EDUCAÇÃO

Por Bárbara Hammes, G1 PR


Paraná é o estado com maior taxa de alunos da educação especial em escolas exclusivas, aponta Inep — Foto: Divulgação/AEN

O Paraná é o estado brasileiro com a maior taxa de estudantes da educação especial frequentando escolas exclusivas, ou seja, instituições que atendem apenas estes alunos, de acordo com o Censo Escolar 2020, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

De acordo com o Censo, no Paraná, a presença de alunos da educação especial em escolas regulares (de classes comuns) é a menor do país, principalmente nos anos iniciais de ensino.

Conforme o Inep, somente 66% destes estudantes são incluídos nas classes comuns durante a educação infantil no Paraná, enquanto em outros 12 estados do país a inclusão é de 100%. Veja a comparação no gráfico abaixo.

No ensino fundamental, o número sobe para 71% enquanto, no ensino médio, a inclusão é quase total: 99% dos estudantes com deficiência estudam em escolas regulares com inclusão social.

Nesta edição, segundo o Inep, a data de referência do levantamento é de 13 de março do ano passado. Os dados, divulgados na sexta-feira (29), consideram o período antes da pandemia.

Paraná é o estado brasileiro com menor taxa de alunos da educação especial em classes comuns, segundo o Inep — Foto: Divulgação/Inep

Escolas exclusivas e o debate da 'exclusão'

No Paraná, a educação exclusiva é ofertada por 400 instituições, segundo a Secretaria de Estado de Educação e Esporte (Seed), que defende a modalidade de divisão dos estudantes.

As escolas exclusivas do estado, conforme a secretaria, possuem cerca de 40 mil alunos, enquanto cerca de 50 mil estudantes da educação especial frequentam escolas inclusivas.

Considerando o repasse para o primeiro semestre letivo de 2021, as instituições receberam R$ 995.279.58,42 em repasses do governo estadual desde 2017, ano de assinatura do último convênio entre as partes, ainda em vigência por meio de aditivos, de acordo com a Seed.

Apesar do investimento e alta presença do modelo exclusivo de ensino no Paraná, as escolas especiais são classificadas como "segregadoras e irregulares" por Maria Teresa Mantoan, pesquisadora especialista no assunto e professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"A escola especial é uma forma de exclusão, porque quem vai para ela é uma pessoa que foi excluída da escola comum. Essa escola não reconhece o direito do estudante com deficiência de estar na mesma sala de aula com os outros colegas aprendendo segundo suas possibilidades, como determina a Constituição", disse.

Além do aspecto de inclusão social, a especialista também questiona a existência das instituições enquanto escolas perante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que rege a educação no Brasil.

"A escola especial não está prevista na LDB, ela vai contra a Constituição que prevê o ensino obrigatório entre 4 e 17 anos. Na LDB, o que está previsto é o atendimento educacional especializado, que é um serviço da educação especial sem nível nem caráter substitutivo, não escola. Ele é complementar", afirmou a professora.

Cerca de 50 mil estudantes da educação especial frequentam escolas inclusivas no Paraná, de acordo com a Seed — Foto: Reprodução/RPC

Conforme texto da LDB, é dever do poder público o "atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino".

"Esse 'preferencialmente' diz que o atendimento deve ser oferecido de preferência na escola comum, mas pode, sim, acontecer na Apae, só que não é escola, não tem sala de aula nem currículo. O que a Apae pode oferecer é um atendimento do ponto de vista clínico-terapêutico, mas escolar jamais, como prevê a lei", argumentou a especialista.

Seed defende modelo

De acordo com a Secretaria estadual de educação, o ensino nas escolas especiais é credenciado e autorizado, além de receber, historicamente, investimentos do governo estadual. As instituições não são comandadas pelo estado, pois tratam-se de organizações privadas sem fins lucrativos.

Ângela de Mello, chefe do Departamento de Diversidade e Direitos Humanos da Seed, afirmou que o governo não é o mantenedor das instituições de ensino especial.

"Ele tem uma parceria de investimento financeiro e também de equipe, cedendo profissionais da rede regular de ensino para atuarem nestes locais. São instituições credenciadas e que fornecem diploma com validade de horas e conteúdo para os estudantes de educação infantil, anos inicias do ensino fundamental e primeira turma de Escola para Jovens e Adultos (EJA)", disse

Segundo a secretaria, a opção do estado em investir em escolas especiais tem o objetivo de proporcionar às famílias a possibilidade de escolha, de acordo com o que considerarem melhor.

"Acreditamos que é importante oferecer as duas opções de qualidade para os pais e responsáveis, de ensino inclusivo e exclusivo. O Paraná possui um próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência estadual que prevê essa oferta e dá à família o poder de decidir", explicou Ângela.

Sobre a inclusão social, apontada por especialistas como um risco no caso de escolas exclusivas, a coordenadora do Departamento de Educação Especial da Seed, Claudia Saldanha, defendeu a modalidade.

"Esses locais funcionam como escola-meio, com o objetivo de encaminhar para a escola regular. Fornecemos conteúdos de acordo com a Base Nacional Curricular, mas trabalhamos com adaptação, com temporalidade para os alunos. E é um lugar de direitos e deveres, então, é trabalhada também a socialização dos estudantes", disse.

