Podcast discute cotas para mulheres nestas eleições e machismo nos partidos

Quinto episódio do Sufrágio conversa com a senadora Simone Tebet (MDB), candidata à Presidência

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Este projeto tem apoio do Pulitzer Center for Crisis Reporting

Brasília

Na campanha da senadora Simone Tebet (MDB) à Presidência, um tema tem sido recorrente e central: a chapa totalmente feminina formada pela candidata e sua vice, a também senadora Mara Gabrilli (PSDB).

O uso da expressão "coração de mãe" por Tebet durante entrevistas e debates foi alvo de críticas de feministas, que argumentam que a fala traz uma representação estereotipada das eleitas e candidatas.

Nesta semana, o Sufrágio discute como a maternidade é vista na política brasileira: ignorada nas estruturas de poder, pensadas por homens e para homens, ainda limitam o espaço e os ativos de candidaturas femininas.

A série debate ainda as cotas eleitorais de gênero nas eleições de 2022, a emenda constitucional que anistiou partidos que descumpriram a reserva de recursos em 2020 e os buracos na legislação que prevê peso duplo para a votação recebida por mulheres e negros na distribuição do fundo partidário —e como isso prejudica principalmente mulheres negras.

Ouça o episódio:

Participam do podcast a candidata à Presidência Simone Tebet, a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), a deputada estadual Eudiane Macedo (PV-RN) e as cientistas políticas Débora Thomé e Hannah Maruci, diretora do projeto A Tenda das Candidatas.

A transcrição acessível do podcast pode ser encontrada no final deste texto.

O Sufrágio conta a história das brasileiras na política e discute os desafios que elas têm pela frente. Os episódios são publicados sempre às quintas-feiras, nas principais plataformas de podcast.

A apresentação, roteiro, pesquisa e reportagem são de Angela Boldrini. A produção é de Jéssica Maes e a edição de som de Laila Mouallem. A coordenação do projeto é de Magê Flores e a identidade visual de Catarina Pignato.

Acesse aqui o guia do projeto A Tenda das Candidatas sobre recursos partidários para candidatas.

Um cartaz roxo traz desenhada a silhueta de uma mulher com cabelos cheios e ondulados, segurando um bebê em um sling, apoiando a mão sobre a cabeça dele
Sufrágio - Episódio 5: De terno e gravata - Catarina Pignato

Leia a transcrição do episódio:

[áudio antigo] Reverendíssimo cardeal de São Paulo, senhores embaixadores em missão especial, senhores ministros, senhores governadores, senhores congressistas. É com emoção que declaro instalados os trabalhos do Congresso Nacional em Brasília, a nova capital da República

[comemorações]

O lugar onde o Congresso Nacional fica hoje foi inaugurado em 21 de abril de 1960.

Com certeza você sabe de qual prédio eu estou falando. A imagem do Congresso que está gravada na minha mente e provavelmente na sua também, é a das torres gêmeas brancas bem no centro da Esplanada dos Ministérios. Na base de cada uma, estão as cúpulas: uma virada para cima, que é a Câmara, e uma virada para baixo, que é o Senado.

Eu acho quase impossível imaginar o Parlamento funcionando em outro lugar. Quando eu estava fazendo os primeiros episódios dessa série, eu sempre me pegava imaginando as sufragistas brasileiras passeando no Salão Verde, gritando na galeria do plenário… até lembrar que Brasília nem existia nessa época, e que elas estavam todas na antiga capital, o Rio de Janeiro.

É tão difícil desassociar o prédio do Congresso da ideia do Parlamento porque ele foi construído só para isso: abrigar o Poder Legislativo.

Mas uma coisa não foi levada em conta por aqueles homens que planejaram Brasília. As mulheres.

[TVT] Só agora, 55 anos depois da inauguração de Brasília, está sendo construído um banheiro feminino no plenário do Senado Nacional

Até 2016 as senadoras tinham que sair do plenário, onde acontecem as votações, para ir ao banheiro no restaurante ao lado. Pois é. O planejadíssimo Congresso Nacional foi pensado para uma política feita só por homens.

E a rotina do Parlamento também. Até o ano passado, deputadas em licença-maternidade apareciam no painel das votações da Câmara como se estivessem faltando ao trabalho.

Na política brasileira, a briga das mulheres por espaço não acontece só no dia da eleição. Ela vem antes —e depois também. Eu sou Angela Boldrini, e este é o Sufrágio, um podcast da Folha que tem apoio do Pulitzer for Crisis Reporting.

Episódio cinco: de terno e gravata.

[Eudiane Macedo] Quando eu engravidei, aí a gente foi procurar saber sobre a licença-maternidade e como é que seria. Tudo através do regimento da casa e eu me deparei que eu não teria direito à licença maternidade.

Hoje, a Eudiane Macedo é deputada estadual pelo PV do Rio Grande do Norte. Mas quando ela engravidou do primeiro filho, em 2014, ela era vereadora de Natal.

A Eudiane foi a primeira vereadora a engravidar durante um mandato na cidade. E ela descobriu que não existia nada no regimento interno da Câmara que falasse de licença-maternidade. Depois que o filho nascesse, ela só ia poder tirar uma licença de 30 dias —aí ou ela voltava pro trabalho ou seria substituída por um suplente.

