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José Luiz Portella

Plano de Metas ensina que não há desenvolvimento sem autonomia e profissionalização

Conselho desvinculado da administração formal foi fundamental para JK implementar 50 anos em 5

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José Luiz Portella

Engenheiro civil, foi secretário-executivo dos ministérios do Esporte e dos Transportes e secretário estadual dos Transportes Metropolitanos de São Paulo

[RESUMO] Além de viabilizar a industrialização pesada do Brasil, Juscelino Kubitschek estabeleceu uma arquitetura para o desenvolvimento ao criar uma estrutura gerencial que gozava de autonomia. A administração paralela do Plano de Metas reuniu servidores qualificados e driblou o sistema político-partidário, que impõe entraves a mudanças estruturais do país.

Cinquenta anos em cinco não foi só um slogan, foi um estado de espírito, de esperança que o Brasil iria crescer, fulgurar e, enfim, se tornar o país do presente. Foi a ressureição do zeitgeist que alçava a autoestima, como a Copa Rio de 1951 foi para frustração da Copa de 1950.

Juscelino Kubitschek construiu a industrialização pesada no Brasil. Além disso, e mais importante, estabeleceu uma arquitetura para o desenvolvimento com a administração paralela, capitaneada por um órgão colegiado (Conselho do Desenvolvimento) com autonomia para viabilizar a implementação do Plano de Metas (1956-1960).

Juscelino Kubitschek dirige trator em 1963 - Acervo UH/Folhapress

O plano é histórico por todo produto produzido e foi avaliado com muita superficialidade pela maioria, porque no Brasil não se tem apreço por mensurar o resultado das políticas públicas, bastando anunciá-las e se utilizar de efeitos preliminares, sem aprofundamento, no tempo e na perenidade, alguns fugazes demais —servem mais como peças de propaganda e análise enviesada ao interesse do crítico em questão.

O Programa de Metas cumpriu as etapas: planejar, gerir a implantação, corrigir certas metas para mais ou para menos e mensurar os resultados, como um bom plano deve fazer. Seguiu a tendência do Commissariat général du Plan, da França do pós-guerra, tendo o Estado como articulador da relação com a iniciativa privada, reduzindo as incertezas desta, a demanda efetiva.

Planejar já é um grande passo no Brasil, um país acostumado a falar antes de pensar. Planejar é pensar antes de fazer. Porém, além de pensar, implantar com plenitude o que foi elaborado é raro e ainda mais difícil: a maioria gosta de estar na foto de largada dos planos e dos projetos, e há escassos ou ninguém na foto de chegada, na conclusão. Temos um vezo comportamental imediatista e com pequeno compromisso com a realização.

Para concluir o ciclo correto do gerenciamento, ainda falta o terceiro passo, a medição do impacto das políticas públicas anunciadas e processadas. Esse passo é ainda mais raro e beira a inexistência.

Celso Lafer fez isso na sua tese de doutorado, defendida pós-graduação em ciência política na Universidade Cornell. Escrita em inglês, segundo o autor, não foi possível publicá-la em português em 1970, um momento “sombrio”, definido pela redução do espaço público no Brasil com o regime militar. Vigia a censura e repressão, comenta o autor na apresentação de 2002.

Carlos Lessa também produziu um bom livro sobre o Programa de Metas, mas fica mais voltado para os aspectos econômicos, e Celso Lafer, além do qualitativo do plano, se esmera no quantitativo, que é um ponto fundamental para o real escrutínio de uma política pública.

O cuidado de pesquisa e profundidade no trabalho de Celso Lafer, explicitados no livro “JK e o Programa de Metas" amealhou o reconhecimento de JK: “Conhece mais o meu governo do que eu”. Do livro, retiro a maioria dos dados aqui citados.

Este artigo não busca escrutinar todo o plano, mas exaltar o aspecto da administração paralela como arquitetura de desenvolvimento e engenharia de realização. Um modelo que pode, mutatis mutandis, ser aplicado hoje. Este é o maior motivo: contribuir para que tenhamos planos mais consistentes e mensuráveis, realmente efetivos.

Porém, é fundamental que conheçamos o plano de modo amplo.

O Programa de Metas de JK continha 30 metas, mais a meta-síntese: Brasília.

As cinco primeiras provinham da área de energia, que contemplava 43,4% do investimento inicial previsto. Havia meta de aumento da energia elétrica instalada; energia nuclear, que foi revista e proporcionou o primeiro reator de energia nuclear na América Latina, construído na USP; produção de carvão; produção de petróleo; e refino de petróleo.

As metas de 6 a 12, da área de transporte: reequipamento de ferrovias; construção ferroviária; pavimentação de ferrovias, construção de rodovias; reequipamento de portos e intensificação de dragagem, construção de armazéns portuários e compras de equipamento para manuseio de cargas; aumento de tonelagem da Marinha mercante; renovação do equipamento aéreo. JK era fixado em energia e transportes desde a juventude.