Para o primeiro semestre do ano letivo de 2021, compreendido entre 1º de fevereiro e 31 de julho, a Seed repassou R$ 130 milhões para as instituições "para fins pedagógicos".

A secretaria informou ainda que o convênio é mantido pois são considerados, a cada dois ou três anos, resultados das instituições.

Para a mensuração dos resultados, a Seed disse que considera a parte pedagógica, além da quantidade de alunos encaminhados ao ensino regular e um monitoramento com pais ou responsáveis destes alunos sobre a situação do ensino.

400 instituições atuam como escolas especiais no Paraná, segundo a Seed — Foto: Divulgação/AEN

No caso das instituições regulares de ensino em atuação no estado, a Seed apontou que quase 100% delas são inclusivas e oferecem a acessibilidade determinada pelo Ministério da Educação (MEC).

Conforme a secretaria, são 2.973 salas de recursos no estado, com disponibilização de profissionais específicos para acompanhar e colaborar com o trabalho de professores, como tradutores e intérpretes de libras.

Tema judicializado

Em outubro, a um decreto publicado pelo governo federal para uma nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE) previa, entre outros pontos, a criação de turmas e escolas especializadas, que atendessem apenas estudantes da educação especial.

Na época, o ministro Dias Toffoli, relator da ação, votou pela manutenção da suspensão e ressaltou a necessidade de adaptação do sistema de educação regular.

"A educação inclusiva não se refere apenas a uma modalidade de ensino, constituindo-se no paradigma constitucional para a educação da criança com deficiência, que demanda a adaptação de todo o sistema de educação regular, no intuito de congregar alunos com e sem deficiência no âmbito de uma mesma proposta de ensino, na medida de suas especificidades", afirmou o ministro.

Importância para a socialização

Gabriel estuda em uma escola inclusiva da rede estadual, e mãe elogia: 'muito importante' — Foto: Arquivo Pessoal/Maura Ribeiro

Para Maura Ribeiro, servidora pública e mãe de Gabriel Ribeiro Couto, de 15 anos, a escola inclusiva, em que os alunos da educação especial estudam em turmas do ensino regular, tem uma grande importância para o desenvolvimento social do filho, que tem diagnóstico de autismo.

Gabriel estuda em escola inclusiva desde as primeiras etapas de ensino, mas foi no terceiro ano do ensino fundamental que ele conseguiu acompanhar e ter um desenvolvimento positivo junto aos demais alunos.

"Foi muito difícil no começo, as escolas não tinham preparação, e o mais difícil é o preconceito. Talvez por falta de conhecimento sobre, mas em qualquer problema eles me chamavam, queriam que falasse com terapeuta e psiquiatra, como se fosse um problema dos outros, nada com eles", contou a mãe.

Quando encontrou o Colégio Municipal Professor Brandão, em Curitiba, Maura enfim conseguiu para Gabriel a oportunidade de estudar na escola com o maior número de estudantes com deficiência incluídos de Curitiba e um atendimento, segundo a mãe, preparado para de fato para promover inclusão.

Durante cerca de dois anos, Gabriel foi atendido em uma instituição de apoio especial como complemento ao ensino regular. Lá, ele recebeu auxílio no contra turno das aulas, período que, de acordo com Maura, foi essencial para o desenvolvimento do filho.

Atualmente, Gabriel é aluno do Instituto de Educação do Paraná, também inclusivo.

"As duas escolas são excelentes. A gente como mãe sente medo do bullying, mas dentro da escola eles abordam o tema e lidam com as situações. Ele é acompanhado por uma professora de apoio educacional especializado (Paee), que é oferecida pelo próprio estado e adapta o conteúdo para ele, além de todo o apoio também junto à família", disse Maura.

Dificuldades durante a pandemia

Em meio à pandemia do novo coronavírus, Gabriel precisou se adaptar às aulas remotas e contou com o auxílio da Paee para seguir acompanhando o conteúdo, mesmo a distância.

"Esse trabalho tem sido muito importante. Ela adaptou todo o conteúdo para ele ver por vídeo, porque as aulas oferecidas na TV aberta ele não consegue acompanhar. É claro que tem dias que ele não quer, mas essa atenção dela com a família facilitou muito. E ele sente falta da escola, dos amigos, dos professores", contou a mãe.

Apesar do retorno das aulas presenciais da rede estadual de ensino estar previsto para 18 de fevereiro, em modelo híbrido, Maura tem dúvidas se mandará o filho no formato híbrido diante dos riscos da Covid-19. Ela está trabalhando em home office durante a pandemia.

Sobre o tema, a Seed explicou que organizou o sistema para não deixar os alunos com deficiência desassistidos durante a pandemia.

"Fizemos esse trabalho de busca ativa, de aproximação com as famílias, para que ninguém ficasse pelo caminho ou perdesse o ano letivo, além do monitoramento desses estudantes junto aos Núcleos Regionais de Educação (NRE). Essa aproximação, inclusive, foi importante pela questão da socialização, para que isso não se perdesse", comentou Ângela de Mello.

"Agora com o retorno das aulas, os pais precisam assinar um termo de compromisso para a volta desses estudantes. Mas nós, enquanto secretaria e rede estadual de ensino, estamos preparados para receber nossos alunos", completou Claudia Saldanha.

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