A licença-maternidade prevista nas leis trabalhistas é quatro vezes maior que isso: são 120 dias. Ou seja, quatro meses. Para funcionárias públicas federais, a lei prevê 6 meses em casa com o bebê. Esses seis meses, aliás, são considerados o tempo mínimo que uma criança deveria ser amamentada pela mãe. Exclusivamente amamentada, sem receber nenhum outro tipo de alimentação.

A Eudiane tentou articular com os colegas para mudar o regimento a tempo.

[Eudiane] E quando eu tomei conhecimento disso, nós elaboramos um projeto de resolução para mudar o regimento, porque o regime é muito caduco. Mas não tinha chamado a atenção das outras mulheres porque elas não tinham engravidado. E quando eu coloquei para votação, aí foi uma polêmica muito grande. Ah, porque não pode, porque ela está lá legislando em causa própria. E terminou que esse projeto não conseguiu passar…

Quando o Tárcio nasceu, a vereadora arrumou uma solução para não ser substituída no mandato.

[Eudiane] Só tirei 30 dias de licença maternidade, levei meu filho para a Câmara Municipal, levei um bercinho, levei a garrafa térmica, montei tudo lá e eu ia na parte da tarde que era a sessão. E lá para completar o elevador que vivia quebrado, eu tinha que subir a escada com menos de 40 dias de resguardo. Então eu subia assim lentamente e o menino ficava com o pessoal do gabinete [risos]

Logo que a Eudiane voltou, ela decidiu apresentar de novo a mudança no regimento. Dessa vez, ninguém ia poder dizer que ela estava legislando em causa própria.

[Eudiane] Eu voltei o projeto para colocar em pauta, aí os vereadores pediram vista. Então era tipo assim: não vai, a gente não vai deixar.

Pedir vista é uma ferramenta que está nos regimentos. Ela serve para quando um político precisa de mais tempo para analisar e entender o projeto que está sendo votado. Só que no caso do projeto da Eudiane, os vereadores ficavam pedindo uma vista atrás da outra, para impedir o texto de ser votado.

A Eudiane conta que um colega chegou a dizer para ela que o projeto era injusto porque só as mulheres iam poder tirar uma licença de quatro meses mantendo o mandato ativo.

[Eudiane] Aí eu disse o senhor engravida? O senhor dá de mamar?

Depois de muita confusão, a bancada feminina da Câmara de Natal conseguiu fazer passar a mudança do regimento. A partir de 2015 as vereadoras passaram a ter direito a uma licença-maternidade de quatro meses. E a história da Eudiane está longe de ser um caso isolado no Brasil.

A ex-ministra Marina Silva, da Rede, contou ao Fantástico, da TV Globo, que passou por uma experiência similar. Em 1990 ela era vereadora em Rio Branco, a capital do Acre, e estava grávida. Ela teve a filha e foi para casa. Só dezesseis dias depois de dar à luz, ela foi avisada que seria cassada por faltas injustificadas e teve que correr para a Câmara para impedir.

E esses casos não ficam só nos anos 1990. Uma reportagem do jornal Diário do Nordeste de 2019 mostrou que falta regulamentação em quase todo o país. De 55 Assembleias Legislativas e Câmaras das capitais, metade não têm a licença-maternidade prevista nos regimentos.

Aí, as vereadoras e deputadas estaduais ficam à mercê da boa vontade dos colegas. Algumas conseguem tirar o tempo para ficar em casa e outras, como a Eudiane, não.

E não é só o Legislativo que não está preparado para lidar com mães.

[GloboNews] Uma situação inusitada na capital do Tocantins: um bebê tem passado os dias na prefeitura de Palmas com a mãe. É que a prefeita, Cinthia Ribeiro, engravidou durante o mandato e quando o filho nasceu ela descobriu que a licença maternidade não estava prevista para a chefe do Executivo

Em 2020, a Cinthia foi a única mulher eleita para governar uma capital. E assim como a Eudiane, ela teve que colocar um berço no trabalho para poder manter o cargo.

A relação da política com a maternidade é ambígua. Por um lado, como já deu para perceber, os espaços de poder não tão preparados paras mulheres que decidem ter filhos.

Por outro lado, a visão de que mulheres precisam ser mães, que essa é a maior virtude que uma mulher pode ter, é super presente na nossa sociedade até hoje –e a política não escapa disso.

Essa visão vem desde as primeiras candidaturas femininas. Quando a Alzira Soriano, a primeira prefeita brasileira, tomou posse, saiu no jornal O Paiz uma foto dela com essa legenda aqui:

[efeito sonoro] Demonstrando a compatibilidade da presidência da municipalidade e o nobre papel de mãe de família: A sra Alzira Soriano rodeada pelas suas formosas filhinhas: Sonia, Ismenia e Ivonilde

Essa visão da maternidade não vem só dos homens. Ela está presente no imaginário das mulheres também —inclusive o das políticas.

Em várias conversas que eu tive esse ano com mulheres candidatas e eleitas, eu perguntei se o gênero fazia alguma diferença na hora de comandar um governo ou pensar uma política pública. A maior parte delas me respondeu que sim. E a maioria também associou esse diferencial a uma "capacidade de cuidado" com a casa e a família que as mulheres teriam mais do que os homens.

