Presidente do FNDE diz que kit robótica possivelmente atendeu a indicação parlamentar

No Senado, dirigente afirma que terceiros usaram seu nome para 'se gabaritar ou fazer lobby' no caso do balcão do MEC

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Brasília

O presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Marcelo Lopes da Ponte, afirmou que a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas, com deficiências estruturais, muito possivelmente atendeu a "indicações parlamentares".

Sem entrar em detalhes, o dirigente afirmou que a compra dos kits teve "critérios técnicos" e também jogou a responsabilidade pelos investimentos para os municípios.

Nesta quarta-feira (6), a Folha mostrou que o governo Bolsonaro destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC para a aquisição de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas. Essas instituições, no entanto, sofrem com carências básicas de infraestrutura, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.

Kit de robótica entregue à Escola Municipal João Lemos Ribeiro, na zona rural de Maravilha, Alagoas - Pedro Ladeira-4.abr.22/Folhapress

Municípios que contrataram kits robótica com a empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), concentram 79% do total gasto pelo governo Jair Bolsonaro com essas despesas em 2021 em todo o país.

Cada kit foi adquirido pelas prefeituras por R$ 14 mil, valor muito superior ao praticado no mercado e ao de produtos de ponta de nível internacional.

O diretor do fundo, responsável pelos repasses de educação para os municípios, participou na manhã desta quinta (7) de audiência da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. Lopes da Ponte foi convidado para prestar esclarecimentos sobre as denúncias de tráfico de influência e balcão de negócios para a distribuição de recursos.

Durante a sessão, no entanto, alguns senadores cobraram duramente Marcelo Lopes da Ponte sobre a compra dos kits robóticas.

Inicialmente, o dirigente buscou retirar a responsabilidade do FNDE e atribuiu para os municípios. Disse apenas que houve atendimento a "critérios" pela parte do fundo.

"Todo o recurso que sai do FNDE, no caso de robótica ou equipamento de mobiliário, eles saem com a licitação entregue e nota fiscal", afirmou.

"O kit não foi para a escola, o critério não foi para a escola. Ele foi para o município. Não significa que vai para aquela escola que está desenhada [na reportagem]. É o prefeito [que pede]", completou.

O presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, em audiência no Senado - Pedro França/Agência Senado

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) questionou o presidente do FNDE se os prefeitos preferiram a compra dos kits robóticas a realizar melhorias estruturais, como a compra de carteiras escolares, paredes, computadores.

"Possivelmente tiveram indicações de recursos para essa ação, indicações parlamentares", respondeu Marcelo Lopes da Ponte, que afirmou não saber de pronto quais parlamentares podem ter feito as indicações.

Marcelo Loes da Ponte também respondeu diversas perguntas sobre as denúncias de existência de um balcão de negócios para a distribuição de recursos para a educação, esquema que seria operado por dois pastores.

O presidente do FNDE indicou que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura usavam seu nome e o do ex-ministro Milton Ribeiro indevidamente ‘para se gabaritar, para fazer lobby’.

O dirigente negou a existência de um esquema dentro do FNDE para beneficiar repasses para aliados do centrão e indicados pelos pastores. Sobre a participação dos religiosos em eventos oficiais, relatou quatro participações dos pastores, mas disse que eles apenas "faziam orações".

O Ministério da Educação e o FNDE tornaram-se foco de investigação, após o surgimento de indícios de um esquema informal de obtenção de verbas. Os operadores seriam os pastores Gilmar e Arílton, que não possuem cargo público.

As denúncias foram depois confirmadas por três prefeitos, que prestaram depoimento na mesma comissão no dia 5. Os dois religiosos são ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e eles atuariam em nome do MEC, priorizando a liberação de valores para gestores próximos a ele ou que pagassem propinas e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político de sustentação do governo.

A crise ganhou novas proporções com a divulgação de um áudio pela Folha, no qual o então ministro afirma que prioriza amigos e indicações do pastor Gilmar Santos, a pedido do presidente Jair Bolsonaro. Ele ainda indica haver uma contrapartida supostamente direcionada à construção de igrejas.

