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Pânico nas escolas: o que nos pôs no cenário de violência e merece atenção

Policiais em frente à escola Thomázia Montoro na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Policiais em frente à escola Thomázia Montoro na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo Imagem: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colaboração para o UOL

12/04/2023 14h30Atualizada em 14/04/2023 13h26

O número de ataques a escolas no Brasil aumentou significativamente desde 2019. Os mais recentes foram o ataque à escola Thomázia Montoro, em São Paulo, onde a professora Elisabeth Tenreiro, 71, foi morta a facadas por um aluno de 13 anos, e o ataque a uma creche em Blumenau (SC) que matou quatro crianças.

Segundo uma pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp, até 2018, foram oito registros de violência extrema em escolas.

Entre 2019 e 2023, o número subiu para 14.

Só em 2022 foram oito ataques em escolas nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Ceará e São Paulo.

Como entender esses números?

Cléo Garcia, especialista em Justiça Restaurativa e mestranda da Faculdade de Educação da Unicamp, é coordenadora de um estudo inédito realizado ao lado da professora Telma Vinha, do Grupo "Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública".

Ela afirma que a exposição de jovens aos discursos de ódio pode ser um dos fatores do aumento de casos.

É uma junção de fatores, não existe apenas uma causa. Mas possuem, sim, muitas características semelhantes: quando indivíduos em situação de desenvolvimento e vulneráveis, como os adolescentes, encontram-se em quaisquer tipos de sofrimento (baixa autoestima, sofrendo bullying, com histórico de problemas familiares, indícios de transtornos comportamentais, etc.), ao se depararem com ideais extremistas disseminados no mundo virtual, pode ocorrer a cooptação por parte de indivíduos engajados em disseminar e fomentar discursos de ódio contra grupos identitários, de gênero, racismo, misoginia.
Cléo Garcia

A psiquiatra Danielle Admoni, especializada em infância e adolescência, explica que os jovens são mais suscetíveis a aderir a discursos extremos.

Esses pensamentos extremistas são sedutores para quem está muito perdido. Os jovens não têm a maturidade emocional e até cerebral de um adulto para entender que é um absurdo, sem cabimento. Há também uma impulsividade muito grande na adolescência, principalmente nos meninos, que são mais físicos. Danielle Admoni.

Especialistas afirmaram à Deutsche Welle que escolas refletem dinâmicas de um país desigual e violento. Para eles, episódios recentes reforçam necessidade de repensar educação das novas gerações, com mais diálogo dentro e fora da sala de aula.

"A violência no Brasil ainda é colocada como solução de problemas", explica Daniel Fatori, psicólogo e pesquisador pós-doutorando na área de saúde mental no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Como exemplo, ele cita o discurso punitivista dominante nos debates sobre segurança pública, quando o fato de policiais matarem é percebido como algo positivo. "É uma visão que ainda permanece no Brasil, e que é muito problemática."

"Quando faltar razão você vai utilizar a violência? É isso que a gente tem feito", afirma o sociólogo Cezar Bueno de Lima, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Perfil semelhante

Pesquisa apontou que há um perfil predominante dos autores;

Eles são jovens, brancos e do sexo masculino;

Utilizam as redes sociais e revelam planos para os mais próximos — geralmente frequentadores de fóruns e jogos on-line também com distúrbios comportamentais;

Ao todo, 12 utilizaram arma de fogo, sendo que a metade deles conviviam com o armamento em casa;

Buscam vingança e reconhecimento pelo feito. "Uma valorização que geralmente não possui na vida real", segundo pesquisadora.

Só encontrávamos esse tipo de conteúdo agressivo, violento, na deep web, ou dark web - e hoje, são publicados em quaisquer redes sociais. São conteúdos assombrosos e estão abertos para qualquer criança ou adolescente que esteja utilizando essas plataformas que não possuem regulações nem responsabilidades sobre o conteúdo.
Cléo Garcia

Polarização e pandemia

A pesquisadora ainda alerta que a polarização no Brasil e a pandemia podem ter influência. Segundo dados da Secretaria da Educação de São Paulo, nos dois primeiros meses de aula de 2022, foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades estaduais — 48,5% a mais que no mesmo período de 2019, último ano em que os alunos frequentaram as aulas presenciais todos os dias.