Lembra lá no terceiro episódio que um jornal tinha dito que a Alzira cuidava da iluminação da cidade por causa do talento de dona de casa dela? Pois é.

É fato que as mulheres são hoje as principais responsáveis pelo trabalho não remunerado que é o cuidado. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a Pnad Contínua, fez um levantamento em 2019 que mostra a desigualdade de gênero nas tarefas domésticas. As mulheres brasileiras passam 18 horas semanais fazendo coisas de casa, contra 10 horas semanais dos homens.

Talvez essa carga de fato impacte na hora de ela fazer política. Mas o quanto esse discurso também não está perpetuando uma visão de que essa carga do cuidado é algo intrínseco a ser mulher?

Essa representação da figura de mãe é bem comum entre candidatas. Em 2022, a gente está vendo ela aparecer na corrida presidencial.

[TV Cultura] Eu sou ficha limpa. Eu sou mãe. Eu e Mara, juntas, com a alma de uma mulher e o coração de uma mãe, nós vamos resolver definitivamente os problemas das pessoas

A campanha da senadora Simone Tebet, candidata do MDB à Presidência da República, está muito focada no fato de ela ser mulher. A chapa da Simone, inclusive, é a única a ser composta só por mulheres: a vice dela é a senadora Mara Gabrilli, do PSDB.

Em julho, eu falei com a Simone no meio das agendas da pré-campanha. E eu perguntei o porquê dessa estratégia eleitoral.

[Simone Tebet] A população brasileira nunca passou tanta fome. E a maior impactada é a mulher, né? Não tem como como colocar e não ter uma fala especial para essa mulher. Que Brasil nós mulheres queremos e para quem nós queremos esse Brasil, né? O que nós queremos para os nossos filhos e para os nossos companheiros. Então é isso. É uma mulher falando para a mulher, que é a maioria do colégio eleitoral, o que nós, mulheres —eu, você, nós— vamos fazer para resolver esse que é o maior mal e que precisa ser debelado imediatamente, porque poucos meses de má alimentação, de insegurança alimentar para as nossas crianças compromete todo o futuro dessa geração. Do intelecto e depois com a dificuldade dela para o mercado de trabalho

Esse foco que a campanha tem dado ao papel de mãe da senadora, que tem duas filhas, foi criticado por mulheres nas redes sociais. Elas dizem que o discurso reduz a mulher na política a estereótipos.

[Simone] A mulher ela é mais... Ela tem uma visão mais orgânica, mais sistemática da coisa. Ela consegue fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, e ela sabe a importância do planejamento. Ela não sabe só arrumar a sua própria casa. Ela tem a capacidade de arrumar os ambientes onde ela trabalha. E quando eu digo arrumar a casa, não vejam esse termo como um termo pejorativo. Ao contrário, é no sentido assim, nós damos conta do recado. Na iniciativa privada, no mercado de trabalho e na política

E… sim, isso é um estereótipo. Mas as coisas na política são sempre complicadas. Esse discurso é atraente para os eleitores.

[Débora] O que a gente identificou? Que os eleitores votam com base no sexismo benevolente nas mulheres

A cientista política Débora Thomé, que você ouviu no episódio passado, chama esse tipo de estereótipo de "sexismo benevolente". Ela é uma das responsáveis pela pesquisa Mais Representatividade, feita pelo Instituto Update.

[Débora] Então, quando você pergunta para eles: ah, você acha que deve votar em mulher? Tudo que aparece é o sexismo benevolente. "Eu vou votar em mulher porque mulher é mais honesta", "porque mulher cuida", "porque mulher embeleza política," "mulher faz da política mais leve". Essas coisas aparecem quando se pergunta para o eleitorado.

Quantas vezes você já não ouviu algum homem dizer que a mulher abrilhanta o ambiente, ou que as mulheres são naturalmente mais sensíveis, tudo isso como se fosse elogio? Eu, pelo menos, cansei de ouvir isso no Congresso.

Num universo eleitoral e político dominado por homens, o discurso da mãe de família acaba sendo o caminho que muitas candidatas encontram para falar com os eleitores.

[Débora] O que é que acontece? Nas campanhas isso acaba ser um artifício interessante pelas mulheres para serem usadas para se eleger. Então, olha só como é que todo esse mecanismo eleitoral ele carrega um monte de facetas. Não é tão simples, tão pão, pão, queijo queijo que a gente fale: ó, a partir de amanhã a mulher não vai mais estimular isso. De repente essa mulher não vai ser eleita.

Quando a gente fala da desigualdade de gênero na política, uma questão é muito importante: por que as mulheres não votam em mulheres? Afinal, se as mulheres são mais da metade do eleitorado e menos de um quinto das eleitas, a conta não fecha.

[Débora] A gente tem que lembrar, eu gosto muito de ressaltar isso. Eu acho fundamental. A gente quer votar em quem vai ganhar. E quando a gente olha para alguém que já está ocupando aquele cargo, nos parece que essa pessoa tem muito mais chance de ser eleita, porque ela já está lá. E ela de fato tem. É tipo uma profecia autorrealizável.

