MEC), a situação seria ainda pior: tanto em valores orçados quanto efetivamente pagos, os gastos federais com escolas e universidades públicas foram os menores desde 2010.

É chover no molhado dizer que o governo Bolsonaro não se importa com a Educação. Declarações preconceituosas e desinformadas do presidente e seus ministros são fachada alquebrada para uma política consciente de desmonte da área. Nada de bom veio nem virá da atual gestão. Ocorre que a discussão em torno da PEC ressuscita um debate cansativo e falacioso, que tenta vender a imagem de que o Brasil já investe o suficiente em Educação.

A tese de que o país destina à Educação pública uma parcela do PIB "compatível com os padrões internacionais" é o clássico caso do uso malicioso de números para sustentar uma mentira. O indicador de percentual do Produto Interno Bruto é inadequado para tecer paralelos com outros países. É repetitivo dizer que estamos na rabeira quando se trata do investimento por aluno, que é o que realmente conta. Vamos, então, recorrer a um outro indicador, o salário dos professores. No Ensino Médio, oferecemos o terceiro pior salário na comparação internacional. No Fundamental 1, o segundo pior. E no Fundamental 2, o pior.

Considerando que o grosso do dinheiro da Educação vai para o pagamento de pessoal — um recurso "carimbado", pouco sujeito a desvio ou corrupção —, como argumentar que "o problema é de gestão"? Como falar em "aumento de eficiência" se o professor, consensualmente apontado como o principal fator para uma educação de qualidade, é tratado a pão e água? Nada disso abalou a relatora da PEC, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), para quem "o gestor, para alcançar o piso de investimento, teria que praticamente ‘inventar’ despesas". Alunos, familiares, professores e funcionários de escolas públicas teriam boas e necessárias sugestões para essa "invenção".

Na semana em se celebra o centenário de Paulo Freire, é bonito e importante falar sobre a relevância da educação como o principal instrumento para a transformação social coletiva. Seria igualmente relevante que a prática estivesse de acordo com o discurso de que a área é prioridade. Em vez disso, o "presente" que o Congresso está prestes a servir ao patrono da educação brasileira é o perigoso precedente de passar a mão na cabeça de quem não investiu o mínimo na área. Ainda é tempo de repensar.