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Opinião|Parte da sociedade brasileira vê o professor como mero serviçal sem autoridade

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Atualização:
Celsa Pastorelli, então professora da escola estadual Parque Piratininga II, no documentário "Pro Dia Nascer Feliz" - Foto: reprodução

"Você está lá, você estudou, entra numa sala de aula e o cara manda você 'tomar naquele lugar'."

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O desabafo é da professora Celsa Pastorelli, que, aos 28 anos, desenvolveu um quadro de Síndrome do Pânico e problemas cardíacos devido a agressões que sofria na sala de aula. Isso foi após sua participação no documentário "Pro Dia Nascer Feliz", de João Jardim (Copacabana Filmes, 2006), quando ainda lecionava na escola estadual Parque Piratininga II, em Itaquaquecetuba (SP), e deu o depoimento acima.

Longe de ser um problema isolado, agressões a professores se tornaram muito comuns em todo o Brasil. São ameaças de alunos, de pais, de autoridades, de traficantes, de milicianos e de outros membros da sociedade, agressões verbais e físicas, e até assassinatos.

Não se trata apenas de problemas de saúde ou de polícia. A falta de respeito e a desvalorização de professores se tornaram crônicos há décadas no Brasil e estão na raiz do baixíssimo nível educacional apresentado por nossos alunos nas avaliações internacionais, o que forma cidadãos inseguros e profissionais pouco competitivos. Em última instância, isso afasta o Brasil cada vez mais de seu anseio de se tornar uma nação desenvolvida.

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Esse é também um problema de mercado. Com a escola tornando-se um negócio, muitos pais se colocam na posição de "clientes que podem tudo".

"Muitos educadores nem podem dizer 'não', porque a escola está muito refém da 'carteirada', no caso da escola particular, e até da agressão ou da humilhação, na escola pública", afirma Leo Fraiman, mestre em psicologia educacional e autor da metodologia OPEE. "O professor hoje é tido, por muitas famílias, como um funcionário, um empregado seu, e não mais como uma autoridade."

Algumas famílias decidiram terceirizar parte da educação de seus filhos à escola. Por isso, esperam que ela ensine valores a eles, mas não aceitam quando professores transmitem alguns diferentes dos seus, assim como tolerância. Querem que seus filhos aprendam disciplina e limites na sala de aula, mas rejeitam -às vezes furiosamente- uma simples nota baixa.

"A gente não tem dignidade para trabalhar", disse Celsa no documentário. "Você tem que aceitar muitas coisas dentro da sala de aula, e isso vai deixando você com o espírito cada vez mais pobre."

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Se quisermos romper esse vício que achata a sociedade, precisamos acabar, também na educação, com a falácia de que "o cliente sempre tem razão": isso não é verdade em nenhum cenário, pois há aqueles que extrapolam seus direitos por desconhecimento ou má fé.

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As escolas e as autoridades precisam proteger o professor para que possa fazer seu trabalho sem medo de ser demitido ou agredido. Todos os países que se destacam nas avaliações internacionais investem na formação desses profissionais e os valorizam socialmente de maneira profunda.

A escola ganha um novo papel, que é o de educar não apenas os alunos, mas também seus pais para um mundo cada vez mais complexo, até mesmo pelas mudanças impostas pela digitalização galopante de nossas vidas. Ela é um espaço acadêmico, mas também de respeito a diferenças e de fortalecimento da cidadania, com um uso inteligente de todos os recursos disponíveis. Mas, para isso, é necessário a parceria de todos os agentes da sociedade para resgatar a dignidade e a autonomia dos mestres.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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