E quem são as pessoas que já foram eleitas e que a gente enxerga com mais chance de ganhar? Os homens.

[Débora] Então assim, a realidade mostra que poucas mulheres votam em mulheres. Mas eu queria enfatizar que sobretudo os homens não votam em mulheres. No nosso nosso país, sobretudo os homens não votam em mulheres, como eles não leem mulheres e como eles, outras, outras coisas com mulher. Eles não contratam mulheres. E daí em diante

A desigualdade de gênero é um problema estrutural, e não dá para gente jogar ele inteiro nas costas das mulheres.

[Débora] Então, eu acho que é muito importante a gente parar de culpabilizar as mulheres. Pera aí, eu estou votando em um monte de homens. Será que os homens não podem votar em mulher também? O que está acontecendo? É uma dinâmica de gênero aí que não é só responsabilidade das eleitoras. Meu sonho é o dia que eu não precisar mais votar em mulheres como eu faço toda eleição que eu possa votar em alguém independentemente do seu gênero. Não posso. Hoje em dia eu não posso fazer isso, dada a escassez de mulheres, enfim…

A Simone Tebet diz que a falta de competitividade das candidatas começa antes do dia das eleições. Ela defende que as mulheres até votam mulher sim…

[Simone] Só que tem um detalhe: ela vota em mulher competente, não mulher por ser mulher. E se a gente não colocar mulheres competitivas, mulheres não só competentes, mas que tenham um espaço hoje já de visibilidade, nós não elegeremos essas mulheres. E quem escolhe mulheres para serem candidatas a vereadoras, deputadas, senadoras, deputadas federais, governadoras? É a executiva dos partidos. A executiva dos partidos é comandada por quem? Por homens. Então, o que nós precisamos e eu apresentei um projeto nesse sentido, estou tentando aprovar com muita dificuldade, que nas executivas dos partidos nós tenhamos 30% de mulheres

Este ano, a corrida eleitoral têm um recorde de candidaturas femininas. São 33,4% de todos na disputa. Parece bom, certo? Só que as mulheres são quase metade das filiadas a partidos políticos: 46% de todos os filiados.

Na hora de converter essa participação em candidaturas, o número não bate. Talvez você já tenha ouvido falar da cota de candidaturas para mulheres, aquela dos 30%. Ela existe desde as eleições gerais de 1998.

Acontece que, na lei, não está dizendo que é uma cota para mulheres.

A rigor, o que a lei diz é que cada um dos sexos precisa ser representado por pelo menos 30% de candidatos. Ou seja, a gente poderia ter 70% de mulheres e 30% de homens. Mas o que acontece na prática é que esse mínimo de candidaturas acaba virando um teto para as mulheres nos partidos.

Aqui, a Débora Thomé.

[Débora] Quando a gente está falando, no caso brasileiro, o Brasil foi o segundo país da América Latina em garantir o direito ao voto às mulheres. Isso significa que o Brasil já teria tempo suficiente, né, nesses 90 anos, em ter construído todo um processo em que as mulheres estivessem mais dentro da política. Isso não aconteceu

A Débora explicou que geralmente existe uma correlação entre o tempo que as mulheres podem votar com a quantidade de eleitas —mas que no Brasil a gente está bem atrasado nessa relação. O voto feminino é nonagenário aqui. E a quantidade de políticas… não chega nem perto do tamanho das mulheres na população.

E várias coisas do sistema eleitoral brasileiro podiam ser vantajosas para as mulheres. Por exemplo: a Débora explica que ter um sistema de eleição de deputados proporcional e não distrital em tese facilita o acesso das mulheres.

[Débora] Eleições que são de perde ou ganha, quando a gente está falando do sistema distrital, por exemplo, você tem os candidatos ali um vai perder, outro vai ganhar

Nos Estados Unidos, por exemplo, é assim. Em cada distrito, de cada estado, você vai ter um candidato republicano disputando diretamente com um candidato democrata por aquela vaga. É quase uma disputa de Executivo aqui no Brasil: o partido tem uma chance de ganhar a vaga.

[Débora] Então, você tem, proporcionalmente, muito menos interesse dos partidos de colocarem, por exemplo, mulheres candidatas a prefeita do que a vereadoras —que eles são obrigados— mas porque você vai ter mais chances de ganhar ou perder. É como se você não botasse com os ovos numa mesma cesta, então o sistema proporcional, nesse sentido, ele é um sistema que favorece a presença não só de mulheres, mas de outros grupos que são subrepresentados, por exemplo, como o caso das pessoas negras, que também são subrepresentadas na política

Outro fator que devia trazer mais mulheres para a política brasileira é o multipartidarismo. Aqui, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, a gente não tem um partido contra o outro, mas vários partidos.

[Débora] Sobre o sistema multipartidário, ou seja, não ser bipartidário, tem que pensar também o seguinte: quando a gente pensa em um arranjo bipartidário, em geral, esse é um arranjo muito engessado. Assim, recentemente começou a aparecer algumas reportagens mostrando que as mulheres estavam indo para os partidos… esses partidos mais que a gente acaba chamando de centrão, esses partidos que são menos ligados a alguma alguma ideologia muito evidente

As mulheres buscam esses partidos menores porque eles seriam mais permeáveis a nomes novos.

