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Brasil

Por paralisia, MEC trava US$ 72,5 milhões do Banco Mundial destinados ao ensino médio

Devido à falta de ação da pasta para alcançar metas, financiamento para apoiar reforma da etapa educacional foi bloqueado
Aulas no Colégio pH, em Niterói, no RJ Foto: Hermes de Paula / Agencia O Glob / Agência O Globo
Aulas no Colégio pH, em Niterói, no RJ Foto: Hermes de Paula / Agencia O Glob / Agência O Globo

BRASÍLIA — A paralisia que tomou conta do Ministério da Educação (MEC) desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) praticamente travou os repasses de um empréstimo de US$ 250 milhões do Banco Mundial para apoiar a reforma do ensino médio no Brasil.

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O contrato prevê desembolsos por resultados, mas a falta de ações da pasta para alcançar as metas definidas no projeto financiado já levou ao represamento de US$ 72,5 milhões previstos, considerando apenas os anos de 2018 e 2019.

Em 2018, o ministério conseguiu obter US$ 40 milhões dos US$ 55 milhões previstos. Já para 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, havia US$ 60 milhões programados, mas nenhum centavo foi desembolsado pela instituição internacional. Somente em julho de 2020, uma fatia de US$ 2,5 milhões foi repassada. Isso significa que em 2018 e 2019 o Brasil teria direito a receber US$ 115 milhões mas, por conta do baixo desempenho, só 37% dessa cifra foram entregues ao governo federal.

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O Banco Mundial classifica como “moderadamente insatisfatório” o progresso do Brasil no projeto, cuja implementação vai até 2023. Os atrasos do ano passado devem levar a uma readequação de metas e prazos. Para este ano, no cronograma original, o país poderia receber US$ 59,5 milhões, mas não há previsão para esse repasse.

A incompetência para executar o projeto fez com que o Brasil pagasse mais do que o previsto de “comissão de compromisso”, uma taxa de 0,25% que incide duas vezes ao ano sobre o saldo total não desembolsado. Ou seja: o valor aumenta quando aumenta o total que estava disponível e não foi investido em dado período.

O objetivo do mecanismo, presente em todos os projetos semelhantes financiados pelo Banco Mundial, é incentivar a execução de ações dentro do cronograma.

Em 2019, o Brasil pagou cerca de US$ 456 mil de comissão de compromisso; em 2020, até agora, foram US$ 225 mil. Nem o Banco Mundial nem o MEC informaram quanto foi pago dessa taxa devido ao não uso dos recursos previstos e quanto seria cobrado de qualquer maneira.

Weintraub criticado

De abril de 2019 até junho de 2020, Abraham Weintraub era o ministro da Educação. Ele foi demitido após insultar o Supremo Tribunal Federal , onde se tornou alvo de inquérito, e enviado para um mandato-tampão, até outubro, como diretor no Banco Mundial. O governo brasileiro já indicou Weintraub para permanecer na instituição financeira até 2022, mas seu nome ainda precisa ser confirmado internamente.

O atual ministro, Milton Ribeiro, criticou Weintraub indiretamente ao falar semana passada sobre cortes que o governo quer fazer no MEC. Segundo ele, ao não executar o orçamento da pasta “os gestores anteriores” atraíram a tesoura da equipe econômica, que “viu que tinha valor considerável parado no segundo semestre” de 2020.

O cronograma original de desembolsos do Banco Mundial para o MEC registra US$ 221 milhões de 2018 a 2022, com base na avaliação dos resultados. O contrato prevê ainda US$ 29 milhões para assistência técnica, sem vinculação a metas, chegando ao total de US$ 250 milhões.

O MEC atua com os estados para alcançar metas do acordo: uma delas era ter no mínimo 10 unidades federativas em 2019 com currículo adaptados ao novo ensino médio. Em agosto deste ano, São Paulo homologou o documento da etapa escolar, sendo o primeira e único estado, até agora, a concluir a tarefa.

Outras metas estabelecidas no âmbito do empréstimo são relacionadas, por exemplo, à implantação de projetos-piloto do novo ensino médio nos estados e à capacitação de gestores de escolas sobre o currículo atualizado.

O empréstimo do Banco Mundial, efetivado em julho de 2018, veio na esteira da reforma do ensino médio, sancionada pelo então presidente Michel Temer em 2017. A lei flexibilizou a etapa escolar, dando aos estudantes a possibilidade de se aprofundarem em áreas de seu interesse. As condições do financiamento são consideradas vantajosas, como 20 anos de carência.

MEC diz que fará ajustes

Questionado pelo GLOBO sobre os valores que deixou de receber por má performance, o MEC afirmou, em nota, que vai se reunir nas próximas semanas com o Banco Mundial para fazer ajustes no projeto, tendo em vista as dificuldades encontradas para cumprir os indicadores do acordo. Segundo a pasta, a reforma do ensino médio trouxe a necessidade de fazer mudanças curriculares, treinar corpo técnico e docente, reformular normativos e aprovar mudanças nas instâncias de representação da sociedade civil.

“Desta forma, as diferenças entre o que foi planejado e a realidade encontrada durante a execução, fez-se evidente que ajustes ao longo do projeto seriam necessários. Por isto, o MEC e o Banco farão nas próximas semanas encontros que permitirão readequar as metas e o cronograma para os próximos anos de implementação”, informou o ministério.

Com o movimento, o MEC tenta se antecipar a uma revisão que poderia ser proposta pelo Banco Mundial, tendo em vista o pouco sucesso da pasta, desde 2019, na concretização das ações necessárias para atingir os objetivos. Segundo fontes envolvidas no projeto, a instituição internacional considera que a nova gestão, após a chegada do ministro Milton Ribeiro, pode suprir a falta de liderança e articulação vista até então.

Na nota, o MEC destacou ainda as ações que adotou para atingir os resultados do projeto, tais como investimentos da ordem de R$ 1,8 bilhão para os estados desde 2018, beneficiando 265 mil alunos, apoio a escolas-piloto e pagamento de bolsistas para atuarem na atualização curricular prevista na reforma do ensino médio.