Política
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Por Luiza Tenente, G1


Em janeiro de 2019, todos os ônibus escolares de Ibaretama, no Ceará, foram incendiados durante um ataque atribuído a facções criminosas. Desde então, o município não tem veículos próprios para o transporte de alunos da rede pública e conta apenas com serviços terceirizados.

O secretário de Educação da cidade, Alessio Lima, afirma que solicitou ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) 20 novos ônibus para suprir a demanda da cidade. Do início de 2021 até o momento, o pedido aparece no sistema com o status de "aguardando análise".

É esse mesmo fundo, tão visado por políticos e determinante para as redes de ensino, que serve de palco para o escândalo dos pastores no Ministério da Educação (MEC), revelado pela imprensa. O caso resultou na saída do ministro Milton Ribeiro, que pediu exoneração do cargo em 28 de março, e em uma operação da Polícia Federal (PF) para prendê-lo nesta quarta-feira (22).

Quais as denúncias a respeito do lobby dos pastores?

Segundo o jornal "Estado de S. Paulo", os pastores evangélicos Arilton Moura e Gilmar dos Santos (que não ocupam cargos no governo) negociaram com prefeitos a possibilidade de liberar verba do FNDE mesmo sem seguir critérios técnicos ("O Globo" aponta até supostos pedidos de propina ou trocas de favores envolvendo compras de Bíblias).

Em áudio revelado pela "Folha de S.Paulo", o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, fala abertamente sobre esse lobby em uma reunião com prefeitos e diz que o esquema é um pedido do presidente Jair Bolsonaro. Ambos negam as acusações.

Por que o FNDE é tão disputado, a ponto de ser considerado a pérola do MEC?

O FNDE, órgão criado em 1968, executa as políticas educacionais do MEC e repassa recursos para municípios e Estados.

Em 2021, ele deteve 28,3% do orçamento do ministério: cerca de R$ 26 bilhões (em R$ 92 bilhões da pasta), segundo valores corrigidos pelo IPCA de janeiro deste ano.

Desses R$ 26 bilhões, 4,6% (R$ 1,2 bilhão) estavam livres para verbas discricionárias (aquelas que representam gastos não obrigatórios). Entram na conta, por exemplo: ações do PAR, como as de apoio à educação básica, de produção de livros didáticos e de aquisição de veículos escolares, e outros custos do FNDE.

Em 2020, a situação era mais confortável, como mostra o levantamento de Nelson Amaral, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca): R$ 30 bilhões de orçamento do FNDE, sendo 17,1% voltados para os gastos não obrigatórios (aproximadamente R$ 5 bilhões).

Por mais que os valores tenham sofrido queda, o FNDE continua sendo o órgão mais visado do MEC, como explica Amaral.

"O orçamento do MEC tem muitas despesas obrigatórias. Por isso, o FNDE é a pérola da pasta, o local de cobiça, já que oferece essa maior flexibilidade", afirma.

"Existe uma liberdade para usar o dinheiro [não discricionário] para interagir com deputados, prefeitos e governadores."

No orçamento das universidades, por exemplo, isso não seria possível, já que os reitores gerenciam a verba.

"Não tem jeito, o único lugar que sobra no MEC para ter uma faceta maior de fazer política com estados e prefeituras é o FNDE."

Como o funcionamento do FNDE pode abrir brechas para irregularidades?

São três tipos de direcionamento de verba pelo FNDE. O terceiro deles é o mais flexível, segundo Ursula Peres, professora da EACH/USP e especialista em finanças públicas. É ele que pode abrir brechas para problemas de administração.

Veja a lista a seguir:

  • Constitucionais - Como o próprio nome já indica, são repasses obrigatórios e previstos na Constituição. Acontecem de forma automática e com cronograma rigoroso, sem atrasos. Exemplo: Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
  • Legais - Estão previstos em alguma lei e disciplinados em portarias ou resoluções específicas do FNDE. É tudo normatizado. Exemplos: no Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate), o fundo transfere recursos com base no valor previsto para cada aluno matriculado. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) também já estabelece as quantias (em creches, R$ 1,07, por aluno, a cada dia letivo; na pré-escola, R$ 0,53; no ensino fundamental e médio, R$ 0,36).
  • Voluntários - É aqui que se desenha um cenário mais aberto. São feitos convênios para a liberação das verbas solicitadas, sem uma definição prévia de valores ou cronogramas fixos. Exemplo: Plano de Ações Articuladas (PAR).

A cada ciclo do PAR (de 4 anos), os municípios apresentam as necessidades de suas redes de educação. Uma escola precisa de computadores novos? Um bairro não tem creches em número suficiente? Os professores de determinada região desejam um curso de formação continuada? É por esse programa que essas demandas vão ser registradas.

Tudo deve estar documentado, como a justificativa, a estimativa do investimento necessário, o mapa do terreno onde uma obra acontecerá etc

O objetivo é que o MEC e o FNDE entendam quais são as necessidades mais urgentes em educação. Pela última resolução a respeito do PAR, em 2020, seriam usados critérios como: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do ente que fez o pedido, vulnerabilidade socioeconômica e índice de distorção idade-série.

"Na prática, não fica tão claro qual demanda que passou na frente. É mais difícil ter prestação de contas [nos repasses voluntários] do que nos legais ou constitucionais", afirma Peres.

Amaral, da Fineduca, reforça essa diferença entre os tipos de transferência financeira.

"No PAR, o município apresenta um projeto mais amplo, para obter recursos. Mas como essa solicitação vai andar; em qual velocidade? Isso pode depender de múltiplos fatores", explica. "Aí é que surge um [pedido] andando mais rápido do que o outro."

Lima, da Undime, concorda. "Os repasses voluntários são os mais vulneráveis a interferências."

Mais recente Próxima Ex-ministro da Educação Milton Ribeiro é preso em operação da PF

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