Educação

Por Pedro Lins, TV Globo


Série Educação: NE1 debate desafios da alfabetização

Série Educação: NE1 debate desafios da alfabetização

O ensino remoto, adotado durante uma parte da pandemia, foi uma alternativa à interrupção das aulas presenciais devido à Covid. Entretanto, o formato pela internet trouxe grandes desafios às famílias, especialmente as que tinham crianças pequenas sendo alfabetizadas. Por causa disso, segundo especialistas, esse processo foi prejudicado amplamente (veja vídeo acima).

(Até a sexta-feira, 11, o g1, o Bom Dia PE, o NE1 e o NE2 trazem reportagens com reflexões sobre a educação. Confira, mais abaixo, links das outras matérias.)

Em Pernambuco, as aulas foram suspensas no dia 18 de março de 2020. Para os estudantes de redes municipais, as escolas só foram autorizadas a retomar em abril de 2021. Mesmo assim, cada cidade montou o próprio cronograma de retomada. Em algumas delas, como em Paulista, no Grande Recife, isso só começou a ocorrer em março de 2022, após determinação judicial.

As medidas adotadas na área da educação por causa da pandemia tiveram o efeito colateral de aumentar a disparidade entre as redes privada e pública de ensino. Enquanto, nos colégios particulares, os alunos puderam ter aulas pela internet, nas escolas municipais e estaduais, a situação foi bastante preocupante.

Discussão sobre alfabetização é tema de reportagem de série da TV Globo — Foto: Reprodução/TV Globo

A professora Fernanda Oliveira, por exemplo, trabalha na rede municipal de Olinda. Ela ensina crianças em processo de alfabetização e contou que a defasagem foi devastadora. Nem todos os alunos tinham acesso à internet, e a maioria dos que tinham precisava disputar os aparelhos com irmãos, também em idade escolar.

"Em algumas casas, era um celular para quatro ou cinco crianças. Muitas vezes, o pai, que trabalhava de forma informal, não estava em casa para dar o devido acompanhamento às aulas online. No meu caso, professora de crianças pequenas, de 6 anos, elas eram as últimas a pegar o celular, porque tinha a criança maior, do ensino médio; tinha a outra, do fundamental 2; tinha outra no 5º ano, até chegar na que estava na alfabetização", afirmou Fernanda.

A realidade de Fernanda não é a vivenciada por Marcela Wanderley, também professora, mas da rede privada. Isso não significa, no entanto, que o período não tenha sido desafiador e que frustrações não tenham ocorrido durante o período de aulas online.

"A alfabetização é um processo global. Desde muito antes de chegar ao ensino fundamental, tanto na escola quanto em casa, quando a gente oferece os estímulos para as crianças, elas já estão dentro desse processo, através de adquirir as habilidades que a gente chama de habilidades preditoras para essa alfabetização. Na pandemia, esse trabalho foi compartilhado com as famílias", disse Marcela.

A psicóloga Tathiana Almeida sentiu isso na pele quando teve que começar a ajudar o filho nas aulas online. Ela brinca dizendo que, antes, com a alfabetização das filhas maiores, pensava que esse processo ocorresse de forma quase automática, ou "por osmose". Com a pandemia, essa visão mudou.

"Eu me deparei com a necessidade de me debruçar e ver as técnicas que as professoras usam, porque é muita ciência por trás, é muito estudo. O quanto isso me faz falta. Por mais que eu tivesse a paciência e a vontade, me faltava toda uma bagagem anterior, e eu tinha muito receio que respingasse no meu filho. Com a volta à escola, a volta presencial, com as professoras que ele teve até então, eu vi o quanto que é fundamental e importante, e o quanto que a escola é muito maior que apenas ensinar a ler e escrever", declarou Tathiana.

Para a professora Catarina Gonçalves, doutora em educação e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não há como negar o prejuízo à aprendizagem das crianças na pandemia. Por isso, ela aponta que é preciso reconhecer o período pandêmico dentro do currículo escolar, para, assim, tentar suprir as necessidades dos alunos.

"Nesse momento, o que a gente precisa é investir fortemente em reorganização curricular, porque a gente não pode seguir em frente como se esses dois anos [da pandemia] não tivessem acontecido. Tem uma série de pesquisas mostrando, por exemplo, que, do ponto de vista da aquisição de vocabulário, as crianças tiveram defasagens enormes", explicou Catarina.

O que é alfabetização?

Criança em processo de alfabetização — Foto: Reprodução/TV Globo

As professoras comentaram que existe uma pressão das famílias para que as crianças aprendam a ler e escrever, mas que, por outro lado, não há uma compreensão do que é se alfabetizar. Catarina Gonçalves afirmou que a alfabetização precisa ser vista como um processo em que a pessoa se torna capaz de refletir e de pensar sobre essa língua, e não como uma simples transmissão.

"Isso envolve, também, o contexto de apropriar-se desse sistema de escrita alfabético, mas hoje a gente insere, junto, o contexto de letramento. É preciso, também, não só saber ler e escrever, mas ler e escrever em situações específicas, fazer uso de forma autônoma e crescer através dessa apropriação que Paulo Freire já nos ensinou há bastante tempo, que a leitura do mundo precede a leitura da palavra", contou Catarina.

Antes, inclusive, a alfabetização era uma série, que passou a ser o 1º ano do ensino fundamental. Isso não significa, no entanto, que a alfabetização ocorra somente nesse ano escolar.

"Durante a pandemia, pessoas sem nenhuma formação precisaram assumir, emergencialmente, uma atividade para a qual não foram formadas. A gente precisa desconstruir essa ideia de que é o volume de tarefas que as crianças fazem. A gente tem que se preocupar com a qualidade da reflexão que elas estão fazendo, com os jogos que elas estão brincando, porque o que vai ajudar a criança nesse processo de alfabetização são as experiências qualitativas que elas têm de pensar sobre a língua", disse Catarina.

Recomposição

Segundo a psicopedagoga Pollyanna Amorim, é urgente que as escolas repensem os componentes curriculares, para que seja possível lidar com a defasagem provocada pela pandemia. O primeiro passo, de acordo com a especialista, é a identificação, por parte dos professores, dos desníveis entre os alunos e as dificuldades pelas quais eles passam.

"Nesses primeiros anos pós-pandemia, a gente precisa de identificação desses problemas, dessas dificuldades de aprendizagem, e de afinamento com essas famílias. Porque as famílias nunca estiveram tão perto das dificuldades de aprendizagem dos seus filhos", declarou Pollyanna.

Ela afirmou, ainda, que é preciso lembrar que a escola é o principal local de socialização das crianças, por isso a necessidade de as famílias se envolverem ao máximo no dia a dia escolar, já que é dentro da escola que os alunos resolvem problemas sociais. Além disso, é necessário ouvir as crianças.

"A escola tem que ser entendida como uma comunidade, então a criança tem que ser ouvida. Nos seus prazeres, no que gostam, no que gostam de brincar, mesmo pequenos. E é isso que tem que construir essas competências, essas habilidades. Isso tem que ser levado para a sala de aula, e os pais têm que participar disso, de toda essa construção, dessa adaptação curricular. Não é uma adaptação, de fato, formal, mas é uma adaptação para que a aprendizagem, de fato, ocorra, para que essa alfabetização de fato ocorra", explicou Pollyanna.

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