Por que adotar um novo modelo educacional põe a liderança escolar diante de mudanças complexas - PORVIR
Crédito: Eoneren/iStockPhoto

Inovações em Educação

Por que adotar um novo modelo educacional põe a liderança escolar diante de mudanças complexas

Com a participação de especialistas nacionais e estrangeiros, evento discute como a liderança escolar pode mudar a interpretação sobre alunos e famílias para promover mudanças complexas na educação

Parceria com CLOE

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 18 de agosto de 2021

A pandemia colocou escolas diante da necessidade de adotar novos modelos de aprendizagem. Entretanto, lideranças educacionais já perceberam que fazer essa virada significa encarar mudanças complexas, que não são possíveis de serem respondidas em um semestre. Elas envolvem tomada de decisão que precisa da participação ativa de seus integrantes diretos ou indiretos: professores, equipe pedagógica, administrativa e de tecnologia, além dos próprios alunos e suas famílias.

Esse foi o tema do painel “Decodificando as complexidades na educação”, realizado durante o ALLS (Active Learning Leadership for Schools), evento online promovido pela Camino School e pela plataforma CLOE com o objetivo de debater a importância de lideranças escolares para uma aprendizagem ativa.


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O conceito de interdependência
Os três convidados que compuseram a mesa concordam em um ponto: promover mudanças em um sistema complexo passa por entender que existe uma interdependência entre aqueles que, juntos, formam o ecossistema em questão. Em uma escola, por exemplo, as ações de uma pessoa vão produzir resultados na vida de outras.

“Um erro comum é achar que há separação entre eu e o outro. Uma floresta é cheia de vitalidade por conta das conexões e trocas generosas que acontecem o tempo todo”, defendeu Artur Tacla, psicoterapeuta, educador e consultor organizacional que integrou o painel.

Durante sua exposição, o educador explicou que cada ser – seja o professor, o aluno ou uma família – tem em si uma totalidade, e que a interação entre eles é que cria as interdependências , que acarretam outras ideias, como as conexões em rede e padrões de interação que surgem a partir de tais conexões.

Por essa razão, Artur comentou que reduzir as pessoas e suas totalidades – como rotular os estudantes, por exemplo – empobrece as possibilidades. “Na educação, nós aprendemos a descrever o aluno a partir de perspectivas de problemas. Talvez fosse importante trocar essa forma de compreensão para que possamos enxergar padrões. Indivíduos, famílias, casais e escolas não têm problemas, mas sim padrões de funcionamento e funções. Explorando isso, novas possibilidades podem emergir”, apontou.

Indivíduos, famílias, casais e escolas não têm problemas, mas sim padrões de funcionamento e funções. Explorando isso, novas possibilidades podem emergir

Jornada coletiva
Para Cuca Righini, coordenadora de currículo da Camino School, esses conceitos apresentados no painel acarretam outras interpretações da escola e da educação. Uma mudança crucial, que pode ser dolorosa por alterações de comportamento e de modelos mentais das pessoas envolvidas nesse ecossistema escolar, é encarar a escola como um lugar de centralização do saber e de narrativas de certeza.

“Na complexidade não há certezas. Há diversas possibilidades. A pergunta é: como vamos ajudar nossos estudantes a navegar na complexidade num mundo que muda constantemente em uma velocidade vertiginosa? Para isso, a escola precisa ser um lugar onde o fomento de uma atitude investigativa e apreciativa diante da vida seja uma constante, não só entre os alunos, mas também em toda a comunidade escolar, o que inclui a coordenação, o corpo docente e as próprias famílias.”

Na complexidade não há certezas. Há diversas possibilidades

Segundo a educadora, é fundamental que a sociedade não demande que as escolas construam um caminho certeiro de sucesso para os estudantes, mas questione como é possível construir uma jornada de aprendizagem coletiva que permita o fortalecimento das habilidades de adaptação e aprendizagem constante.

Ambiente escolar
“Fui professora durante quase toda minha vida. Se tem algo que aprendi é que não podemos controlar ou até mesmo prever o aprendizado por conta da complexidade. Podemos convidar os alunos à aprendizagem ativa, que é a única forma de trabalhar em sistemas complexos”, expôs Leslie Patterson, educadora pós-graduada pela Universidade Estadual da Califórnia (Estados Unidos) e especialista em educação superior.

Ela seguiu a mesma linha que Artur ao afirmar que a educação se configura como um sistema complexo formado por diferentes instâncias: pessoas, ideias, livros, procedimentos, políticas. Cada instância pode ser compreendida como uma força que atua nos sistemas complexos, conforme complementa Royce Holladay, educadora colega de Leslie que trabalha há mais de 25 anos com desenvolvimento e aplicação de dinâmicas em sistemas complexos.

E dentro do ambiente escolar, a própria sala de aula pode ser entendida como um sistema complexo, pois existem forças múltiplas atuando nesse espaço: as questões sociais, questões políticas, da família, de saúde, de interações e demais bagagens que os estudantes carregam consigo em suas experiências.

Além de forças múltiplas, também existe uma grande diversidade, considerando que cada um conta com experiências de vida próprias e caminhos diferentes. E por fim, retomando a interdependência citada anteriormente por Artur, Royce pontuou que o terceiro elemento que molda a complexidade são as interconexões: ações individuais impactam o coletivo e experiências de vida determinam objetivos e aspirações distintas.

