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Prefeitura de SP não descarta aulas aos fins de semana e iniciar o ano letivo já em janeiro

Em entrevista ao GLOBO, secretário municipal de Educação promete testagem em massa de toda a comunidade escolar a partir de 1º de outubro
Cidade de São Paulo se prepara para testar 777 mil alunos e educadores antes da volta às aulas Foto: Secretaria Municipal de Educação/Divulgação
Cidade de São Paulo se prepara para testar 777 mil alunos e educadores antes da volta às aulas Foto: Secretaria Municipal de Educação/Divulgação

SÃO PAULO - O retorno presencial às aulas na cidade de São Paulo, ainda que opcional e em quantidade reduzida de alunos, está previsto para novembro, após mais de sete meses de suspensão em função da pandemia do novo coronavírus. Tema controverso mundialmente, a volta dos estudantes às salas de aula tem gerado debate entre professores, alunos, especialistas em educação e gestores estaduais e municipais.

Em entrevista ao GLOBO, o secretário Municipal de Educação, Bruno Caetano, diz que não faltará teste na comunidade escolar, destaca urgência na recuperação da aprendizagem presencial e fala dos maiores desafios na retomada das aulas. "Superados os desafios das compras de materiais e testes, é preciso vencer a confiança do poder público com as famílias, não só na cidade de São Paulo, mas de toda a educação", afirma. Com tanto tempo sem aula, Caetano diz que a prefeitura não descarta aulas aos fins de semana e iniciar o ano letivo já em janeiro: "Só há um jeito de fazer isso (recuperar o tempo perdido), ampliando o tempo de estudo do aluno".

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São Paulo se prepara para realizar uma testagem em massa na comunidade escolar, com 777 mil pessoas, a partir de 1º de outubro. Para Caetano, esse censo sorológico será capaz de balizar a volta às aulas presenciais na capital paulista. "Com o teste sorológico vamos entender a prevalência do vírus entre educadores e crianças, e conferir quem já tem anticorpos antes da volta às aulas. A expectativa da prefeitura é já ter realizado os testes até 10 de novembro", afirma.

Leia a entrevista na íntegra:

Qual é o principal dilema da volta às aulas presenciais? O que ainda tem tirado o sono da educação?

O principal desafio, não só da cidade de São Paulo, mas de toda a educação, é estabelecer uma relação de confiança com as famílias. É mostrar de fato que nós temos condição de oferecer uma volta segura, porque quando olhamos as pesquisas de opinião, mais de 80% das famílias dizem que não vão mandar os filhos às escolas mesmo se elas reabrirem. Superados os desafios das compras de materiais e testes, é preciso vencer a confiança do poder público com as famílias. A volta no início será sempre opcional, pois os conselhos de educação ratificaram o entendimento de que, enquanto não houver vacina, o poder público continuará oferecendo ensino à distância para as famílias que optarem por não mandar os seus filhos.

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Com o início previsto para novembro, é possível que as aulas invadam o recesso de fim de ano e encurtem os feriados de Natal e Ano-Novo?

Provavelmente, as aulas presenciais devem invadir dezembro todo, parando apenas para o Natal. Não descartamos também, conforme resultado de uma avaliação diagnóstica, retomar o ano letivo de 2020 nos primeiros dias de janeiro. Seguramente, dezembro vai até 20, ou 21, no limite do Natal.

Como será realizada a testagem em massa em alunos e profissionais da educação?

Todo mundo da rede municipal será testado. No primeiro momento, serão 777 mil pessoas, entre alunos de quatro a 90 anos, porque inclui o EJA, e também profissionais de saúde. Tem ainda um último público, de crianças abaixo de 4 anos, que será testado na sequência. Como são crianças bem pequenas, muitas vezes bebês, o teste será feito nas Unidades Básicas de Saúde, ao contrário do que será realizado agora, nas escolas. Para esse público, a testagem será feita com a checagem da carteirinha de vacinação.

Quando serão iniciados os testes e qual o prazo para o término?

A primeira rodada de 200 mil testes será feita durante 15 dias, com início dia 1º de outubro. Envolve todos os profissionais da educação, alunos do 3º ano do ensino fundamental e do 9º ano. São testes que a prefeitura já tem em estoque. Nesse momento, a secretaria realiza o credenciamento de mais laboratórios para realizar o restante a partir do dia 15.

