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Política de educação inclusiva precisa levar em conta singularidade da criança, critica pesquisador

22/10/2020 16h13

Uma nova Política Nacional de Educação Especial foi instituída no Brasil com um decreto publicado no dia 1° de outubro. A regra permite a criação de classes especializadas, apenas para alunos com deficiência, o que tem sido criticado por pais e especialistas como volta da segregação. Para o psicanalista Leandro de Lajonquière, pequisador de Ciências da Educação na Universidade Paris 8, é preciso garantir uma educação inclusiva que leve em conta a sigularidade da criança, e não a coloque em uma categoria. "Uma criança autista não é igual a sua vizinha autista", diz o professor à RFI.

A política de inclusão de estudantes com deficiência em escolas regulares, efetivada nas últimas décadas, ampliou a inclusão de alunos especiais no ensino brasileiro. Em 2000, havia cerca de 700 mil estudantes em condição de educação especial, a maior parte deles em instituições especializadas. Em 2018, o número de matrículas de alunos com deficiência ou transtornos globais chegou a 1,2 milhão, a maioria delas em instituições públicas, de acordo com dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

O avanço, apesar de positivo, tem limitações na forma como a introdução dessas crianças foi feita na escola, alerta o pesquisador da Universidade Vincennes-Saint Denis (Paris 8). "A questão é que essa chamada inclusão se faz de maneira cega, no sentido de que as autoridades, e às vezes até alguns pesquisadores, não se perguntam sobre as especificidades das situações. Uma criança deficiente visual se beneficia da inclusão escolar, uma criança considerada autista também se beneficia com a inclusão escolar. A política pensa que essas duas crianças são equivalentes, mas elas não são", afirma.

Para ele, o Brasil precisa levar a discussão da educação especial para além dos muros da escolas e ampliar a oferta de atividades para essas crianças, de forma adequada às suas necessidades.

"Precisamos pensar o que oferecemos para as crianças. O que acontece é que isso é um ponto cego no Brasil, ou passa pela escola ou pela família. Mas a criança precisa da escola, precisa da família, mas também precisa de umas tantas coisas a mais. Na França, temos as atividades periescolares, nos centros de lazer, por exemplo", cita De Lajonquière.

Confira os principais trechos da entrevista ao RFI Convida

RFI - Nos últimos anos, com a política de inclusão de crianças com deficiência e com transtornos do desenvolvimento em classes regulares, houve um grande aumento nas matrículas de educação especial no Brasil. Essa inclusão foi efetiva?

Leandro de Lajonquière -  A gente deve contextualizar um pouco esse fenômeno da explosão de matrículas. Por uma lado, é de grande importância e muito bem-vinda a iniciativa. E não foi apenas uma iniciativa do Brasil, é o que é feito em boa parte dos grandes países ocidentais, o fato de que  crianças ditas com dificuldades ou em situação de deficiência possam frequentar uma escola comum. Isso é obviamente um avanço diante do que era a norma anterior. A norma anterior era considerar essas crianças anormais e, portanto, elas não podiam ir à escola de todos os dias, onde frequentava a maioria das crianças.

A questão é que essa chamada inclusão se faz de maneira cega, no sentido de que as autoridades, e às vezes até alguns pesquisadores, não se perguntam sobre as especificidades das situações. Uma criança com deficiência visual se beneficia da inclusão escolar, uma criança considerada autista também se beneficia da inclusão escolar. A política pensa que essas duas crianças são equivalentes, mas elas não são equivalentes. A situação de cada uma delas em relação à possibilidade e a forma de circular na sociedade, de participar das atividades corriqueiras da vida cotidiana e de participar das atividades que uma escola tem a oferecer não são as mesas.

Toda política inclusiva é bem-vinda, mas para que seja de fato bem-vinda e em benefício de todas as crianças, é preciso que se coloque a pergunta pela situação singular de cada uma das crianças.

RFI - Qual sua avaliação do novo decreto, que retoma a possibilidade de classes especializadas só com alunos especiais ?

O governo classifica as crianças a partir de um quadro, e uma criança autista não é igual a sua vizinha autista. Toda política pública no Brasil, na França, em Portugal ou em qualquer país precisa prever uma pluralidade de ofertas. A educação de uma criança não responde a um padrão pré-estabelecido. A educação e a escolarização são processos abertos, que se constroem na medida que os diferentes personagens, e particularmente a criança, participam da experiência.

A questão é que infelizmente, no Brasil, as diferentes propostas educativas sempre são pensadas no registro do milagre. Encontramos a fórmula milagrosa, o método milagroso de ensino. É 8 ou 80. E a historia da educação de qualquer país mostra que não é claro ou escuro, a educação está na tonalidade dos cinzas.

RFI - Para pensar a singularidade de cada criança, como fica a questão da formação?

Uma das grandes variáveis é justamente a formação dos profissionais, e não apenas do professor. Acho importante falar de outra coisa também. O tempo de infância de uma criança não é apenas a escola. Há a escola, a família, os amiguinhos, a praça, o jogo de futebol, e a lista é interminável. Precisamos é pensar o que oferecemos para essas crianças. O que acontece é que isso é um ponto cego no Brasil, tudo ou passa pela escola ou pela família. Mas a criança precisa da escola, da família, mas também precisa de umas tantas coisas a mais. Na França, temos as atividades periescolares, nos centros de lazer, por exemplo.

RFI - Com a volta das escolas especializadas, há uma preocupação dos pais de que estas crianças não sejam mais aceitas em escolas regulares.

Veja, a implantação de qualquer política pública deve ser resultado de um debate público, em que os ditos especialistas, mas também os representantes de associações e representantes dos pais, devem participar.

Em sociedades escolarizadas, como as nossas [em que a educação escolar é um direito], é importante que todas as crianças possam ir à escola, e que as escolas proponham uma experiência digna para elas de ser vivida. E que os estados e seus governos façam disso uma matéria central da sua preocupação.