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Para especialistas, formação de professores e base curricular são pontos-chave para reverter maus resultados no Ideb

MEC divulgou índice nesta segunda-feira e Brasil não bateu metas dos anos finais do ensino fundamental e do médio
Ideb mostra cenário preocupante na educação brasileira Foto: Márcio Alves / Agência O Globo
Ideb mostra cenário preocupante na educação brasileira Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

RIO - O Ministério da Educação (MEC) divulgou nesta segunda-feira os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e mais uma vez o Brasil não teve o que comemorar. O país não conseguiu atingir a meta estabelecida pelo governo federal para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. A formação deficiente de professores e o modelo defasado das escolas podem estar no cerne do problema, segundo especialistas.

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Evolução do Brasil no Ideb
Ensino médio
Ideb
Meta
4,7
4,3
3,8
3,7
3,7
3,7
3,9
3,6
3,5
3,7
3,5
3,4
2007
2009
2011
2013
2015
2017
Ensino fundamental (anos finais)
Ideb
Meta
5,0
4,7
4,5
4,7
3,8
4,2
4,4
4,1
4,0
3,9
3,7
3,5
2007
2009
2011
2013
2015
2017
Ensino fundamental (anos iniciais)
5,8
Ideb
Meta
5,5
5,5
5,2
5,0
5,2
4,9
4,6
4,6
4,2
4,2
3,9
2007
2009
2011
2013
2015
2017
Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
Evolução do Brasil no Ideb
Ensino médio
Ideb
Meta
4,7
4,3
3,7
3,8
3,7
3,7
3,9
3,6
3,5
3,7
3,5
3,4
2007
2009
2011
2013
2015
2017
Ensino fundamental
(anos finais)
Ideb
Meta
4,7
5,0
4,5
4,7
4,2
4,4
4,1
4,0
3,8
3,9
3,7
3,5
2007
2009
2011
2013
2015
2017
Ensino fundamental
(anos iniciais)
5,8
Ideb
Meta
5,5
5,5
5,2
5,0
5,2
4,9
4,6
4,6
4,2
4,2
3,9
2007
2009
2011
2013
2015
2017
Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)

O Ideb é calculado a cada dois anos para os anos iniciais e finais do ensino fundamental e o ensino médio. Para compor o índice, O MEC leva em consideração as notas dos estudantes na prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados na semana passada , e os índices de fluxo, compilados pelo Censo Escolar.

Para o educador Mozart Neves Ramos, o desastre que começa nos anos finais e se arrasta até o ensino médio carrega em seu centro um problema de adequação dos alunos à estrutura da escola e uma formação de professores desconectada da prática de sala de aula.

— Não há clareza sobre quais os objetivos de aprendizagem, o que cada aluno tem que aprender ao longo dos anos finais do fundamental. O ponto de partida é a formação do professor. O grande problema é que a formação do Brasil é muito teórica, não dialoga com o chão de escola, principalmente nas escolas públicas, e essa situação se agrava no ensino médio. Vamos carregando o déficit de aprendizagem dos anos finais do fundamental, que se torna mais complexo com o aumento de número de disciplinas. A formação é péssima e temos uma inadequação: muitos professores não lecionam a disciplina na qual se formaram. Temos uma tempestade perfeita — destaca Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna.

Ele ainda argumenta que, nesse sentido, a garantia da Base Nacional Comum Curricular do ensino médio também é um ponto crucial para tentar mudar essa tendência.

— É preciso trabalhar muito em duas direções: na garantia da Base Nacional Comum Curricular e na regulamentação das diretrizes curriculares do ensino médio. Não dá para perder tantos jovens.
Parte do problema do ensino médio começa nos anos finais do fundamental, mas nessa estapa estamos com a Base aprovada. O próximo ministro tem que chamar as universidades para que possam responder ao que está posto, mudar radicalmente a maneira de formar e incentivar a parceria das instituições formadoras com o terceiro setor — defende.