No começo da pandemia, o país todo enfrentou dificuldades para aquisição de testes. Vai ter teste para todo mundo?

Sim. O teste que estamos realizando não é o rápido, é o sorológico. O processamento desses testes vai ocorrer no laboratório da própria prefeitura. A coleta de sangue será encaminhada por profissionais de saúde ao laboratório da prefeitura. A opção da prefeitura pelo teste sorológico é entender a prevalência do vírus entre educadores ou crianças, e conferir quem já tem anticorpos contra o coronavírus. Em três dias de coleta, o teste fica disponível. A última coleta da primeira fase deve terminar até 15 de outubro, e os resultados sairão até dia 18. É possível que já na segunda semana de outubro a gente já comece a segunda fase. A expectativa da prefeitura é até 10 de novembro ter realizado todos os testes.

Os testes vão definir o retorno às aulas em São Paulo?

Claro, mas a gente não precisa aguardar o resultado de todos os testes em 100% para que os próximos encaminhamentos sejam realizados. A prefeitura já decidiu que o retorno às atividades será faseado, privilegiando os anos finais de cada ciclo. Por isso, estamos começando a testar o ensino médio inteiro, o 9º e o 3º ano do fundamental. Quando tiver o retrato dessas três, já podemos tomar a decisão de retornar ou não essas séries.

O teste servirá como garantia de imunidade de rebanho dentro da comunidade escolar?

Não sei se dá para dizer nesses termos, até porque ainda há divergência na ciência sobre qual é o índice mágico para alcançar a imunidade de rebanho. O que temos visto nos nossos inquéritos sorológicos que precederam o censo é que a prevalência do coronavírus que já beira os 20%. Essa é expectativa em relação ao censo, já que com o inquérito tivemos uma base amostral, com rigor estatístico, de 20%. Se isso se confirmar, já teríamos condição suficiente para autorizar um retorno seguro em São Paulo.

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A longo prazo, a questão da testagem preocupa, levando em consideração que testes vão continuar ocorrendo com frequência na comunidade escolar?

Se for necessário, a prefeitura vai organizar uma nova rodada entre aqueles que não são prevalentes e não apresentaram anticorpos. É claro que isso precisa ter um prazo, ou seja, um hiato de tempo entre um teste e outro. Não temos a capacidade de testar todo mundo todos os dias, isso é impossível, mas de ciclos em ciclos isso é perfeitamente possível. No caso do inquérito sorológico, já estamos na quarta rodada de testes entre alunos da rede pública municipal. Se for necessária, essa repetição de testes pode ser feita no censo sorológico.

Já passamos da fase de nos preocupar com a falta de testes? Não teremos escassez nesse sentido?

Para essa ação, não. Escolhemos o sorológico pela sua precisão, informação segura, mas também pela própria capacidade da prefeitura de fazer a testagem em massa.

São Paulo se espelhou em algum modelo de testagem em massa?

Na educação, não. Não temos notícias de outra cidade do mundo com esse porte, de mais de quatro milhões de habitantes, que tenha realizado essa ação para coordenar o retorno às aulas. Temos aprendido com outros lugares do mundo, bons exemplos e maus também. Vimos África do Sul e Israel fechando escolas, mas não temos notícias de aglomerados urbanos do porte de São Paulo que tenham realizado essa ação entre alunos da rede pública.

No seu ponto de vista, de onde vem as maiores pressões para abrir ou manter as escolas fechadas?

A pressão vem da falta de informação. Nós temos procurado trazer publicamente todas as informações disponíveis. Quando damos publicidade às informações, as pressões diminuem. É o que tem acontecido na cidade de São Paulo. Todo mundo compreendeu, antes de realizar a volta às aulas, a importância de fazermos testes em massa. Isso também tem inspirado as redes particulares a fazer o mesmo. Essa não é uma obrigação da prefeitura, até porque não temos competência para obrigar esse tipo de ação, mas já temos notícias de que muitas escolas particulares farão o mesmo que a prefeitura.

Quais são os prós e contras da abertura das escolas?

A recuperação da aprendizagem é urgente. Por mais que os professores estejam se esforçando, assim como os estudantes e seus familiares, nada substitui o ensino presencial. Tenho certeza que o ensino híbrido veio para ficar, com auxílio da tecnologia, mas como forma complementar, não como principal. É acessório na educação, mas nunca será o principal. É claro que quando temos escolas fechadas pelo tempo que ocorreu no Brasil, há um prejuízo evidente. É por isso que se faz urgente a retomada das aulas presenciais, mas nesse momento também é necessário presar o valor universal que é a vida e à saúde.