[Débora] Os outros partidos já são bastante controlados, normalmente por homens que já estão acostumados né, àquele modelo da política que reforça a própria forma deles desenharem essas candidaturas

Só que a forma brasileira de fazer eleições também tem várias regras que dificultam o acesso feminino. Aí a gente fica no zero a zero.

[Débora] E o que você repara nesse processo são assim, uma série de fatores, mas tem dois muito eloquentes assim que têm a ver com o sistema. Um deles é o fato de o Brasil combinar a cota com um sistema de lista aberta, enquanto os outros países latino americanos combinam a cota com o sistema de lista fechada, que é uma outra dinâmica

A lista aberta é o sistema em que cada partido lança um monte de candidato, você escolhe um e vota nele. Em outros países, como a Argentina, existe a lista fechada.

Lá, os partidos escolhem os candidatos e montam uma listinha. Uma listinha mesmo: fulano em primeiro, ciclana em segundo, beltrano em terceiro, e por aí vai. Você vota nessa listinha e aí dependendo de quantos votos o partido tiver, vão sendo eleitos os deputados.

A Débora diz que esse sistema ajuda a eleger mulheres porque aí você pode organizar a lista com os sexos intercalados. Hoje, na Argentina, as mulheres são 40% do total de deputados.

[Débora] Outro fato que é sempre muito relevante quando a gente está falando no caso do Brasil, é o custo das campanhas políticas aqui. Que está relacionado a esse fator anterior, né, enfim ao sistema ser lista fechada, lista aberta. Mas as campanhas no Brasil são muito caras e as mulheres normalmente têm menos verba para campanha

As campanhas aqui são mais caras porque cada candidato tem que convencer o eleitor ou eleitora a votar nele e não no coleguinha —mesmo que eles sejam do mesmo partido.

[Débora] Então isso é muito difícil você inserir novos nomes nesse jogo político você não tiver um grande apoio do partido. E os partidos apoiam menos as mulheres que apoiam homens

Uma das mulheres com quem eu falei para essa série me disse em off uma coisa que resume muito bem como os partidos tratam as candidatas. Ela falou que toda vez que vão tirar uma foto, os homens querem colocar ela no meio. Mas na hora de sentar na mesa da discussão, ela sempre é colocada numa cadeira lá na pontinha.

A cota de gênero até ajudou a aumentar mesmo o número de candidatas. Se a gente olhar para as eleições de 1994, as últimas antes dessa regra, as mulheres concorrendo eram só 7%.

Só que foi sendo percebido nas eleições seguintes que os partidos colocavam lá um monte de candidata para preencher a reserva de vaga. E não davam nenhuma estrutura para essa mulher realmente ser eleita.

Foi esse problema que o poder Judiciário tentou resolver em 2018.

[TV Brasil] O Tribunal Superior Eleitoral decidiu em maio que pelo menos 30% do Fundo Eleitoral deverá ser gasto com campanhas de mulheres, e o tempo de rádio e televisão também deverá ser dividido

Na prática, a aplicação da decisão —que hoje em dia é lei— não foi tão fácil assim.

[Hannah Maruci] O que essas mulheres sentem? Que o financiamento, o subfinanciamento é uma coisa isolada. Elas estão sendo violentadas pelo partido que está isolando elas, é quase uma coisa elas se sentindo um pouco excluídas

Essa é a Hannah Maruci, doutoranda em ciência política pela USP e diretora da Tenda das Candidatas. A Tenda é um projeto que oferece apoio a mulheres em campanha.

[Hannah] Como existe toda uma, uma sociabilização das mulheres que se coloca que falar sobre dinheiro é uma coisa mal-educada, é feio, é um tabu, elas acabam não se comunicando. Então a gente começa nessa rede da Tenda a colocar elas para se falarem. Vamos falar sobre isso. Quanto que o seu partido está dando? E o seu? Conversa ali também, vamos, vamos ver que essa questão não é isolada

A Hannah montou um manual para as candidatas aprenderem a reivindicar o dinheiro para a campanha. Nele, as mulheres encontram um modelo de requerimento para elas enviarem para os partidos dizendo que ainda não receberam os recursos prometidos.

[Hannah] Porque a ideia é a seguinte: a gente já está no período eleitoral. A gente sabe que muitas não receberam o financiamento e elas precisam agir rápido. Então, se você vê o guia, ele é um guia curto, ele tem três páginas e ele vai direto ao ponto. Então, isso não deu certo? Próxima etapa, próxima etapa

Se a negociação de boa não der certo, o guia tem também uma etapa de como fazer para brigar com o partido pelo financiamento.

[Hannah] E assim, quando a gente lançou teve muita resposta. A gente teve mais de 400 acessos em um dia, de candidatas

Ela conta que as candidatas que entraram em contato para saber como fazer esses pedidos vêm de todos os partidos políticos.

[Hannah] As que baixaram, né, a gente vê uma maioria de mulheres negras. E isso tem a ver também com o nosso público, né, porque a gente lida com mulheres que vão fazer campanha de baixo custo, com mulheres que realmente sofrem mais violência, mais subfinanciamento, que são as mulheres negras, mas acontece em todos os pontos do espectro político

No episódio passado, a gente falou como as mulheres negras são a minoria da minoria nos cargos de poder. Isso acontece também dentro dos partidos.

