Políticas da educação de Bolsonaro são retrocessos, diz movimento com 18 organizações

Diagnóstico elaborado pelo movimento Agenda 227 cita projetos do governo como riscos para direito de crianças e adolescentes

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Brasília

Algumas das principais iniciativas na área de educação do governo Jair Bolsonaro (PL) foram classificadas como retrocessos em um diagnóstico elaborado por um movimento que envolve 18 organizações da sociedade civil.

Entre os pontos negativos elencados, e que inspiram preocupações relacionadas aos direitos de crianças e adolescentes, estão o programa de escolas cívico-militares, as políticas de educação especial e de alfabetização do MEC (Ministério da Educação), além da prioridade dada pelo governo à regulamentação do ensino domiciliar.

O movimento chamado Agenda 227 será lançado oficialmente nesta quinta-feira (12). Fazem parte organizações como o Instituto Alana, Andi, Centro de Referência de Educação Integral, Geledés - Instituto da Mulher Negra, Liberta, Instituto Rodrigo Mendes e Fundação José Luiz Egydio Setúbal, entre outros.

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Centro de Ensino 1 (CED) da Estrutural, região administrativa de Brasília - Pedro Ladeira - 15.fev.19/Folhapress

O movimento surgiu para defender e pôr a infância e a adolescência no centro do debate eleitoral, segundo seus coordenadores. A Agenda faz menção ao artigo 227 da Constituição, que preconiza a "absoluta prioridade" na garantia de direitos de crianças, adolescentes e jovens.

Cerca de cem especialistas colaboram com os grupos de trabalho, que se debruçam sobre várias áreas. O movimento planeja encaminhar propostas para os candidatos nas próximas eleições.

A educadora Pilar Lacerda é coordenadora do grupo de trabalho de educação. Segundo ela, o que moveu a iniciativa foi a percepção de que o direito das crianças e adolescentes nunca esteve tão fragilizado como atualmente.

"Partimos da análise do PNE (Plano Nacional de Educação) e da avaliação de suas metas, e não das ações do governo Bolsonaro. Depois pensamos nos retrocessos recentes e também nos avanços", diz Lacerda.

"O está acontecendo agora [no governo atual] não é normal, não é do jogo, mas é um retrato dos 450 anos de escravidão, desigualdades e a naturalização delas, que saíram do armário."

Questionado, o MEC não se pronunciou.

O diagnóstico, segundo o movimento, foi realizado a partir de uma pesquisa exploratória dos atos normativos do governo federal e das proposições discutidas e aprovadas pelo Poder Legislativo nos últimos anos.

Questões como os cortes de orçamento e os efeitos do teto de gastos também são criticados, enquanto a Base Nacional Comum Curricular e o novo Fundeb (principal mecanismo de financiamento da educação) são apontados como um avanço positivo da área.

Sob o governo Bolsonaro, o MEC tem sido cobrado por especialistas por se abster do papel de formulador de políticas educacionais indutoras, com apostas em iniciativas de cunho ideológico. Além disso, a pasta foi ausente no apoio às redes de ensino na garantia de educação durante a pandemia de coronavírus.

A postura da pasta diante da pandemia é citada no documento da Agenda 227.

"A gestão das ações voltadas para a educação na pandemia de Covid-19 realizada pelo Ministério da Educação foi marcada pela fragilidade na coordenação de ações, ineficiência de planejamento e falta de diretrizes orientadoras para estados e municípios", diz o documento.

"Destaca-se ainda a falta de ações voltadas para adequações do ambiente escolar ou para garantia do acesso à internet para estudantes e professores, que impactou na ampliação das desigualdades educacionais já existentes", completa o texto. O governo Bolsonaro chegou a brigar na Justiça para não cumprir lei que previa fornecer internet a alunos e professores.

A presidente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), Anna Helena Altenfelder, diz que o grande desafio atual é o combate às desigualdades educacionais, que, pontua ela, já existiam antes da pandemia, mas foram agravadas no período.

Para Altenfelder, o MEC, acometido por inconstâncias do corpo diretivo, atendeu a uma agenda ideológica sem estabelecer diálogos com os conhecimentos e práticas do setor.

"Com um diálogo inexistente, as políticas de educação ficaram bastante distantes dos anseios e da reflexão da sociedade", diz ela, que integra o grupo que reflete o tema da educação na Agenda 227.

Mesmo durante a pandemia, o único tema de educação elencado como prioridade pelo governo no Congresso no ano passado foi a regulamentação do ensino domiciliar. Trata-se de uma bandeira defendida por conservadores e grupos religiosos —um projeto de lei sobre o tema está na Câmara, e há expectativa que seja votado na próxima semana.

"A proposta desconsidera o papel da escola como uma importante instituição da rede de proteção de crianças e adolescentes: nela são identificados, por exemplo, casos de violência doméstica, abuso sexual e trabalho infantil", diz o documento.

Os pontos de atenção levantados pelo movimento passam por alterações na própria estrutura do MEC. Ainda nos primeiros dias do governo Bolsonaro, houve a extinção da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) —como a Folha revelou na ocasião, a iniciativa foi uma manobra para eliminar temáticas de direitos humanos, educação étnico-racial e a própria palavra diversidade.

No caso da criação do programa de fomento às escolas cívico-militares, o movimento aponta o "caráter de padronização dos estudantes, com a adoção de hábitos militares e o uso da farda militar como uniforme escolar". Apesar de atingir um pequeno número de escolas, a iniciativa recebeu atenção especial do MEC e do próprio presidente Bolsonaro.

São ainda consideradas "particularmente críticas" a instituição de duas políticas elaborados pelo MEC: a Política Nacional de Educação Especial (2020) e a Política Nacional de Alfabetização (2019).

A diretriz de educação especial foi amplamente criticada desde sua criação por fomentar a segregação dos alunos com deficiência —em descompasso com o princípio da inclusão. Já a política de alfabetização gerou debate por causa da definição de um único método de alfabetização (método fônico), da inclusão das crianças na primeira infância entre os públicos-alvo, da falta de diálogo com a Base Curricular e com as redes municipais de ensino.

"A ênfase na exclusividade do método fônico também fecha a porta para que diferentes abordagens se complementem no processo de ensino e aprendizagem", diz o diagnóstico.

A diretriz de alfabetização foi tocada no MEC por Carlos Nadalim, que assumiu uma nova secretaria no MEC criada para o tema. Nadalim foi aluno do escritor Olavo de Carvalho e, antes de integrar o governo, era conhecido por vídeos na internet em que faz comentários religiosos, critica o educador Paulo Freire e defende a educação domiciliar.

Ainda é citado como ponto de preocupação a redução de investimentos na construção e manutenção de creches. Como iniciativa positiva, a autorização de distribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) durante a pandemia.

O lançamento da Agenda 227 ocorrerá em uma live às 16h desta quinta (12). Os representantes prometem destacar os principais eixos temáticos de atuação do movimento, bem como contextualizar o cenário de retrocessos no campo dos direitos das crianças e adolescentes.

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