As metas de 13 a 18 alcançavam o setor de alimentação: produção de trigo; armazéns e silos; infraestrutura de frigorificação; aumento da capacidade do abate diário de bovinos e suínos; mecanização da agricultura; suprimento de fertilizantes.

Meta 19, siderurgia. Meta 20, alumínio; 21, metais não ferrosos; 22, cimento, visando ao aumento da capacidade instalada; 23, álcalis; 24, celulose e papel; 25, aumento da produção de borracha; 26, exportação de minério de ferro.

A Meta 27 foi uma das mais famosas, com grande sucesso e ótimo desempenho do grupo executivo que a comandava. Com significativos bons resultados, originando a indústria automobilística no Brasil.

Meta 28, indústria da construção naval. Meta 29, indústria mecânica pesada e de material elétrico. Meta 30, com o quinto e último setor do Plano de Metas, a educação, só uma meta colocada ao final: pessoal técnico, visando à intensificação da educação para o desenvolvimento e ao aumento das oportunidades de instrução. A meta-síntese: Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960.

Juscelino Kubitschek visita áreas onde Brasília seria construída - Acervo UH/Folhapress

O Plano de Metas teve metas com desempenho acima do esperado, a maior parte bom. Houve insucessos, como em todo plano pode haver. Nunca é 100%, e por isso é importante medir, corrigir e aperfeiçoar para o próximo.

Houve a avaliação dos fracassos por parte de Celso Lafer, embora o plano tenha sido bem sucedido no geral, podendo-se considerar o mais bem-sucedido no todo no Brasil.

Importante dizer que não há plano sem "trade-off" —não há ganho sem perda de algum lado—, e o gestor precisa sempre realizar um balanço e ter coragem de enfrentar as consequências negativas.

O governo JK gerou inflação. Assumiu com 13% ao ano e terminou com cerca de 27%. A construção de Brasília foi o maior motivo. JK tinha pressa e financiava o déficit do Tesouro com medidas inflacionárias —diferente da inflação anual de 1.973% de Sarney e a de Collor, que atingiu 48% ao mês, sem deixarem legado relevante.

Não significa que o lado negativo do "trade-off" não possa ser mitigado, se o projeto for feito com maior cuidado. Surge aí uma forma de ser japonesa, preferindo gastar bom tempo a planejar, para depois implantar com rapidez e eficácia, em geral o oposto da brasileira, que opta por planos rápidos, improvisados, casuísticos e com implementação lenta ou abandonada, gerando um imenso desperdício de dinheiro. A maior parte das obras paradas no Brasil ocorre por falta de projeto básico e executivo feito com precisão que por ausência de dinheiro.

Para a elaboração, JK tomou as experiências positivas e negativas de Getúlio Vargas e tratou de cercar as incertezas de um plano de desenvolvimento, principalmente a necessidade de ter o aporte financeiro assegurado e com o fluxo bem-ajustado.

Porém, o mais importante é ter um arcabouço gerencial estruturado e bem-formado na qualidade dos gestores. JK concentrou-se em técnicos capacitados do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, atual BNDES), gestor maior do processo, do Banco do Brasil e da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito), o melhor que havia na administração pública do momento, e os deslocou para os grupos executivos.

JK percebeu que não conseguiria realizar uma reforma administrativa abrangente que elevasse o nível da administração. Getúlio também não conseguira. Anos no Congresso, não passou. Segue um tabu e entrave até hoje.

Não há como fazer um plano efetivo sem a qualidade dos executores. JK soube onde buscá-los. Em toda administração existem funcionários capazes. Cabe encontrá-los e lhes ofertar a oportunidade.

Contudo, o aspecto imprescindível foi driblar o sistema político-partidário que obstaculizava e até hoje dificulta a realização da maioria das metas transformadoras. Com a administração paralela, grupos executivos que não se subordinavam à administração formal, JK conseguiu impelir a velocidade necessária para a consecução das metas, criando a tal arquitetura que permite o desenvolvimento do país.

Sabiamente, JK constituiu o Conselho de Desenvolvimento com a inclusão de todos os ministros de Estado, para que eles opinassem e corrigissem e não pudessem se queixar de estarem alienados do processo —sem o poder, porém, de comandar a operação. Os grupos executivos possuíam autonomia de gestão e consultavam a iniciativa privada.

Tal autonomia foi a chave do sucesso. Atualmente, vivemos tempos sombrios de novo.

Mutatis mutandis e com um conjunto maior de funcionários capazes, hoje existentes no âmbito da União e nos estados e municípios, quem tiver o desejo sincero de empreender uma mudança transformadora, por intermédio de um plano de metas, tem um caminho bastante inspirador e com alta possibilidade de êxito.

Depois da estrutura montada, é preciso vontade, método, trabalho, persistência e coragem. Mais 50 anos em 5.

É preciso não esquecer do clima de esperança no Brasil. A arte precisa de alma.

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