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Governo Bolsonaro

Para o bem ou para o mal, mudar a educação não é tarefa simples

Pressionado durante o segundo turno, Jair Bolsonaro deu algumas declarações amenizando o tom de falas suas ou de aliados em temas econômicos, políticos e ambientais. Isso, porém, não aconteceu na educação. As propostas mais repetidas pelo presidente eleito durante sua campanha foram “expurgar a ideologia de Paulo Freire” das escolas e cursos de formação de professores, priorizando o ensino de “matemática, ciências e português, sem doutrinação e sexualização precoce”. São todas pautas polêmicas no meio educacional, que certamente vão gerar debates ainda mais intensos à medida que o governo tente colocá-las em prática.

Porém, o caminho para promover mudanças profundas na educação brasileira não é tão simples. Mesmo presidentes no auge de sua popularidade, em momentos de expansão econômica e com sólida base no Congresso Nacional (casos de Fernando Henrique em seu primeiro mandato e de Lula em seu segundo), tiveram dificuldade para aprovar políticas estruturantes no setor.

Boa parte das medidas já anunciadas por Bolsonaro - ou especuladas como propostas suas a serem ainda apresentadas - dependem da aprovação de leis por maioria simples no Congresso ou de PECs (Propostas de Emenda à Constituição), que exigem o voto de 3/5 dos Parlamentares. E, mesmo que tenha condições de fazer tantas mudanças na legislação, há ações que podem ser posteriormente declaradas inconstitucionais pelo STF por violarem outros artigos da Constituição. Pode ser o caso, por exemplo, se o governo tentar mesmo proibir que Paulo Freire (ou qualquer outro pensador) faça parte do currículo de cursos universitários.

Há, porém, ações em seu plano de governo que dependem apenas de decretos ou iniciativa do executivo federal. A criação de novas escolas federais militares, por exemplo, não requer grande esforço. O que limita sua expansão é o fato de custarem, por aluno, três vezes mais do que as públicas estaduais ou municipais. Daí ser simples construir algumas poucas pelo país, mas inviável massificar o modelo no atual cenário fiscal.

No direcionamento do currículo escolar, o MEC tem grande autonomia para alterar os critérios de avaliação e compra de livros didáticos, no âmbito do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Municípios e Estados não são obrigados a aceitar os livros comprados pelo MEC. Mas, diante da falta de recursos, é pouco provável que entes federativos menores ou em pior situação financeira tenham como bancar a compra de seu próprio material didático.

Dentre as medidas que necessitam passar por lei, especialistas do setor dão como muito provável a aprovação do projeto Escola Sem Partido, principal bandeira bolsonarista na educação. Mesmo aprovada, há dúvidas, no entanto, com relação a sua eficácia, considerando a dificuldade de monitorar o trabalho de 2,4 milhões de professores atuando em mais de 200 mil escolas de ensino fundamental ou médio. A lei, no entanto, certamente fortalece grupos que, até em escolas privadas, têm criticado o que consideram “doutrinação” de professores com viés de esquerda.

Outra promessa de campanha que necessita passar por maioria simples no Congresso é o “fim da aprovação automática”, pois a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) hoje permite que Estados e municípios optem pelo sistema de ciclos. A depender da mudança que pretende fazer na implementação da modalidade a distância, Bolsonaro precisará também alterar a mesma LDB, já que ela só permite este formato na educação básica como “complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.”

Medidas como ampliação dos dias letivos ou a mudança na forma de escolha de reitores em universidades federais também precisariam modificar leis aprovadas pelo Congresso. No caso da cobrança de mensalidades em instituições públicas (especulada como provável), a aprovação dependeria de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional).

