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Paulo Guedes afirma que Fies bancou universidade até para 'filho de porteiro que zerou o vestibular'

Ao GLOBO, ministro confirmou teor de fala revelada por jornal e disse que declaração foi para alertar proliferação de universidades de baixa qualidade beneficiadas pelo programa
O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS/8-12-2020
O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS/8-12-2020

RIO — O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo federal deu bolsas no ensino superior para "todo mundo" e que o "desastre" enriqueceu meia dúzia de empresários, beneficiando até quem não tinha a “menor capacidade” e "não sabia ler nem escrever". Segundo ele, o filho do seu porteiro foi beneficiado mesmo após zerar o vestibular. No entanto, o edital do programa prevê a exigência de nota mínima para aprovação do financiamento.

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“O porteiro do meu prédio, uma vez, virou para mim e falou assim: 'Seu Paulo, eu estou muito preocupado'. O que houve? 'Meu filho passou na universidade privada'. Ué, mas está triste por quê? 'Ele tirou zero na prova. Tirou zero em todas as provas e eu recebi um negócio dizendo: parabéns, seu filho tirou...' Aí tinha um espaço para preencher, colocava 'zero'. Seu filho tirou zero. E acaba de se endereçar a nossa escola, estamos muito felizes”, disse Guedes sem saber que estava sendo gravado.

O teor da declaração, revelado pelo jornal "O Estado de S. Paulo", foi confirmado pelo ministro ao GLOBO. Ele afirmou que o objetivo não foi criticar o acesso à educação por mais pobres, mas alertar para a baixa qualidade de faculdades privadas.

— Eu estava dizendo de quão importante foi o investimento privado para permitir acesso ao ensino superior. O Fies foi um programa exitoso, deu acesso, embora eu prefira voucher para as famílias mais pobres, e aí citei o dilema que estava o porteiro do meu prédio. Isso é fato, é verídico — disse Guedes, que repetiu o relato feito durante a reunião.

O ministro acrescentou que deu um exemplo de instituições "caça-níqueis", cuja mensalidade possivelmente seria financiada com Fies:

— O porteiro disse: "Se tiver bolsa, e estão dizendo que tem um Fies, aí eu deixo ele ir. Mas se tiver que pagar, eu não sei se eu pago, porque estou preocupado com a qualidade do ensino". Eu dei um exemplo de uma caça-níqueis privada que aprovou alguém com média zero e possivelmente foi a base do Fies. Não tem nada a ver com filho de porteiro. O filho de porteiro foi um exemplo de uma pessoa humilde que me consultou preocupada com a qualidade da educação do filho.

Guedes defendeu que as declarações foram dadas num contexto em que ele defendia a entrada do setor privado na prestação de serviços públicos, como educação e saúde. Ele também afirmou que o trecho em que ele afirma que os brasileiros vão querer viver 100 anos foi tirado de contexto. Segundo o ministro, o exemplo foi dado para mostrar que a população está envelhecendo e demandará por mais serviços.

— Está tudo dentro do mesmo contexto. Era uma reunião feita no Ministério da Saúde, para justamente fazer uma convocação ao setor privado para ampliação dos planos de saúde ajudarem no combate à pandemia. É natural e positivo que as pessoas vão querer viver 100 anos. Vai haver uma pressão enorme sobre recursos — afirmou.

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As falas foram feitas durante reunião do Conselho de Saúde Suplementar (Consu), na terça-feira, 27. Ele estava acompanhado dos ministros da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, e da Saúde, Marcelo Queiroga, e de representantes do setor de saúde.

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Pode ser beneficiado pelo Fies quem participou do Enem, a partir de 2010, e obteve média aritmética das provas igual ou superior a 450 pontos e não zerou a redação. No auge do programa, em 2014, foram financiados mais de 700 mil alunos. Em 2020, esse número caiu para 100 mil.

Na mesma reunião, Guedes afirmou que os chineses “inventaram” o coronavírus e que a vacina desenvolvida pelo país asiático contra a doença é menos efetiva do que o imunizante da Pfizer, dos Estados Unidos.

A acusação de que a China criou a Covid-19 é rebatida duramente por Pequim. Essa afirmação esteve no centro de uma crise diplomática entre a China e o governo Jair Bolsonaro.

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Atualmente, a vacina CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, é a responsável por cerca de 80% das doses aplicadas no Brasil.

O próprio Guedes tomou essa vacina. O restante dos imunizantes aplicados no país são decorrentes da parceria entre o laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford, mas a fabricação pela Fiocruz tem sofrido atrasos.

— O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: “Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica”. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras — disse Guedes.

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Parte da reunião foi transmitida nas redes sociais do Ministério da Saúde. O vídeo foi interrompido após os ministros perceberem a gravação. As imagens não estão mais disponíveis, mas foram divulgadas pelo portal G1.

Quando foi informado que a reunião estava sendo transmitida, Guedes pediu:

— Não mandem para o ar.