Dadas as condições propícias à saúde, qual o nível de urgência da retomada?

É urgente, mas precisa ser segura. Nada adianta abrirmos as escolas de maneira não planejada e não preparada , para termos de fechar 15 dias depois, como já aconteceu em vários lugares do mundo, e até mesmo no Brasil. Em São Paulo tenho certeza que o censo vai dar tranquilidade de indicar quem teria condições de voltar sem risco.

O tema da retomada às aulas é um duelo entre pais, professores e gestores? Como tem sido essa tomada de decisões?

Com informação. Quando a gente informa aos educadores que vamos atender o pedido deles de fazer testes em todos, eles compreendem o esforço, e concordam com a decisão do retorno entre os que já têm anticorpos. Ao invés da briga e do conflito, é procurar um diálogo. Além dos testes, adquirimos milhões de máscaras, álcool em gel e kits individuais de higiene para professores. É natural que todos estejam inseguros e com medo, mas a partir do momento que a gente se prepara para oferecer testes e condições nas escolas, a resistência vai diminuindo.

Existe um modelo ideal de retomada? Onde precisamos abrir mais os olhos?

O nosso modelo de retomada leva em conta dois movimentos. O do poder central de a prefeitura assumir as responsabilidades naquilo que é indelegável, por exemplo fazer testes em massa e adquirir equipamentos. Isso é tarefa do poder público. Mas também é preciso compreender que, no caso de São Paulo, são quase quatro mil escolas municipais, 13 mil salas de aula. É impossível, como secretário, ter a exata percepção de cada uma das unidades escolares. Por conta disso, além das responsabilidades centrais, fizemos um repasse de R$ 120 milhões às escolas para que elas tenham autonomia para realizar intervenções necessárias. Eu não consigo enxergar do meu gabinete como é a situação de cada uma delas. Isso é papel do diretor, mas também seria muito injusto eu jogar a responsabilidade para ele, sem que ele tivesse recurso para resolver o problema.

Eu realizei 13 videoconferências com todas as diretorias regionais de educação, e nenhuma delas durou menos de quatro horas. Foram conversas muito duras, com professores mostrando contrariedade, dizendo que estavam inseguros e até cobrando a contratação de mais profissionais. Foi muito difícil, não foi simples, mas a conversa olho no olho foi proveitosa para nos prepararmos melhor e para discutir os protocolos de retomada com toda a rede.

A prefeitura de São Paulo se espelha em algum modelo modelo internacional?

Nós olhamos para o mundo todo. Falam "a Suécia nunca fechou escolas". Mas, veja, nossa menor diretoria regional tem mais alunos do que a população inteira de várias cidades suecas. É muito difícil se comparar com outras cidades do mundo. Talvez, a gente olhe o exemplo de Nova York, que, assim como São Paulo, não retomou as aulas e parou mais ou menos na mesma época que a gente. Lá eles têm movimentos parecidos aos nossos, exceto o censo sorológico.

Já é possível estimar o prejuízo aos estudantes? Em quanto tempo será recuperado?

Sim, estimamos um prejuízo, e para isso uma das primeiras questões no retorno é a aplicação de uma avaliação para mensurarmos exatamente as aprendizagens realizadas e as que não foram atingidas durante a pandemia. Com o resultado da prova, que deve ser aplicada em novembro, vamos calibrar o programa de reforço escolar. Essa recuperação vai ocorrer ao longo deste ano ainda e durante todo ano que vem, isso já está decidido. É fazer com que dois anos de aprendizagem caibam em um ano e três meses. Vamos fazer isso com a compra de 465 mil tablets aos alunos dos ensinos fundamental, médio e do EJA.

A ideia é que todo o ano que vem tenha ensino integral híbrido para recuperar o tempo perdido por causa da pandemia?

Onde for possível fazer o tempo integral presencial, nós faremos, mas já tínhamos muitas escolas funcionando em três turnos, então não há espaço físico para uma recuperação presencial, salvo aos fins de semana, que ainda não descartamos para essas atividades. Só há um jeito de fazer isso, ampliando o tempo de estudo do aluno.