Política

Pastor lobista do MEC esteve 90 vezes na Câmara e visitou gabinete de Eduardo Bolsonaro, mostra documento

Registro de entrada no Congresso obtido pelo GLOBO revela que religioso se encontrou com deputados enquanto fazia lobby no Ministério da Educação
O pastor Arilton Moura (à direita), com o então ministro Milton Ribeiro Foto: Luis Fortes/MEC- 30/11/2021
O pastor Arilton Moura (à direita), com o então ministro Milton Ribeiro Foto: Luis Fortes/MEC- 30/11/2021

BRASÍLIA — O pastor Arilton Moura se recusou a comparecer ao Senado nesta quinta-feira para explicar as denúncias envolvendo lobby e pedidos de propina a prefeitos para liberar verbas do Ministério da Educação (MEC). O religioso, contudo, conhece bem o Congresso. Nos últimos quatro anos, segundo documentos obtidos pelo GLOBO, ele visitou ao menos 90 vezes a Câmara entre janeiro de 2019 e março de 2022. Dentre os destinos registrados no sistema de segurança, estão ao menos dez gabinetes de parlamentares de diferentes legendas, do PL ao PSB — e do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

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Moura está na mira da uma investigação da Polícia Federal sob a suspeita de intermediar a liberação de recursos da Educação para prefeituras. O religioso foi acusado de pedir propina em Bíblias, conforme revelou O GLOBO , e de atuar em parceria com o pastor Gilmar Santos. Convidados pelo Senado para esclarecer os fatos nesta quinta-feira, a dupla declinou do convite alegando que já é alvo de "procedimentos na esfera judicial". Procurado, Moura não se pronunciou. Em suas redes sociais, Santos nega qualquer irregularidade. O escândalo no MEC resultou no pedido de demissão do então ministro Milton Ribeiro .

De acordo com os registros de visitantes da Câmara, em 16 de outubro de 2019, Moura informou que iria ao gabinete 350 no Anexo IV, ocupado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Dois dias depois, o pastor acompanhou o seu colega Gilmar Santos em um encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Procurado, o parlamentar não quis comentar a agenda com o lobista do MEC.

Visitas à Câmara info-camara-visitas

O congressista que mais recebeu Moura na Câmara foi João Campos (Republicanos-GO) — ao menos cinco vezes. O parlamentar também foi o anfitrião das duas oportunidades em que Gilmar Santos esteve na Câmara. Ao GLOBO, Campos afirmou que Santos lhe pediu recursos de emenda parlamentar para uma fundação ligada a uma igreja.

— Ele falou que tinha um projeto social lá, (perguntou) se eu poderia ofertar uma emenda para isso. Mas a entidade dele não preenchia os requisitos para receber os recursos. Então, acabei não fazendo, mas, se estivesse regularizada, eu faria — disse o deputado goiano.

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Parlamentar que teve o mandato mais longevo como presidente da bancada evangélica, Campos é amigo de Santos há mais de 30 anos. O deputado já morou no mesmo prédio que o pastor e, segundo o próprio Campos, os dois chegaram a frequentar a mesma igreja em Goiânia.

— A minha relação com ele antecede a política — disse o parlamentar, que emprega a filha de Santos em seu escritório político na capital de Goiás.

Em relação ao pastor Arilton Moura, o deputado diz que o conheceu no início do ano passado por meio de Gilmar Santos, que lhe apresentou como “presidente do conselho político da igreja”.

O segundo parlamentar que mais teve audiências com o pastor Moura foi Marcelo Brum (União-RS) - ao todo, quatro entre 2019 e 2022. Ele ocupou a cadeira de deputado temporariamente e voltou a ser suplente nesta semana, quando o titular do posto, Ônyx Lorenzoni, renunciou ao comando do ministério do Trabalho para disputar as eleições deste ano.

— Foi para solicitar recursos. As vezes em que o pastor foi no gabinete era em busca de recursos para os projetos sociais da igreja, para idosos — detalhou Brum, frisando que não enviou os recursos porque ele era um deputado do Rio Grande do Sul e a igreja se situava em Goiás — Não tem como um deputado de um estado mandar para outro.

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Em um culto gravado em 2019, Brum aparece prometendo no púlpito que encaminharia R$ 200 mil de emendas para o “lar do idoso do pastor Gilmar”.

— Faz o seguinte: como eu sou muito ousado e a minha assessora, o meu chefe de gabinete, estão lá no fundo. (...) Tu bota aí R$ 200 mil aqui para o lar do idoso do pastor Gilmar, tá? — diz ele, no vídeo.

Já o deputado Elias Vaz (PSB-GO) se encontrou duas vezes com o pastor Moura na Câmara. Por meio de sua assessoria, o parlamentar explicou que o religioso veio lhe pedir a filiação do genro do pastor Gilmar Santos para disputar a vaga de deputado estadual por Goiás. "Mas a filiação não ocorreu por diferenças ideológicas, já que o grupo tinha um posicionamento favorável ao presidente Bolsonaro, ao contrário do parlamentar. Elias Vaz desconhecia qualquer relação de tráfico de influência entre os pastores e o governo", diz a nota.

O deputado Vicentinho Júnior (PP-TO) relatou que Moura foi ao seu gabinete acompanhado de uma comitiva da embaixada de Israel. Segundo ele, o objetivo era convidar o parlamentar para um evento de tecnologia do Ministério da Agricultura.

— Eu o havia conhecido num evento do Itamaraty. Era um pastor bem relacionado — disse Vicentinho.

No sistema de registros da Câmara consta ainda a visita de Moura aos gabinetes dos deputados Helio Lopes (União Brasil-RJ), amigo de Bolsonaro, e Guiga Peixoto (União Brasil-SP). No entanto, a assessoria dos parlamentares informou que, como o acesso à Casa estava mais restrito durante a pandemia, acabaram liberando a entrada do pastor para ir a outros gabinetes.