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Para que o aluno permaneça na escola é necessário que o colégio se volte para ele

Na mesa 'Transições', no evento Educação 360, estudos de casos foram apresentados como formas de combate a evasão
Educação 360: estudos de caso foram apresentados na mesa "Transições" Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo
Educação 360: estudos de caso foram apresentados na mesa "Transições" Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

RIO - No primeiro ano do ensino médio, a cada 100 alunos, um terço estava atrasado na vida escolar em dois anos ou mais, segundo dados do último Censo Escolar. Essa dificuldade na progressão entre os anos e segmentos escolares foi o tema do debate "Transições", que trouxe quatro exemplos de como atenuar essa questão.

Com a presença de Anna Penido, do Instituto Inspirare, como facilitadora, e de Giuliana de Toledo, editora da revista Galileu, como mediadora, os estudos de caso ficaram a cargo de Maria Cecilia Almeida e Silva, do Instituto Pró-Saber; Stela Maris Vaucher Farias, professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que apresentou a iniciativa "Trajetórias Criativas"; Américo Mattar, presidente da Fundação Telefônica Vivo; e Paloma de Souza, Vanessa Satiro, Flavia Oliveira e Camila Chermouth, professoras e aluna de um colégio da zona rural de Teresopólis que teve um crescimento nos últimos anos graças a mudanças realizadas pela direção.

O encontro foi iniciado com as experiências no CAp-UFRGS trazidas por Stela Farias que pontuou o problema do fluxo escolar entre jovens de 15 e 17 anos.

- Segundo pesquisa do IBGE, temos 3 milhões de estudantes de 15 a 17 anos no ensino fundamental e 1 milhão de estudantes evadidos. É um problema que só pelos números fica claro que precisa ser encarado. Além disso, 40,3% destes estudantes apontam que a principal motivação para sair da escola é a falta de interesse.

O modelo proposto pelo colégio consiste em elaborar uma grade horária que possibilite mais o estudo de temas atuais do que detalhes dos conteúdos e que permita um desenvolvimento individual sem perder de vista as trocas coletivas.

- Nós procuramos fazer uma reformulação da concepção das relações interpessoais pautadas em um planejamento. Com isso, os estudantes têm ampliado a crença em si, criando um empoderamento - explicou Stela.

A jornalista Anna Penido comentou a importância de ter um projeto que pense o espaço escolar como um local para um despertar do aluno.

- Como a gente cria algo que seja motivador? Não se pode confundir o motivador com o lúdico, com a brincadeira. A motivação tem que vir com um sentido para aquilo. E isso também passa pelo currículo. Geralmente, pensa-se no conteúdo das séries para crianças com a idade regular, mas como fazer com este aluno que está mais velho naquela série? Da forma como aquilo é colocado para ele, não cria estímulo.

Quando Maria Cecilia Almeida e Silva, do Instituto Pró-Saber, iniciou sua fala, trouxe a importância das palavras na educação. Falando sobre o saber, a especialista pregou que não devemos cristalizar os termos utilizados na pedagogia:

- Temos que nos deslocar das palavras acostumadas, como diria Manoel de Barros. Uma palavra acostumada é cidadania. Não tem um projeto que não pense em aprimorar a cidadania. Mas que cidadania é essa? Temos que romper com o vocabulário da nossa "tribo pedagógica".

Maria Cecilia também provocou ao dizer que os professores atuam melhor quando não têm domínio total sobre o assunto.

- O professor ensina melhor o que ele não sabe, porque ele vai descobrir junto. E aí, quando ele chega na sala de aula, chega com vontade de contar, cheio de novidade e o aluno também. A ideia é de que existe um mistério que ambos vão descobrir juntos.

O Pro-Saber é uma faculdade particular gratuita noturna para professores de ensino básico público que visa auxiliar o ensino em comunidades de baixa renda. Anna Penido comentou sobre a profundidade da formação que o instituto promove.

- Não é formar para ter todas as respostas prontas. Mas é para desenvolver uma capacidade intrínseca de responder qualquer situação que apareça e ser capaz de tirar recursos pessoais para isso. É impossível que um professor promova uma educação assim se ele não passou também por isso - afirmou Penido.

Américo Mattar, presidente da Fundação Telefônica Vivo, apresentou o projeto "Viagem à escola do século XXI".

- São 80 histórias de escolas em todo o mundo que provocam a reflexão do que seria a escola do século XXI. O colégio, hoje, é um formato do século XIX, com professores do XX e alunos com todas as tecnologias do XXI. Com a pesquisa para o livro, vimos alguns pontos interessantes: enriquecimento metodológico, a ideia de que todos aprendem de formas diferentes; cultura do pensamento, a curiosidade guiando a educação; a aprendizagem cooperativa, quando os estudantes se tornam educadores deles mesmo e a aprendizagem com base em projetos.

Mattar também pontuou que é necessário ter atenção para as avaliações das escolas, no "design thinking", na ida para outros ambientes que não seja a sala de aula tradicional e a relação com a comunidade.

- Quando a escola não dialoga com o entorno, ela perde. Além disso, tiramos outros aprendizados e um deles é que tem que ser divertido e pode ser feito em qualquer espaço. O livro foi feito para isso, para provocar e para ver a potência das nossas escolas.

A diretora Paloma de Souza, as professoras Vanessa Satiro, Flavia Oliveira e a aluna Camila da Silva Chermouth representaram a escola municipal Alcino Francisco da Silva, da zona rural de Teresópolis. Um local que, como mencionaram, não tem parque, não tem centros de cultura e a única quadra da região é a da própria escola. Essas ausências mobilizaram a comunidade escolar a elaborar atividades para suprir esta demanda.

- Passamos a fazer passeios, idas ao cinema, parceria com o Sesc para que eles fossem ao colégio com contadores de histórias, por exemplo. Ou seja, trazer algo que não existe nesta região.

A diretora também conta que a mudança de postura na direção da escola transformou uma cultura docente negativa.

- Todos os anos os professores pediam remoção. Era muito difícil, por causa do acesso, ficar lá. Quando os professores foram ouvidos e suas reivindicações começaram a ser atendidas, o número de transferências diminuiu.

O resultado deste esforço veio em números: o Ideb dos anos iniciais saltou de 5,3 em 2011 para 6,6 em 2015. Já a taxa de repetência caiu de 12% para 8%. Mas as consequências não surgem só em números, mas também em depoimentos.

- Lá eles se preocupam sempre com a vida do aluno, da família e não só com notas. Lá eu sei que é uma escola de novos recomeços - finalizou a sessão a aluna Camila.