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'Percebi que podia mais', diz formanda do programa Educação de Jovens e Adultos da Fundação Roberto Marinho

Escola celebrará formatura de 400 alunos da Maré e Botafogo, entre eles Maira Oliveira, que desistiu de inúmeras escolas até conseguir um diploma
Maira Oliveira, de 28 anos, está se formando no ensino médio Foto: Arquivo pessoal
Maira Oliveira, de 28 anos, está se formando no ensino médio Foto: Arquivo pessoal

RIO — Maira Oliveira, de 28 anos, perdeu as contas de quantas vezes tentou e não conseguiu completar o ensino médio. Nesta terça-feira, no entanto, a história vai ser diferente.

Ela faz parte de um grupo de 400 estudantes que celebram a formatura de ensino médio das turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Fundação Roberto Marinho .

— A ideia inicial era terminar o ensino médio para conseguir um trabalho. Só que, com o passar do tempo, percebi que poderia fazer mais. Me inscrevi no curso de espanhol e no de libras — conta a formanda, que já coleciona vitórias: — Acabei de saber que passei no curso técnico de análises clínicas!

A moradora da Maré tem uma vida escolar com sobressaltos. Não frequentou creche nem pré-escola. Entrou no ensino fundamental com dois anos de atraso. Abandonou os estudos logo após ingressar no ensino médio.

Filha de uma empregada doméstica com um dependente químico que chegou a vender a casa da família para sustentar o vício, ela agora mora com uma amiga na Maré, onde chegou aos 8 anos de vida, após peregrinação com a família por comunidades da Região Metropolitana do Rio.

— Venho de uma família com três irmãs. Meu pai é usuário de cocaína, e a gente mudava muito por conta das confusões que ele arrumava. Também batia na minha mãe, que muitas vezes trancava a gente em casa para ficarmos protegidas dele. Por isso, perdi diversas aulas. Como sou a mais velha, comecei a trabalhar com 16 anos para ajudar em casa — conta.

Para se sustentar, Maira faz trabalhos pontuais como copeira num bufê aos fins de semana. Com o diploma, vai atrás de um emprego melhor — de preferência, de carteira assinada. Mais pra frente, sonha com a faculdade de Biologia ou Nutrição. Também espera virar servidora da Marinha e conhecer a Espanha para treinar o novo idioma.

'Uma profissão, e não um trabalho'

A Fundação Roberto Marinho e a Redes da Maré contam com a parceria do Instituto Humanize e o apoio da Somos na implementação de 14 turmas no Complexo da Maré.

— Esse projeto me motivou a fazer outras coisas, me deu uma confiança que não tinha. Não tinha muitos sonhos, muitos objetivos. Meu objetivo era apenas terminar o ensino médio e trabalhar. Mas minha professora sempre nos incentivou a ser mais, a pensar mais. Hoje não pretendo só trabalhar. Pretendo estudar para ter um emprego. Uma profissão, e não um trabalho — diz.

Os estudantes completam o ensino fundamental e o médio em 18 meses, por meio da Educação de Jovens e Adultos. Como um dos maiores desafios é conseguir frequentar a escola, que muitas vezes está distante de casa e do trabalho, a Escola Fundação Roberto Marinho atua em várias localidades, com aulas nos três turnos.

As salas de aulas estão instaladas em regiões que recebem pessoas com alta vulnerabilidade social — atualmente, são 800 jovens e adultos concluindo a escolaridade em salas no Complexo da Maré, Rio Comprido, Del Castilho, São Gonçalo e Botafogo. Desde 2011, a escola já formou 1775 estudantes: 470 no ensino fundamental e 1305 no ensino médio.

— Uma de nossas estudantes, a Elaine, da Maré, disse que agora, em sua vida, não existem mais paredes, só horizontes. Sentimento que só a Educação pode proporcionar. A Escola da Fundação Roberto Marinho vai continuar a oferecer educação básica a quem mais precisa, são jovens e adultos que ficaram pelo caminho, mas hoje estão preparados para conquistar o que desejarem — afirma Wilson Risolia, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.

Metodologia do Telecurso

A Escola Fundação Roberto Marinho adota a metodologia do Telecurso, que se baseia em currículo e materiais pedagógicos especialmente desenvolvidos, com um professor em sala de aula que acompanha a turma e o uso de diversas tecnologias.

A prática pedagógica, inspirada nos principais teóricos da Educação, garante um aprendizado com sentido e que atenda às necessidades desse público que tem sido sistematicamente deixado para trás. Afinal, ainda temos, infelizmente, muitos jovens e adultos brasileiros que precisam transpor várias paredes.

Concebido na década de 1970 como um programa de TV para garantir acesso à educação para todos, o Telecurso ampliou sua atuação a partir dos anos 1990 para apoiar a solução de problemas educacionais, como elevados índices de repetência, evasão escolar e baixo desempenho em avaliações nacionais.

Assim, a Fundação Roberto Marinho desenvolveu uma inédita metodologia,  mobilizando acadêmicos dos cursos de licenciatura e pedagogia das principais universidades do país para o desenvolvimento de um currículo e materiais pedagógicos que o concretizassem, acompanhados de um conjunto de ações (como formação continuada de professores e gestores, práticas de sala de aula, acompanhamento pedagógico e avaliação).

Desde então, o Telecurso apoia as redes públicas brasileiras a superar os baixos resultados de aprendizagem, a defasagem idade-ano, a repetência e a evasão.