Por Jamile Santana, G1 Mogi das Cuzes e Suzano


Pesquisa mapeia trabalho infantil em Mogi das Cruzes — Foto: Fernanda Lourenço/G1

Na esquina entre a rua Saraiva e a Avenida Francisco Ferreira Lopes, em Brás Cubas - distrito de Mogi das Cruzes, Lucas* (nome ficticío para proteger o menor), de 10 anos, aborda os motoristas parados no farol com sua caixa de chicletes.

Morador na Vila Estação, bairro socialmente vulnerável, ele ajuda a mãe a cuidar dos outros quatro filhos. Por 20 centavos cada chiclete, ele troca o horário de aula, pelo trabalho.

O caso dele é vísivel e a família já recebe acompanhamento da Secretaria de Assistência Social da cidade, que também mapeou outros pontos usados para o trabalho infantil.

Uma pesquisa experimental feita pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Mogi quer mostrar os casos "invisíveis" de exploração de mão de obra infantil.

Em uma pesquisa realizada com alunos da zona rural, por exemplo, 91 crianças relataram trabalhar no plantio ou colheitas de frutas, legumes e verduras, o que sugere uma situação de trabalho infantil.

A pesquisa ouviu 1.862 alunos do ensino fundamental II da rede estadual de ensino de dez escolas rurais e uma na região central da cidade. As crianças têm idades entre 10 e 18 anos.

Do total, 482 relatam estar envolvidas em situações que sugerem o trabalho infantil. Em alguns bairros da cidade, estas condições são predominantes como Quatinga, Biritiba-Ussu, Taiaçupeba, Pindorama, Taboão, Parque São Martinho, Aroeiras, Manoel Ferreira, Sabaúna, São Sebastião, Boa Vista, Barroso, Socorro, Jundiapeba, Itapeti, Vila Moraes, Taboão, César de Souza e Chácara Guanabara. "O nosso foco com a pesquisa foi identificar casos invisíveis de trabalho infantil. É um trabalho experimental e piloto que vai nos ajudar a notear ações mais específicas e futuras pesquisas mais complexas sobre esta situação", explicou a pedagoga Lenina Ayub de Medeiros, técnica de referência do PETI.

Entre as atividades mais apontadas pelas crianças ouvidas na pesquisa estão o cuidado com a casa ou com dos irmãos (217), o trabalho como ajudante (120), plantar ou colher frutas e verduras (91), cuidar de alguém da família (68), além do serviço doméstico (61). "Este primeiro item deve ser visto com muito cuidado porque, para algumas crianças o serviço doméstico não é um trabalho infantil, mas dependendo da forma e da obrigação com que isso é feito, não é um simples arrumar a casa. Por isso essa dado nos serve como peneira para identificarmos uma situação mais grave. Nós cruzamos essas respostas dadas na pesquisa, com registros de atendimento nos Conselhos Tutelares e CRAS, por exemplo", explicou.

Para a pesquisadora, a pesquisa experimental já identificou algumas situações de trabalho infantil na área rural, o que costuma ser invisível pelo poder público, já que não acontece em áreas centralizadas. "91 crianças responderam que trabalham no plantio ou colheita. Esse dado, ainda que inicial, já nos deu condições de identificar quem são essas crianças e pensar em intervenções de conscientização nessas famílias. As crianças que trabalham na agricultura carregam sequelas, como as mãos machucadas, desequilibrio do sono, problemas de pele devido à grande exposição ao sol, por exemplo. Muitas delas têm que acordar muito cedo para ajudar na agricultura em casa e não conseguem ter um desempenho satisfatório na escola. Por isso, já estamos providenciando ações em parceria com o Sindicato Rural, para conscientizar essas famílias e diminuir ou erradicar o número de crianças em situações como estas", destacou.

"Essa pesquisa nos ajudou a começar a identificar o trabalho infantil em regiões não cobertas por políticas públicas. As crianças que vendem bala no semáforo em Mogi das Cruzes nós conhecemos, acompanhamos a família e fazemos atendimento. Mas a criança que trabalha no bairro, às vezes em casa, ainda é invisível", concluiu Lenina.

Para a conselheira tutelar da área central de Mogi, Maria Aparecida Ferreira de Souza, os dados refletem uma realidade nas escolas rurais. "Na área do Botujuru, por exemplo, temos muitas queixas das escolas de alunos que faltam muito porque trabalham no cultivo de cogumelos. Muitos deles trabalham pra conseguir ter dinheiro para pegar o ônibus e ir até a escola. Infelizmente é uma realidade muito comum e precisamos de políticas públicas efetivas par combater situações como estas. Os jovens são privados de seus direitos, porque precisam fazer escolhas: estudar e investir num futuro melhor ou trabalhar para atender as necessidades reais e imediatas", destacou.

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