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Presidente do Inep nega interferência no Enem e sugere que servidores reagiram a mudanças nas gratificações

Tentativa do governo de emplacar versão de insatisfação com pagamento foi rebatida pelo presidente da associação que reúne servidores do órgão
Danilo Dupas Ribeiro, presidente do Inep Foto: Divulgação/MEC
Danilo Dupas Ribeiro, presidente do Inep Foto: Divulgação/MEC

BRASÍLIA - O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Danilo Dupas, negou casos de assédio moral no órgão e interferências dele ou do ministro da Educação, Milton Ribeiro, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ele também sugeriu que o pedido de exoneração entregue por 37 servidores do Inep, no início de novembro, foi uma reação a mudanças no pagamento de uma gratificação. O presidente da Associação dos Servidores do Inep (Assinep) rebateu, disse que a gratificação foi auditada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e afirmou que a insatisfação no órgão é generalizada, tanto entre os que recebem essa gratificação como entre os que não a ganham.

Na terça, Milton Ribeiro já havia negado denúncias de interferência política na elaboração da prova do Enem e atribuiu a crise interna no Inep a uma "questão administrativa, de pagamento ou não de gratificação". Servidores do Inep vêm relatando casos de assédio moral envolvendo Dupas e dizem que sua permanência no cargo fragiliza o Inep. Em uma assembleia no começo do mês alguns deles também destacaram que há indícios de que processos sejam deletados do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), onde são registrados todos os andamentos administrativos feitos pelos órgãos públicos.

Na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que as perguntas do Enem "começam agora a ter a cara do governo" . Nesta quarta, em audiência no Senado, sem fazer referências às declarações de Bolsonaro num primeiro momento, Dupas negou qualquer tipo de interferência:

— Sobre a interferência nas provas do Enem, o ministro da Educação e eu não tivemos em nenhum momento acesso às provas. As provas foram montadas pela equipe técnica e seguindo a metodologia que vem sendo adotada: a teoria de resposta ao item. Os itens utilizados para a elaboração do Enem 2021 já estavam prontos e disponíveis no banco de itens, porque foram produzidos em gestões anteriores. Não há qualquer interferência.

Depois, fez uma referência à fala de Bolsonaro:

— Não houve interferência alguma do Palácio do Planalto. A cara do nosso governo, da nossa gestão é seriedade e transparência. Não houve interferência do Palácio do Planalto em decidir ou escolher qualquer item da prova ou tema de redação. Não houve interferência.

O presidente do Inep rechaçou denúncias de assédio moral, dizendo que elas não correspondem à realidade e à totalidade dos fatos:

— Em mais de 20 anos de atuação profissional, minha administração nunca foi denunciada por ações de assédio moral. Não tolero e não coaduno com ações desse tipo. Todas as denúncias que chegarem aos canais disponíveis serão tratadas seguindo os preceitos legais e pelas instâncias ligadas aos órgãos de controle.

Ele afirmou que a realização do Enem nos dois próximos domingos está garantida, sem qualquer risco. Citou também outros exames de responsabilidade do Inep que, segundo ele, estão ocorrendo sem qualquer tipo de problema. E afirmou que mudanças realizadas pela gestão, como no pagamento das gratificações e o retorno gradual ao trabalho presencial, geram desconforto. De acordo com Dupas, 35 dos 37 que pediram exoneração ganhavam a gratificação, mas não apontou se eles estariam recebendo os valores de forma correta ou errada.

— Somos questionados se é natural que esse elevado número de servidores peça exoneração ao mesmo tempo. Não é natural. Também não é natural que 37 servidores aparentemente preocupados com o exame, com o Inep peçam exoneração ao mesmo tempo e na véspera da realização das provas. Também não nos parece natural que essa ação coordenada de pedidos de exoneração aconteça depois de adoção de medidas que buscam dar maior transparência e padronização de pagamentos aos servidores que em 2012 representavam 700 mil reais, e chegaram a alcançar na sua totalidade 8 milhões de reais — disse Dupas.

O presidente dos servidores da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), Alexandre Retamal, rebateu e destacou que, se a motivação dos servidores que pediram exoneração fosse financeira, eles não teriam tomado essa decisão, que reduz os seus vencimentos.

— O que está acontecendo não é uma situação por conta de briga ideológica, por motivação ideológica, política, ou por motivações financeiras, por conta da gratificação. Essa gratificação é regulamentada por lei e que é objeto de acórdão do TCU. Foi auditada pelo Tribunal de Contas da União — disse Retamal, acrescentando que há relatos de assédio moral, de pressão e de servidores que estão sendo ignorados em suas opiniões técnicas:

— Vivemos hoje no Inep um clima de desconfiança, de insegurança, de insatisfação generalizada com a atual gestão.

O deputado Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, também criticou a gestão do Inep e citou o caso de um policial federal que teve acesso à área segura do Enem:

— Ter agente da Polícia Federal dentro da área segura do Enem não é adequada. Por que motivo está ali. Por que ninguém foi avisado da presença dele? Por que a autorização dele foi excluída do sistema eletrônico de informação, o SEI? É isso que queremos saber.

O deputado destacou ainda a criação de uma comissão paralela para a elaboração do Enem, mas o presidente do Inep disse que o objetivo era aperfeiçoar o exame. Ainda segundo Dupas, como foi avaliado que o processo já existente era suficiente, o assunto foi encerrado, não tendo ocorrido nenhuma imposição. O presidente do Inep também defendeu a participação da Polícia Federal:

— O Inep tem sim chamado tanto a Polícia Federal ou até a Abin [Agência Brasileira de Inteligência] para verificar o nível de segurança do próprio instituto. A Polícia Federal tem sua prerrogativa, enviou um perito para analisar o ambiente seguro.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da Comissão de Educação do Senado, criticou Bolsonaro:

— Acho que ele botou gasolina a fogueira quando diz que a prova do Enem vai ter a cara do governo. Ora, dois mais dois são quatro, não tem cara do governo em canto nenhum. Ciência é ciência. Não pode existir isso.

Segundo as denúncias, Dupas também teria tentado não compor a Equipe de Incidentes e Respostas (Etir) do Enem 2021, responsável pela gestão de crise do exame, que historicamente têm como líder o chefe da autarquia, mas voltou atrás após o caso vir a público. Nesta quarta, o presidente do Inep disse que não deixou de participar do grupo, mas apenas quis deixar de receber a gratificação.