Mesmo que consiga construir uma maioria sólida no Congresso Nacional, o governo Bolsonaro terá pela frente o mesmo desafio já enfrentado por outros presidentes que tentaram fazer mudanças significativas na educação. O principal deles é que o tema não costuma estar na prioridade dos parlamentares. Basta lembrar que a justificativa apresentada pelo ex-ministro Mendonça Filho (que voltou a ser cotado para o cargo por ter apoiado Bolsonaro em Pernambuco) para aprovar a reforma do Ensino Médio por medida provisória era a de que não havia interesse dos congressistas de apressar a tramitação do projeto de lei que tratava do tema, pois o foco estava nas pautas econômicas e políticas.

A criação de novas disciplinas – caso de moral e cívica - ou mudanças na Base Nacional Comum Curricular não dependem de leis, mas o caminho mesmo assim não é tão simples. A lei que estabeleceu a reforma do ensino médio determinou que a “inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação”. Este órgão é composto por 24 membros, indicados pelo executivo para mandatos de quatro anos. Bolsonaro só poderá indicar 12 novos conselheiros em 2020. Portanto, nas condições normais de temperatura e pressão (ou seja, respeitadas as regras do jogo democrático), qualquer alteração inicial no currículo teria que passar pelo diálogo com os conselheiros indicados na gestão de Michel Temer.

Não se sabe ainda quem será o futuro ministro da Educação de Bolsonaro. Dos nomes que foram especulados durante a campanha, há diferentes perfis: acadêmico (Stravos Xanthopoylos, especialista em educação a distância); ligado ao setor privado (Eduardo Mufarej, da Somos Educação); militar (o general Aléssio Ribeiro Souto, ex-chefe do Centro Tecnológico do Exército); ou mesmo político (Mendonça Filho, ex-ministro de Temer). 

Independentemente do perfil do novo ministro, mesmo que consiga aprovar por lei a maioria dos projetos do governo Bolsonaro, ele terá – como qualquer outro governo - o desafio de alinhar essas mudanças na educação básica com municípios e Estados. Juntos, esses dois entes federativos respondem por mais de 81% das matrículas. O restante do alunado está no setor privado (18% do total), ficando a rede federal, de influência direta do MEC, com apenas 1% das matrículas. 

- Nosso país herdou um ranço, cultural e histórico, de políticas definidas de forma autoritárias, de cima para baixo. Só que a Constituição de 1988 deu muito mais autonomia aos Estados e municípios para definir suas políticas públicas. O antigo modelo colonialista de tentar impor políticas goela abaixo não se aplica mais à realidade do Brasil. Por isso, é preciso avançar na construção de um Sistema Nacional de Educação, como previsto no Plano Nacional de Educação, que organize a atuação das três esferas de governo para que possam se articular de forma harmônica, dando alguma unidade às políticas educacionais -, afirma Alessio Costa Lima, presidente da Undime, associação que representa os secretários municipais de educação.

Para o dirigente, mesmo que um governo, seja ele qual for, aprove uma mudança por lei, ela só será implementada de forma efetiva na educação básica se tiver legitimidade entre os demais atores. – Se não houver diálogo prévio, a política já nasce praticamente fadada ao fracasso. Esse diálogo é importante até para antever futuros problemas em sua implementação. Nenhuma mudança, para que realmente chegue à sala de aula, consegue ser implementada apenas por força de um decreto. 

Há muitas pautas potencialmente polêmicas no programa de Bolsonaro, que podem acirrar os ânimos no setor educacional pelos próximos quatro anos. Há, porém, uma agenda que se sobrepõe (ou deveria se sobrepor) a qualquer partido. Nenhum país do mundo conseguiu avançar na educação sem uma política de valorização dos professores que garantisse uma carreira atrativa, sólida formação para os desafios que vão enfrentar em sala de aula, e condições mínimas de trabalho. Além desses fatores, nações com modelos bastante distintos – como Cingapura, Finlândia ou Canadá – têm também em comum o fato de trabalharem com altas expectativas de aprendizagem para todos, em escolas onde há relações de confiança, e uma cultura de profissionalismo e colaboração. São ações que despertam pouca paixão e têm menos visibilidade, mas que ajudariam a construir, no longo prazo, as bases para uma educação de qualidade para todos.

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