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro na conversa em que participaram prefeitos e os dois religiosos.

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro na conversa.

Milton Ribeiro foi exonerado em 28 de março.

Em seu depoimento, Marcelo Lopes da Ponte negou a existência de um esquema dentro do FNDE para direcionar recursos para municípios indicados pelos pastores. O dirigente negou qualquer tipo de relação com os pastores e que eles apenas usavam seu nome indevidamente.

"Acredito que terceiros usaram o nome dele ou meu eventualmente para se gabaritar ou para fazer lobby, sem a nossa autorização, haja vista que não tem nenhum tipo de servidor do FNDE que tenha sido relacionado nessas de denúncias", afirmou durante a audiência, acrescentando que não houve nenhum repasse para municípios indicados pelos pastores.

Quando questionado sobre a presença dos pastores em eventos oficiais do governo, Marcelos Lopes da Ponte jogou a responsabilidade para o cerimonial do Ministério da Educação e disse que tinha a percepção de que eles apenas faziam orações.

"Os senhores Gilmar Santos e Arilton, eu os conheci em uma agenda no Ministério da Educação. Minha relação foi enquanto convidado para essas audiências. Tiveram algumas agendas, não sei precisar o número. Foram algumas, no plural. O dispositivo era composto pelo cerimonial do MEC e eu era convidado a participar enquanto presidente do FNDE. Assim como tem outros eventos, que tem inúmeros participantes", afirmou.

"Eles [pastores] faziam alguma fala, alguma oração, foi o que eu percebi, o que tive de entendimento, nada mais além disso que eu tenha percebido", completou.

Em outro momento, no entanto, afirmou que os pastores ajudavam a organizar encontros com os prefeitos, faziam a logística. "Eles me diziam, por exemplo, quantos prefeitos estariam para eu saber o número de técnicos que eu precisava levar para esse evento", afirmou

"Eles falavam do público que estaria lá presente, 30 pessoas, por exemplo. A parte logística era eles que me passavam. A minha parte era técnica, de levar o efetivo, os técnicos necessários", completou.

Os prefeitos ouvidos pelos senadores apontaram o mesmo modus operandi: após reunião no Ministério da Educação, nas quais os pastores se sentavam na mesa de autoridades, como o ministro Milton Ribeiro e o presidente do FNDE, eles eram convidados para almoçar com os religiosos. Nesses almoços aconteceram os pedidos de propina.

O prefeito de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), por exemplo, confirmou aos senadores a denúncia de que ouviu pedido de propina de um quilo de ouro para liberar os recursos, isso após um pagamento antecipado de R$ 15 mil para protocolar o pedido.

Marcelo Lopes da Ponte disse que mandou suspender os repasses para os municípios cujos prefeitos participaram da audiência no Senado, até a conclusão das investigações pela CGU (Controladoria Geral da União).

Nesta terça, 3 dos 5 prefeitos que participaram da audiência no Senado confirmaram pedidos de propina feitos pelos pastores: Gilberto Braga, de Luís Domingues (MA); Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO) e José Manoel de Souza, de Boa Esperança Do Sul (SP).

Por outro lado, disseram não ter ouvido nenhum pedido de propina Calvet Filho, de Rosário (MA); e Helder Aragão, de Anajatuba (MA). Os municípios governadores por esses dois prefeitos, no entanto, obtiveram recursos do FNDE.

O presidente do FNDE também evitou críticas a Milton Ribeiro e disse acreditar em sua conduta à frente do Ministério da Educação.

"Ministro Milton Ribeiro pessoa da mais elevada estima, de cordialidade, respeito. Acredito na conduta dele, acredito na postura que ele teve frente ao Ministério da Educação. A minha relação sempre foi a melhor possível", afirmou.

Também estavam previstas inicialmente as participações dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, para explicar suas participações no suposto esquema de balcão de negócios e rebater as acusações de tráfico de influência. No entanto, ambos enviaram ofícios na noite de quarta-feira (6) para a comissão indicando que não compareceriam.

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