ADEQUAÇÃO DA AULA AO PERFIL DO ALUNO

A capacidade de adequar a aula ao perfil dos alunos é uma das especificidades que, na opinião de especialistas, poderia causar transformações nos resultados. Mas, segundo Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, a defasagem na formação dificulta esse processo.

— Por mais que professores sejam dedicados e comprometidos ainda temos defasagem grande do ponto de vista da sua formação no que se refere à pratica pedagógica solicitada nessa fase, que é muito diferente do ensino fundamental. Temos professores especialistas em suas áreas, mas com repertório aquém do que é necessario às demandas contemporâneas de ensino e aprendiazagem. Eles dão a aula que sabem dar e não a aula que é necessária para cada sala. O professor precisa trazer para si a necessidade de modular o perfil de ensino ao perfil daquele aluno, aprender a adaptar sua aula — afirma.

Henriques corrobora que é preciso voltar a atenção para outros dois pontos: qualificar a gestão das redes de ensino e trazer uma referência sobre o que os estudantes devem aprender por meio da BNCC. Atualmente, o documento está no Conselho Nacional de Educação (CNE) para discussão em audiências públicas e formulação de uma nova versão. Apesar disso, a Base está cercada de polêmicas e pelo menos duas audiências públicas já foram implodidas por protestos.

—  É evidente que o CNE precisa de mais algumas rodadas para adensar a BNCC. Não faz sentido um movimento precipitado que não alinhe a base às demandas contemporâneas. O documento está muito heterogêneo e precisamos calibrá-lo. A BNCC precisa ter o foco na juventude e nas competências socioemocionais, mas, para isso, precisamos adensá-la. Será muito frustrante para o país se a base não tiver consistência para alinhar as expectativas de aprendizagem do jovem, ou se ficar forte em uma área e mais ou menos na outra. Se ela ficar no meio do caminho será difícil referenciá-la num patamar de mudança —  afirma Ricardo Henriques.

Já Patricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social, diz que vê na implementação da BNCC uma "janela de oportunidades":

— Estados e municípios vão revisar suas propostas curriculares e, nesse momento, as especificidades dos anos finais do fundamental devem ser contempladas. Nesta etapa, já há adolescentes e é preciso esse olhar diferenciado para eles. É uma etapa em que precisam exercitar suas escolhas, protagonismos e algumas aproximações com o que vão viver no ensino médio precisam ser trazidas — destaca ela, que chama atenção para exemplos que podem inspirar outros estados, como Ceará e Espírito Santo.

Patricia reforça que existe uma necessidade de investimento do governo federal em programas e políticas voltadas para os últimos anos do fundamental, que ela classifica como "uma etapa esquecida".

—  E os resultados do Ideb mais uma vez ilustram esse problema.

GESTÃO ESCOLAR PODE FAZER A DIFERENÇA

Como estratégia para avançar e atingir as metas, Patricia destaca que é preciso investimento maior na carreira do professor, a tornando mais atrativa, com plano de carreira e formação continuada que dê conta dos desafios da aprendizagem e de gerar motivação nos alunos Patricia destaca ainda o papel da equipe de gestão escolar para alavancar desempenho.

— No país, cerca de 75% dos municípios escolhem diretores de escolas apenas por critérios políticos. Para alavancar aprendizagem, precisa de gestores escolhidos com critério técnico. Sem boa gestão escolar para que os professores e profissionais atuem juntos, o aluno pode não ter os efeitos que precisa. Existem formas de prevenir a reprovação com boa coordenação pedagógica. Muitas vezes, a reprovação acontece no fim do ano, quando houve diversas oportunidades de reforço. A gestão escolar e a valorização do professor são estratégicas, assim como a construção de uma estratégia curricular que traga estímulos para esses adolescentes, com elementos inovadores no fundamental que tendemos a colocar apenas no ensino médio.

Colaborou Ana Paula Blower