“Nós podemos aprender com nosso passado e história, mas não podemos mudá-los. Podemos esperar pelo futuro, mas não podemos prevê-lo ou controlá-lo. Tudo o que temos é o tempo presente para realizar uma mudança”, explicou.

A partir dessa exposição, Cuca Righini defende que entender que cada estudante – a partir de suas habilidades e do protagonismo permitido pela aprendizagem ativa – trilha seu próprio caminho na conquista do conhecimento e de seu desenvolvimento demanda uma mudança na forma como a educação é compreendida atualmente e como a cultura escolar se dá. Neste pacote, estão incluídas mudanças de diferentes naturezas, como na construção do currículo, na medição de sucesso e na relação entre professor e estudante.

É uma educação para além do certo e do errado, que nos convida o tempo todo a fazer perguntas

“Num mundo complexo não temos caminho de certeza. Só podemos construir assertividade e segurança a partir das experiências e da reflexão sobre as experiências. É uma educação para além do certo e do errado, que nos convida o tempo todo a fazer perguntas que ampliem a nossa percepção do mundo e de nós mesmos.”

Resolvendo as questões da complexidade
Existem problemas e questões que decorrem dos sistemas complexos. Entretanto, ao tentar resolvê-los, as pessoas deparam-se com múltiplas variáveis e respostas plausíveis.

Para solucionar o quebra-cabeça, Leslie explicou que existem três perguntas a serem feitas no processo de definição das condições para a aprendizagem ativa acontecer que podem ajudar na solução de desafios. A primeira delas: quem somos nós enquanto conjunto? “Se você quer influenciar um sistema complexo, é importante saber quem somos nós nesse sistema.”

Considerando essa complexidade e as infinitas possibilidades para onde direcionar sua atenção, a segunda questão gira em torno de priorizar o que realmente é importante e que fará a diferença. Para Leslie, na aprendizagem ativa existem três focos principais: curiosidade, responsividade e conexões.

E, por fim, a terceira pergunta traz: como as conexões acontecem? Leslie aponta três maneiras: a partir de pesquisas,questionamentos, diálogo e adaptação. “Se estou em um sistema complexo e tenho problemas que não sei como resolver, ou se já tentei resolver e eles continuam acontecendo, posso tentar definir as condições para estabelecer padrões que deles emergem ao fazer essas três perguntas.”

Royce pontuou que existem ferramentas que ajudam a identificar esses padrões, como os círculos decodificadores em dinâmica do sistema humano (em tradução livre), compostos por três pilares: investigação, lógica de padrão e ação adaptativa. No âmbito da investigação, a educadora aconselha algumas práticas, como transformar julgamentos em curiosidade, evitar embates e somar forças na resolução de problemas, transformar suposições sobre alunos e famílias em perguntas, entre outras.

Já no pilar lógica de padrão, Royce vai na mesma linha que Leslie ao afirmar que efetivar mudanças depende da compreensão de padrões que a atividade humana cria. E a ação adaptativa significa um ciclo onde há a percepção do fato, quais padrões são observados e quais ações podem ser realizadas a partir deles para efetivar a mudança desejada.

“Esses três passos trabalham juntos em um ciclo e funcionam, porque você está fazendo questionamentos, você entende os padrões e o que os molda e, ao fechar e reiniciar o ciclo, está em constante adaptação. Você constrói essa capacidade de adaptação de forma a decodificar a complexidade do sistema”, pontuou Royce.

Desenho das mudanças complexas
No primeiro dia do evento, Ramona Trevino, educadora, consultora educacional e doutora em planejamento e políticas educacionais pela Universidade do Texas defendeu a importância dos chamados líderes de mudança dentro das escolas, pessoas capacitadas que são responsáveis por implementar mudanças complexas.

A especialista em treinamento de lideranças para dirigentes de escolas se apoiou em um modelo de gestão criado pelo autor Timothy Knoster, professor associado na Universidade de Bloombsburg, na Pensilvânia (EUA), para explicar que colocar em prática uma mudança complexa demanda uma análise de seis fatores: visão, consenso, habilidades, incentivos, recursos e plano de ação. Sem algum dos componentes, surge um problema que impede ou dificulta a implementação de mudanças consideradas desafiadoras.

Sem as habilidades necessárias, cria-se ansiedade. Sem incentivos, haverá resistência

“Esse esquema mostra que se há uma visão clara e compartilhada sobre qual deve ser a mudança, se há consenso e habilidades construídas para tal, se você deu incentivos, proveu recursos e tem um bom plano de ação, a mudança será bem sucedida. Entretanto, implementar uma mudança sem visão gera confusão. A falta de consenso entre os professores fará com que sabotem a mudança. Sem as habilidades necessárias, cria-se ansiedade. Sem incentivos, haverá resistência. Sem recursos, surge frustração. E sem um plano de ação, você não sairá do lugar”, exemplificou Ramona.

Para Cuca Righini, o esquema pode ser útil para que gestores tenham maior clareza e possam identificar mais rapidamente os desafios e questões a serem enfrentadas no sistema escolar de forma a fortalecê-lo.

“Eu penso que os campos mais desafiadores para as escolas são consenso e habilidade, justamente porque estamos tentando construir um modelo muito inovador, que precisa ser cocriado dentro do sistema. Isso gera uma demanda grande para a formação contínua de professores e também a construção de um novo referencial acadêmico para respaldo das novas práticas e modelos mentais no dia a dia da escola”, disse.

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aprendizagem ativa, engajamento familiar, formação continuada, tecnologia

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