[Hannah] Então, a gente tem situações de mulheres negras que trabalham como camelô, por exemplo, e fazem marmitex também e para fazer a campanha tem que parar de fazer e viver numa situação muito, ainda mais precária do que elas estavam vivendo para poder fazer a campanha delas. E isso é principalmente com as mulheres negras, é inevitável

E a nossa política de cota de gênero não tem nenhum dispositivo pensado para diminuir essa desigualdade. Aí os partidos nem se preocupam em dividir o dinheiro de forma igualitária para brancas e negras.

[Hannah] Os partidos já não terem essa visão de "não, vamos olhar, a gente precisa dividir entre mulheres negras e brancas". Não, é 30% para mulheres. Então essa universalização da mulher está na questão dos partidos também. Então é como se tivesse uma uma negligência maior, ainda mais difícil para as mulheres negras e aí não é só dentro do partido, é em todo o sistema eleitoral

A Hannah e outros movimentos pensaram num projeto de lei para diminuir essa disparidade de gênero e raça nos partidos. A ideia é que as legendas iam ganhar mais dinheiro do fundo partidário com candidatos negros ou candidatas mulheres.

[Hannah] Essa lei, eu vou te contar a história. Ela surge lá num movimento que a gente começa em 2019, que se chama PL Mais Mulheres na política, que é um grupo de juristas, mulheres, organizações da sociedade civil que têm dois projetos de lei. Um é reserva de cadeiras 50% para mulheres, sendo 25% mulheres negras e o outro fui eu que redigi, que era o PL peso dois

Funcionaria assim: por cada mulher e cada pessoa negra eleita, o partido ia receber o dobro de dinheiro do fundo partidário e do fundão eleitoral —que são as duas principais fontes de recursos das legendas atualmente. Isso criaria um incentivo para eleger mais pessoas desses grupos.

Mas não foi assim que o projeto saiu do Congresso.

[Hannah] Dois, três anos depois, ele passa. Só que ele passa como como um PL do peso dois sobre os votos. Então, quer dizer, o partido vai receber o dobro em relação aos votos direcionados a mulheres e pessoas negras

Ou seja, em vez de contar por número de mandatos, o peso dois vale para o número de votos.

[Hannah] O efeito discursivo dela é bom? Sim. Está olhando para gênero e raça, apesar de não considerar a interseccionalidade da mulher negra, porque a mulher negra tem que ser ou mulher ou negra, ela tem que escolher onde ela conta. Mas, enfim, quais são os resultados disso, que eu imagino e o que eu já estou vendo algumas evidências? É que o partido vai focar em mulheres que trazem sozinhas muitos votos ou em pessoas negras que trazem sozinhas muitos votos. Ou seja, vai investir em pessoas que já têm visibilidade. E aí vai justamente não fazer o que a lei coloca, que é incentivar o partido a elegerem mais mulheres negras, mais pessoas negras, mais mulheres

Essa emenda constitucional foi aprovada em setembro do ano passado. Além dela, o Congresso fez outra mudança nas cotas eleitorais recentemente.

[sirene do início da sessão do Congresso]

[Rodrigo Pacheco] Declaro aberta a sessão solene do Congresso Nacional destinada à promulgação da Emenda Constitucional número 117, de 2022, que altera o artigo 17 da Constituição Federal para impor aos partidos políticos a aplicação de recursos do Fundo Partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres, no percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas

No dia 5 de abril, eu fui dar uma volta no Congresso Nacional. Eu queria assistir à promulgação dessa emenda constitucional que você acabou de ouvir na voz do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas.

Basicamente essa emenda colocou na Constituição aqueles 30% de recursos que têm que ser destinados para as candidaturas de mulheres.

Até essa PEC ser aprovada, esse valor estava previsto por decisão judicial. Ele não era lei. Agora, na real, não era por causa dessa parte que eu estava lá querendo assistir a sessão.

É que além de colocar os 30% na Constituição, o projeto tinha uma pegadinha. Ele anistiou os partidos que não cumpriram a regra na eleição passada, a de 2020. A justificativa era que por causa da pandemia, os partidos mereciam uma folguinha.

Só que eu ouvi uma outra frase em off durante a apuração dessa série. Uma das mulheres me disse assim: onde passa boi, passa boiada. Se a anistia veio uma vez, por que ela não viria de novo? A Hannah Maruci também falou sobre isso.

[Hannah] E aí a minha pergunta é por que num momento de exceção que é uma pandemia, num momento de crise em que as mulheres são as mais prejudicadas, elas têm que ser prejudicadas de novo? Como isso é justificado? Outra questão que eu coloco também porque colocam "ah, não deu tempo, os partidos não tiveram tempo". Nós temos a regra de 30% de candidatura desde 1997. Que tempo que não foi possível para se direcionar para esses 30%, que o partido já deveria ter, os 30% de recurso? Porque parece que essa lei é uma concessão, mas na verdade é só uma lógica. Já que 30% pelo menos vão ser mulheres, no mínimo 30% do dinheiro tem ir que para elas

A Hannah diz que o problema da anistia de 2020 é que ela abre margem para acabar com punições futuras. E aí os partidos não vão cumprir as cotas já pensando em aprovar a própria anistia depois.

