A dificuldade de conciliar trabalho e estudos é apontada como a maior razão para que os jovens deixem a escola, mas a maioria tem vontade de voltar às salas de aula . É o que mostra a pesquisa “Juventudes fora da escola”, feita pela Fundação Roberto Marinho com o Itaú Educação e Trabalho e o Datafolha, que revela que 73% dos jovens têm intenção de concluir a educação básica, mas a prevalência desse desejo fica menor conforme a pessoa vai envelhecendo: entre quem tem 15 a 19 anos, a intenção de voltar é de 79%, mas a taxa cai para 68% entre aqueles com 25 a 29 anos.
O retorno à escola tem desafios. Para 41% dos jovens, seria necessário estudar em um horário e trabalhar no outro para concluir esse objetivo. Outros 35% sugerem ter um auxílio financeiro mensal, enquanto 32% responderam que a solução seria ter uma creche para deixar os filhos enquanto estudam. Quando considerados apenas os jovens de 15 a 19 anos, sobe para 48% a porcentagem dos que responderam a necessidade de trabalhar em um horário e estudar em outro. Para aqueles de 25 a 29 anos, a porcentagem é de 37%.
A maioria (62%) ainda respondeu que voltaria a estudar se fosse no período noturno, contra 24% de manhã e 17% se tivessem horário flexível. Dentre os entrevistados, 34% disseram que onde moram não há escola com vagas em horários compatíveis com a sua disponibilidade. Por outro lado, 27% admitiram que não pretendem concluir o ensino médio — e a principal razão foi a necessidade de trabalhar (32%) e cuidar da família (17%).
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) divulgada pelo IBGE em fevereiro, 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 29 anos não concluíram o ensino médio e não atualmente frequentam nenhuma etapa do ensino básico. Já a pesquisa ouviu mais de 1,6 mil jovens, de 15 a 29 anos, em todo o território nacional.
— Fica implícita na cabeça desse jovem a impossibilidade de compatibilizar trabalho e estudo. São jovens que já estão no mercado de trabalho, a política educacional precisa considerar que é um jovem que trabalha e o mundo de trabalho precisa considerar que esse é um trabalhador que precisa estudar — aponta Rosalina Soares, assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho.
Ensino técnico é mais atrativo
Quando os participantes da pesquisa foram questionados sobre a modalidade pedagógica, foi o ensino técnico que mais se destacou, justamente por ser uma educação voltada para a profissionalização, o que mostra que o trabalho está no centro das razões tanto para deixar os estudos quanto para retomá-los.
Ao todo, 56% disseram que pretendem cursar o ensino técnico, mas entre os jovens que pretendem concluir o ensino médio (que começaram esta etapa e interromperam ou que finalizaram o ensino fundamental sem ingressar no médio), 77% querem cursar essa modalidade.
Entre as mulheres, esse percentual é ainda maior: chega a 80%. Também se mostrou mais relevante essa opção pelo ensino técnico quando considerados os moradores de áreas metropolitanas (79%). A maior motivação para concluir o ensino básico (52%) é encontrar um emprego ou ter um emprego melhor (37%). Já fazer uma faculdade é a motivação para 28%.
Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, diz que o jovem tem a perspectiva de se desenvolver economicamente, e as políticas de educação precisam levar isso em consideração.
— Mas o que é relevante aqui é que eles estão querendo trabalhar e isso faz parte da realidade. A gente vem de uma tradição que dissocia o trabalho do estudo, o que é um erro. Tem ssa ideia de que orientar as pessoas pelo trabalho é uma coisa ruim, o fato de ter trabalho infantil, que é algo abominável e precisa ser combatido, não justifica a gente afastar o jovem do mundo do trabalho, de orientar ele para isso no tempo certo. A gente precisa pensar em políticas que atendam a realidade desses jovens — opina.
A fim de evitar a evasão escolar, em janeiro o governo Lula (PT) lançou o Pé de Meia, um programa que prevê uma poupança e um auxílio financeiro mensal de R$ 200 para estudantes do ensino médio que seguirem alguns critérios sociais e de assiduidade, como frequência mínima às aulas e participação em exames de avaliação. Mas para Rosalina esse tipo de política, sozinha, não resolve o problema de quem já saiu da escola.
— A gente está falando de jovens que estão há muito tempo fora da escola, não é apenas uma política, não adianta oferecer só o ensino técnico, ou se for só bolsa não adianta. Para este que já evadiu é mais complexo, essa bolsa deveria ter um valor maior quando ele vai fazer a matrícula. Uma bolsa para este público tem que estar conjugada com a melhoria da educação, se a escola não consegue dar acompanhamento, tutoria para este jovem, é bem provável que este jovem volte a evadir. Precisa fazer uma composição de estratégias para que de fato esse jovem consiga retornar — diz Rosieli.
Negros, com filhos, com renda de até um salário: o perfil de quem abandona a escola
Segundo o estudo, 58% que não concluíram os estudos são homens, 70% são negras e 84% fazem parte da força de trabalho, mas 69% têm empregos informais. A evasão escolar também atinge os jovens mais pobres, já que a maior parte (78%) possuem renda familiar per capita de até um salário mínimo.
A pesquisa ainda revela que 60% das pessoas que abandonaram os estudos têm filhos, mas quando se considera apenas o universo feminino, 8 a cada 10 mulheres são mães. Dentre as mulheres, 72% são negras, e a maioria delas, diferente dos homens, está fora da força do trabalho (35%) ou desempregadas (21%), o que mostra que as razões para que elas saiam da escola são mais ligadas ao cuidado doméstico e com a família do que trabalhar fora. A maioria (73%) delas vive em lares onde há beneficiários de algum auxílio governamental.