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Por que pensamentos extremistas seduzem jovens autores de ataques?

Policiais em frente à escola Thomázia Montoro na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Policiais em frente à escola Thomázia Montoro na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo Imagem: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Do UOL, em São Paulo

04/04/2023 00h00Atualizada em 04/04/2023 06h49

O número de ataques a escolas no Brasil aumentou significativamente desde 2019. Com o ataque à escola Thomázia Montoro, em São Paulo, onde a professora Elisabeth Tenreiro, 71, foi morta a facadas por um aluno de 13 anos, o país já soma 22 casos de extrema violência em unidades educacionais, segundo uma pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp.

Até 2018, foram oito registros de violência extrema em escolas.

Entre 2019 e 2023, o número subiu para 14

Só em 2022 foram oito ataques em escolas nos estados: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Ceará e São Paulo.

Como entender esses números?

Cléo Garcia, especialista em Justiça Restaurativa e mestranda da Faculdade de Educação da Unicamp, é coordenadora de um estudo inédito realizado também ao lado da professora Telma Vinha, do Grupo "Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública". Ela afirma que a exposição de jovens aos discursos de ódio pode ser um dos fatores do aumento de casos.

É uma junção de fatores, não existe apenas uma causa. Mas possuem, sim, muitas características semelhantes: quando indivíduos em situação de desenvolvimento e vulneráveis, como os adolescentes, encontram-se em quaisquer tipos de sofrimento (baixa autoestima, sofrendo bullying, com histórico de problemas familiares, indícios de transtornos comportamentais, etc.), ao se depararem com ideais extremistas disseminados no mundo virtual, pode ocorrer a cooptação por parte de indivíduos engajados em disseminar e fomentar discursos de ódio contra grupos identitários, de gênero, racismo, misoginia. Cléo Garcia

A psiquiatra Danielle Admoni, especializada em infância e adolescência, explica que os jovens são mais suscetíveis a aderir a discursos extremos.

Esses pensamentos extremistas são sedutores para quem está muito perdido. Os jovens não têm a maturidade emocional e até cerebral de um adulto para entender que é um absurdo, sem cabimento. Há também uma impulsividade muito grande na adolescência, principalmente nos meninos, que são mais físicos. Danielle Admoni.

Perfil semelhante

Pesquisa apontou que há um perfil predominante dos autores

Eles são jovens, brancos e do sexo masculino

Utilizam as redes sociais e revelam planos para os mais próximos — geralmente frequentadores de fóruns e jogos on-line também com distúrbios comportamentais

Ao todo, 12 utilizaram arma de fogo, sendo que a metade deles conviviam com o armamento em casa.

Buscam vingança e reconhecimento pelo feito. "Uma valorização que geralmente não possui na vida real", segundo pesquisadora.

Só encontrávamos esse tipo de conteúdo agressivo, violento, na deep web, ou dark web - e hoje, são publicados em quaisquer redes sociais. São conteúdos assombrosos e estão abertos para qualquer criança ou adolescente que esteja utilizando essas plataformas que não possuem regulações nem responsabilidades sobre o conteúdo. Cléo Garcia.

Polarização e pandemia

A pesquisadora ainda alerta que a polarização no Brasil e a pandemia podem ter influência no aumento de casos.

Ficou claro, no ano de 2022, como as discussões e polarizações políticas se tornaram mais acirradas, utilizando-se das mesmas redes sociais para disseminação de discursos de ódio semelhantes e como radicalização violenta cresceu. Então, não há como dizer que esse cenário não influenciou no aumento de casos. Cléo Garcia.

A realidade exposta pelas estatísticas foi agravada no período pós-pandemia. Segundo dados da Secretaria da Educação de São Paulo, nos dois primeiros meses de aula de 2022, foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades estaduais — 48,5% a mais que no mesmo período de 2019, último ano em que os alunos frequentaram as aulas presenciais todos os dias.

Mesmo tendo as escolas como alvos, os ataques apresentam diferenças. Há ataques no qual a motivação está ligada principalmente à vingança e outros que estão conectados com a subcultura extremista, disseminada pela internet. No segundo caso, nem sempre os autores tiveram vivências negativas nas escolas.

Outros países

Apesar de no Brasil a frequência de ataques ser significativamente menor que nos Estados Unidos, onde só em 2022 foram 46 registros, o perfil dos autores é parecido.

A semelhança é bem significativa. Só que lá, o acesso às armas também é bem amplo e os adolescentes acabam comprando as armas em lojas. Cléo Garcia.

Na segunda-feira (27), o mesmo dia do ataque na escola de São Paulo, sete pessoas — incluindo o atirador — morreram em uma escola de ensino fundamental em Nashville, sul dos Estados Unidos.

O autor do ataque foi identificado como Audrey Hale, 28, e era um ex-estudante da escola. Ele foi morto pela polícia dentro da escola enquanto tentava acessar outras salas de aula.

A Casa Branca criticou parlamentares republicanos por dificultarem a aprovação de uma lei contra armas que, segundo a porta-voz Karine Jean-Pierre, fecharia "brechas no sistema de verificação de antecedentes criminais" ou permitira "o armazenamento seguro de armas".

"Quantas crianças mais terão que ser assassinadas antes que os republicanos no Congresso se levantem e ajam para aprovar a proibição de armas de assalto?", disse Karine Jean-Pierre em um discurso.

O que o Brasil pode fazer?

Não existe uma solução simples para coibir ataques em escolas. Segundo a pesquisadora, é necessária uma atuação intersetorial.

Isso passa pela construção de políticas públicas que contemplem programas de prevenção que possam preparar vários setores de apoio a denúncias de suspeitas e ameaças, investimentos na preparação da comunidade escolar para uma convivência saudável, participativa, dialógica, protocolos de ações que atendam as vítimas diretas e indiretas desse tipo de tragédia com acompanhamento de saúde mental"