Ela questiona também a própria inclusão dos 30% de recursos na Constituição. É que para aprovar uma emenda constitucional não é nada fácil. Com esse valor lá, fica difícil algum dia a gente mudar pra mais de 30%.

[Hannah] Porque 30% era para ser o piso e não o teto. Então, mais uma vez, a gente criando aí uma coisa que deveria ser piso, virar teto e parecer uma grande concessão, sendo que é o mínimo do mínimo. É menos que o mínimo, eu diria

Aliás, sabe o que aconteceu muito durante a sessão da promulgação dessa emenda? O tal sexismo benevolente.

[Nelsinho Trad] Cumprimento em nome da deputada Margarete Coelho, da deputada Soraya Santos e da nossa querida companheira aqui do Senado, a nossa querida Leila do Vôlei, a todas essas mulheres que abrilhantam esse colegiado

Esse é o senador Nelsinho Trad, do PSD do Mato Grosso do Sul.

E o próprio Pacheco cometeu um ato falho nesse dia.

[Rodrigo Pacheco] Todos nós esperamos que a nova emenda à Constituição possa cumprir seu nobre objetivo de incentivar mais candidaturas de mulheres a cargos eletivos. Que ela possa aumentar a competitividade dessas candidaturas no jogo republicano e democrático das eleições. E que, especialmente nós, parlamentares, possamos contar cada vez mais com a inestimável contribuição feminina nas Casas Legislativas em especial, para o engrandecimento da representação do povo brasileiro

[palmas]

Parece super bacana, né. Vamos chamar o VAR para esse discurso.

[fita rebobinando]

[Rodrigo Pacheco] E que, especialmente nós parlamentares, possamos contar cada vez mais com a inestimável contribuição feminina nas Casas Legislativas

Nós parlamentares. Nós, os homens, recebemos a contribuição feminina. Deu para ver? Para a Débora Thomé, mesmo que essas falas não sejam intencionais, elas podem ser tão prejudiciais quanto o machismo hostil.

[Débora] Quando você trata a mulher como uma diferente isso serve para o bem e para o mal. É quase como se fosse assim, quando você começa a tratar… sabe aquela pessoa que você trata meio como café com leite? Eu não sei se essa expressão funciona para o Brasil todo. Café com leite é aquela pessoa na brincadeira que é a criança menor que chega lá para brincar e você fala assim: gente, é café com leite. Ela fica lá correndo com as outras, mas ela não pode pegar, ela não pode ser pega… Ela é meio uma… Então, quando você começa a tratar a mulher como um elemento diferente, você vai tratar, você vai começar a enaltecer coisas da beleza que não têm nenhuma relação com a atividade parlamentar dela. Você começa a enaltecer outras coisas diferenciando de um parlamentar como ele

A eleita está lá para tirar foto, para fazer parte de comissão da mulher, de assuntos da família, essas coisas "de mulher". Agora, na hora que o bicho pega, são os homens que comandam, né?

Até hoje, nenhuma mulher foi eleita presidente da Câmara nem do Senado. Quem chegou mais perto dessa cadeira foi a senadora Simone Tebet, em 2021.

[Simone] Quando eu fui candidata à presidência do Senado, eu fui a única mulher em quase 200 anos de história a ser candidata à presidência do Senado. Tive 21 votos. Eu sabia da dificuldade e que ia perder, mas eu precisava abrir esse caminho. Para um dia estar lá na tela de um computador ou na frente de uma televisão, aposentada, vendo a primeira mulher presidente do Congresso Nacional. Eu falo isso até emocionada. Ninguém vai lembrar, mas eu vou saber que, assim, eu abri esse caminho

Apesar de não ter sido eleita presidente do Senado, a Simone conseguiu ser pioneira em outra questão lá dentro. Ela foi a primeira mulher a presidir da comissão mais importante da Casa, a CCJ.

Todos os projetos de lei, do mais banal ao mais complicado, têm que passar pela CCJ. E, por causa dessa visão de que as mulheres são café com leite, a comissão sempre foi presidida por homens. No Senado e também na Câmara.

Eu também perguntei para a senadora sobre o voto dela pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016. Com a campanha toda voltada para a questão feminina, a Simone vem sendo cobrada por ter ajudado a derrubar do cargo a única mulher presidente do Brasil.

A senadora me respondeu que acredita que o processo foi legítimo e que era um juízo de valor político. Segundo a Simone, não votou errado quem votou a favor e nem quem votou contra.

[Simone] Eu faria tudo de novo porque era impeachment ou caos naquele momento, ela tinha o fato determinado, o crime de responsabilidade, a pedalada fiscal e a contabilidade criativa. E havia, ela havia perdido o apoio do Parlamento, o apoio popular numa crise econômica. Dito isso, eu repudiei e repudio qualquer tipo de misoginia que aconteceu antes e durante o processo. Ela, como presidente, ela era questionada pelo modo que ela se vestia, pelo modo que ela falava e eu não vou nunca me esquecer daquele adesivo horroroso que colocaram nos carros. Enfim, eu não gosto de falar, porque assim, eu repudio

É, as opiniões na bancada feminina são muito diversas. Tem aquelas inclusive que são contra as cotas para mulheres na política.

