publicado dia 06/04/2022

Por que a exclusão de dados do Censo Escolar é um problema?

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O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC), anunciou em fevereiro que os dados do Censo Escolar foram reestruturados, com consequente redução do detalhamento dos dados da última edição do levantamento e remoção de todas as bases históricas, que remontam a 1960.

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Assim, fica impossibilitado obter maior detalhamento e cotejamento sobre quantitativo de matrículas, docentes e turmas, e análises por idade e comparação entre idade e etapa. Também não se tem informações sobre transporte escolar, as categorias de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação e não é possível aferir em quais etapas, modalidades, salas e escolas comuns ou exclusivas os estudantes da educação especial estão incluídos.

No que tange às informações de docentes, não há informações de vínculo, formação, raça/cor, idade, nem dados coletados sobre diretores escolares. Dados sobre número de alunos por turma e turno da turma também não poderão ser aferidos. 

Dessa forma, pesquisadores ficam impedidos de cruzar dados e observar situações mais específicas, o que impacta diretamente a formulação de políticas públicas. Até aqui, o Brasil era referência internacional na produção de dados em educação

Política tem que ser feita com informação. Não se faz política indiscriminadamente para um território sem conhecer a diversidade dos grupos sociais que ali habitam e nem para uma população sem considerar as especificidades do território em que ela está”, afirma Dalcio Marinho Gonçalves, demógrafo e consultor do projeto Territórios em Rede da Associação Cidade Escola Aprendiz.

Além das políticas públicas, a falta de dados também impacta a transparência da administração pública, as avaliações educacionais e o monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE).

“Teremos também enormes prejuízos às pesquisas e às Ciências da Educação, impedindo o desenvolvimento científico, econômico e social. Ainda, o impacto da pandemia na população residente em território nacional não poderá ser avaliado, impedindo que saiamos dessa crise profunda pela qual estamos passando”, avaliam pelo menos 33 movimentos e entidades da educação em um posicionamento público divulgado após o anúncio do Inep.

Por meio do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) ainda é possível acessar os microdados. Para tanto, é necessário identificar-se, justificar a solicitação de informações e aguardar a avaliação do órgão. Se autorizado, o pesquisador recebe os dados solicitados.

“O serviço é burocrático e pouco acessado. A expectativa agora é saber se essa iniciativa vai atender e corresponder às demandas que vão chegar: em quanto tempo, quais critérios serão utilizados para análise e se respeitará a solicitação do pesquisador. Ainda assim, traz prejuízo aos estudos porque o pesquisador não terá à sua disposição a totalidade dos dados”, observa Dalcio. 

Exclusão de dados e a LGPD: o que há por trás da argumentação do Inep

O Inep justificou que a exclusão dos dados do Censo Escolar visa “suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)”. 

A própria LGPD, contudo, afirma que a administração pública pode realizar o tratamento de dados pessoais necessários ao cumprimento de obrigação legal e/ou execução de políticas públicas, sem que para isso seja necessário o prévio consentimento da/o titular destes dados.

A Constituição Federal e a Resolução nº 1 de 2018 do Conselho Nacional de Educação do MEC também preveem a coleta e registro de dados cadastrais de estudantes e profissionais de educação que atuam em instituições públicas e privadas de ensino em todo o território nacional, desde que adotados processos de anonimização de dados pessoais.

“Na tentativa de evitar cruzamentos que poderiam identificar um estudante, simplesmente inviabilizaram quase todos os tipos de análises possíveis, quando há técnicas e tecnologias disponíveis para proteger os dados sem fazer o uso excessivo do que a LGPD pede. Da forma como está, a LGPD parece ser usada como pretexto para aprofundar o recuo na transparência das informações do governo e um desprezo pela pesquisa censitária e a efetividade de políticas públicas”, avalia o demógrafo.

As 33 entidades que assinam o posicionamento público concordam: “Nos últimos anos, o INEP tem sofrido com sucessivos desmontes de sua estrutura, que afetam a capacidade da autarquia ligada ao MEC de cumprir suas funções, isso quando não é alvo de intervenções político-ideológicas, como ocorreu no processo do Enem 2021. O INEP está sob desgaste do governo Bolsonaro desde o início da sua gestão. Isto é inadmissível e precisa, com urgência, de providências para ser solucionado, com ação firme dos órgãos de Estado que têm como dever garantir os preceitos constitucionais, a transparência e o serviço público, gratuito e com qualidade”.

Leia abaixo a nota do Inep na íntegra: 

“Os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 e do Censo Escolar da Educação Básica 2021 estão disponíveis, desde a última sexta-feira, 18 de fevereiro, no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O formato de apresentação do conteúdo dos arquivos, que reúnem um conjunto de informações detalhadas relacionadas à pesquisa estatística e ao exame, foram reestruturados para suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD).

A reformulação promovida pelo Inep alterou a estrutura que era utilizada na consolidação dos microdados, de forma a agregar ou retirar variáveis que favoreciam a reidentificação de indivíduos no contexto atual, com uso de recursos tecnológicos disponíveis. As mudanças anunciadas fazem parte de um trabalho desenvolvido para adequar os processos e produtos do Instituto às normas da legislação. Nesse sentido, a Autarquia continuará a promover pesquisas e estudos para avaliar alternativas que permitam a ampliação progressiva da utilidade desse produto de disseminação de dados e assegurem, ainda, a privacidade dos titulares dos dados da pesquisa, além de garantir a transparência nas divulgações, como o desenvolvimento de painéis dinâmicos de informação.

Tendo em vista o atendimento às normas da LGPD, os arquivos dos microdados das edições anteriores do Enem e do Censo Escolar disponibilizados anteriormente no portal do Inep, bem como dos demais exames e avaliações, foram retirados para que sejam adequados ao novo formato.

As pesquisas com a utilização dos dados tratados pelo Inep, eventualmente restringidos nos microdados, entretanto, não estão inviabilizadas. Entre os diversos meios de acessar as informações produzidas pelo Instituto está o Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), que possibilita o uso de bases restritas por pesquisadores. Para tanto, as pesquisas devem observar o protocolo do serviço, que pode ser consultado no portal do Inep.”

Exclusão de dados do Censo Escolar é inadmissível e impede a elaboração de políticas públicas, dizem entidades

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