Mesmo tendo as escolas como alvos, os ataques apresentam diferenças. Há ataques no qual a motivação está ligada principalmente à vingança e outros que estão conectados com a subcultura extremista, disseminada pela internet. No segundo caso, nem sempre os autores tiveram vivências negativas nas escolas.

Outros países

Apesar de no Brasil a frequência de ataques ser significativamente menor que nos Estados Unidos, onde só em 2022 foram 46 registros, o perfil dos autores é parecido.

A semelhança é bem significativa. Só que lá, o acesso às armas também é bem amplo e os adolescentes acabam comprando as armas em lojas.
Cléo Garcia

A Casa Branca criticou parlamentares republicanos por dificultarem a aprovação de uma lei contra armas que, segundo a porta-voz Karine Jean-Pierre, fecharia "brechas no sistema de verificação de antecedentes criminais" ou permitira "o armazenamento seguro de armas".

"Quantas crianças mais terão que ser assassinadas antes que os republicanos no Congresso se levantem e ajam para aprovar a proibição de armas de assalto?", disse Karine Jean-Pierre em um discurso.

O que o Brasil pode fazer?

Não existe uma solução simples para coibir ataques em escolas. Segundo a pesquisadora, é necessária uma atuação intersetorial.

Isso passa pela construção de políticas públicas que contemplem programas de prevenção que possam preparar vários setores de apoio a denúncias de suspeitas e ameaças, investimentos na preparação da comunidade escolar para uma convivência saudável, participativa, dialógica, protocolos de ações que atendam as vítimas diretas e indiretas desse tipo de tragédia com acompanhamento de saúde mental"

Diálogo e transparência. Paulo Carrano, professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse à Deutsche Welle que a solução passa por uma postura radical de diálogo e transparência nas regras de convivência, tanto no ambiente escolar quanto familiar. Segundo ele, a história da humanidade mostra que os jovens sempre irão, invariavelmente, buscar seu lugar no mundo, e que reagir a esses esforços com autoritarismo e imposição de disciplina na marra só irá afastá-los.

Também em entrevista à agência de notícias, a psicopedagoga especializada em educação parental Ge Gasparini observa que o sistema educacional brasileiro ainda é muito focado em competição, enquanto as características cognitivas individuais e o aspecto emocional ficam em segundo plano. Ao negligenciar as próprias emoções e necessidades em nome de entregar aquilo que outros esperam deles, afirma, esses jovens acabam deprimidos e ansiosos.

Gasparini defende uma abordagem pedagógica nas escolas que ajude esses jovens, desde a infância, a ter clareza sobre os próprios sentimentos e a lidar com eles de uma forma mais saudável. "Tem que mudar a forma de receber esses alunos, acolher, ouvir, entrosar."

Redes sociais como catalisadoras de problemas

O clima de competitividade, aponta Gasparini, é agravado pelas redes sociais, que corroem a autoestima dos jovens, principalmente daqueles que não têm uma rede de apoio no mundo real.

"O problema é a criança encontrar o único apoio fora de casa; aprender, ser aceita e acolhida apenas pelas redes sociais; ficar viciada em receber essa aprovação. Isso adoece qualquer pessoa", ressalta a psicopedagoga. "Será que é bom mesmo uma criança só ser aceita e só dizer as coisas que ela pensa na rede social, sem os pais saberem?".

O psiquiatra Rodrigo Bressan, do Instituto Ame Sua Mente, dedicado à promoção da saúde mental nas escolas, concorda. Ele compara a internet às ruas de uma cidade grande, e alerta para os riscos de deixar os filhos em ambientes virtuais sem nenhum tipo de supervisão, o que pode agravar quadros de tristeza, isolamento e ressentimento.

PF vai investigar grupos nazistas e neonazistas no Brasil

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a abertura de um inquérito da Polícia Federal para investigar organizações nazistas e neonazistas no Brasil, no âmbito de crimes como racismo e apologia ao nazismo.

Ele disse que há indícios de atuação interestadual de grupos extremistas de direita no país. O anúncio ocorreu após os dois ataques violentos em instituições de ensino nos últimos dias.

Um levantamento realizado pela da ONG Anti-Defamation League (ADL) em 2022 concluiu que o Brasil é o país onde mais cresce o número de grupos de extrema direita, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

*Com reportagem publicada em 04/04/2023 e informações da Deutsche Welle