[Bia Kicis] É importante ter também essa diversidade, né? Eu acho isso muito bom e sou uma franca incentivadora das mulheres para virem para a política, sabe?

Essa é a deputada Bia Kicis, do PL do Distrito Federal.

[Bia] Eu só acho que os meios de ação é que às vezes não são os melhores. Você ficar impondo cotas… Eu acho que a questão financeira ajuda, o partido ser obrigado a investir em candidaturas femininas. Eu acho que essa é uma boa medida, porque eu acho que com isso você vai fazer o que? Treinamento de mulheres, capacitação, atrair mulheres. Agora, esse negócio de cotas, se não entra mulher você tem que tirar um homem. Eu não gosto porque eu acho que isso é um pouco antipolítica e isso acaba ferindo a soberania do voto, a liberdade de escolha do eleitor

Essa cota a que a Bia se refere é uma proposta que inclusive já foi aprovada pelo Senado, e quer criar uma reserva de cadeiras dentro do Parlamento para mulheres. Até 2038 o percentual chegaria a 30% do Congresso.

Quando a gente fala de cota de cadeira, ou seja, dos 513 deputados 30% teriam que ser mulheres, sempre existe mais resistência do que quando a gente fala de cota financeira —que é você colocar os recursos lá e ver quem é eleito na disputa livre.

[Bia] Veja o que aconteceu no ano passado: no PSL nós tivemos direito a três comissões e as três comissões foram presididas por mulheres. Eu na CCJ, Carla Zambelli no Meio Ambiente, e Aline Sleutjes na Agricultura. E isso que foi feito não foi por a gente ser mulher e levantou "ah, vamos colocar mulher". Imagina, cota de 100% para mulher. Os homens votaram na gente não por sermos mulheres, mas porque eles nos conhecem, eram nossos colegas e sabiam que a gente teria condição, teria pulso, teria firmeza para conduzir as comissões. Assim também podemos ser líderes de partido. Não vejo por que não e até presidente da Câmara.

A Bia, como a Simone, foi a primeira mulher a presidir a CCJ —só que no caso dela, na Câmara.

Se não existe consenso nem na bancada feminina, dá pra ver que não é fácil aprovar uma cota de cadeiras. Mas algumas pessoas defendem que como a cota financeira não parece estar funcionando muito bem, esse é o passo que a gente tem que dar agora. Aqui, a Débora.

[Débora] Não há outra opção que não seja uma agenda de paridade. A gente tem que ter uma reserva de vaga de no mínimo 30%, entendeu? Vai ser 30% daqui a quatro, vai ser 30% daqui a quatro anos, 40% daqui a oito, e 50% daqui a 12. Não tem outra opção

Para a Débora, só assim a gente vai conseguir aumentar o número de eleitas.

[Débora] Não vislumbro como algo muito fácil de fazer não. Só que eu acho que tendo esse volume de mulheres dizendo não é o mérito, o mérito, o mérito. Isso não vai mudar daqui a 50 anos. Não mudará.

Aumentar a presença das mulheres no Legislativo tem um outro efeito prático. Ela aumenta o poder que as parlamentares têm de negociação e afirmação com os colegas.

No caso do Senado, por exemplo, foi só neste ano que o regimento passou a exigir que todas as comissões tenham pelo menos uma senadora. Isso aconteceu depois que a bancada feminina virou o alvo de atenção —e de ataques— na CPI da Pandemia.

TV Globo O ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, foi ouvido hoje na CPI da Covid e saiu como investigado, depois de atacar a senadora Simone Tebet, do MDB

[Wagner Rosário] A senhora está totalmente descontrolada, me atacando

[gritaria]

A comissão aconteceu no ano passado e mostrou bem o funcionamento do Congresso por dentro —e como as mulheres ficam muita vezes à margem dos assuntos principais. A CPI foi formada só por homens.

As senadoras conseguiram participar depois de negociar um espaço de fala para a bancada feminina. Mas sempre que elas iam discursar eram interrompidas, chamadas de nervosinhas…

E esse não é o único tipo de violência que as eleitas sofrem. No próximo episódio a gente vai falar sobre como o gênero coloca um alvo nas costas de mulheres eleitas no Brasil.

O Sufrágio é um podcast da Folha realizado com o apoio do Pulitzer Center for Crisis Reporting. Segue o podcast no seu agregador favorito e dá uma nota para a gente!

Eu sou Angela Boldrini, e a idealização, pesquisa, reportagem e roteiro são meus. A produção é da Jéssica Maes, e a edição de som é da Laila Mouallem. A coordenação é da Magê Flores, que também editou o roteiro deste episódio. A identidade visual é da Catarina Pignato, e a divulgação é feita pelo Naná DeLuca e pelo Mateus Camillo. A gravação foi feita no estúdio Madruga, em Brasília.

Este episódio usa áudios de Globonews, TV Cultura, TV Brasil e TV Globo.

A gente agradece a Ana Cláudia Oliveira, Beatriz Della Costa, do Instituto Update, Cecília Ramos, Cláudio Oliveira e a Ícaro Carvalho.

O próximo episódio sai na quinta que vem. Até lá!

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