André Santana

André Santana

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Pandemia e ataques na gestão Bolsonaro afastaram jovens das universidades

Os dados do Censo da Educação Superior 2022, divulgados nesta terça (10) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, trazem um quadro alarmante dos prejuízos causados pela pandemia de Covid aos estudantes do Brasil.

O período de distanciamento social, os trabalhos em home office, a crise financeira, os agravos à saúde física e mental e as perdas de amigos e familiares causaram uma mudança brusca na dinâmica e no interesse pelo ensino superior brasileiro.

Depois de quatro anos de um governo que atacou as universidades, com bloqueios e cortes de verbas e campanhas de difamação, inclusive com ministro da própria pasta da Educação acusando-as de promoverem balbúrdia e arruaça, sobram vagas nas instituições públicas e privadas.

Estudantes optaram pelo ensino à distância

De acordo com o Censo da Educação, enquanto 20% dos jovens do país, de 18 a 24 anos, não concluiu o ensino médio nem vai à escola, caiu o número de jovens interessados em entrar na universidade e mais de 72% dos que ingressaram em algum curso superior optaram por estudar à distância.

O número de novos alunos que escolheram fazer faculdade à distância cresceu 20% entre 2021 e 2022. Desde 2020, quando o Ensino à Distância ultrapassou o ensino presencial no quesito "ingressantes", a quantidade de cursos EAD no ensino superior triplicou.

Nas licenciaturas, cursos que têm a missão de formar os futuros docentes, o índice de Ensino à Distância em 2022 foi ainda maior que a média dos outros cursos, ficando em 93,2%.

Isso significa uma formação baseada em conteúdos gravados e não interativos ou em encontros realizados em plataformas digitais com capacidade para centenas de estudantes tendo acesso à aula simultaneamente, com um único docente mediador.

De modo virtual, os futuros professores não experimentam os desafios dialógicos apresentados pela sala de aula presencial, muito menos a diversidade de conhecimentos compartilhados em uma vivência universitária.

Esse crescimento acelerado do ensino remoto acendeu um alerta no Ministério da Educação sobre a qualidade da educação oferecida, especialmente em cursos como Enfermagem, Direito, Odontologia e Psicologia, que já tiveram a modalidade à distância suspensa por decisão do governo federal.

A justificativa apoiada na falta de condições econômicas para bancar um curso presencial, já que os valores das mensalidades no formato EAD são menores, não se sustenta totalmente. Afinal, há vagas sobrando nas universidades públicas, que são gratuitas.

Nem mesmo a graduação em Medicina, tradicionalmente tão concorrida, consegue preencher 100% das vagas oferecidas nas instituições de ensino. Tanto na rede pública quanto na privada, o índice de ocupação foi de cerca de 95% no último ano, de acordo com o Censo.

Docentes percebem esvaziamento dos campi universitários

Em média, considerando os cursos de todas as áreas, aproximadamente 80% das vagas nas universidades privadas ficaram ociosas em 2022. Entre as públicas, o índice foi de 30%.

Essas vagas não preenchidas, aliadas ao índice de desistência, já são suficientes para fazer perceber o esvaziamento de alguns campi causado pela pandemia e pela substituição pelo EAD.

Em junho deste ano, o professor de Finanças da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Pierre Lucena, que também é presidente do Porto Digital de Recife, utilizou as redes sociais para chamar atenção do esvaziamento inédito percebido na universidade, após décadas dedicadas à docência.

"Depois da pandemia a desmobilização da universidade, que era uma tendência, virou realidade muito rápido. E acho que as raízes são muito profundas", escreveu o professor Lucena, acompanhado de imagens registradas por ele dos corredores vazios da universidade na qual ministra aulas há 27 anos.


"Sempre ostentamos índices de abandono e retenção absurdamente altos (mais de 50%) e agora parece que tudo piorou de vez. E está na hora de reverter isto, sob pena de não recuperarmos mais a convivência universitária, que é o principal patrimônio de uma universidade", Pierre Lucena, professor da UFPE.

No texto intitulado "O fim do campus isolado: vai faltar aluno para tanta estrutura", assinado por Pierre Lucena e Silvio Meira, presidente do Conselho do Porto Digital e professor Emérito da UFPE, os docentes analisam as causas da migração para os cursos EAD e convocam a universidade a repensar o formato do ensino, para não perder a relevância no objetivo primordial de proporcionar um ambiente de aprendizado.

"A didática tradicional, embasada principalmente em aulas expositivas, unidirecionais, com um professor repetindo, muitas vezes muito mal, o que está nos livros, não parece mais sustentar o interesse dos estudantes. Nota-se um desejo crescente por um aprendizado mais prático, que engaje e prepare de forma mais direta para os desafios que os alunos sabem que têm na sua vida pós-universidade", Pierre Lucena e Sílvio Meira, professores da UFPE.

Educação na gestão Bolsonaro foi de mal a pior

O desastre da gestão de Jair Bolsonaro nas diversas áreas da administração do país teve na Educação um dos seus piores efeitos, refletidos agora nos dados do Censo da Educação.

O Ministério da Educação na era Bolsonaro chegou a ter cinco ministros diferentes, tendo um sido preso por denúncias de corrupção e tráfico de influência, outro que 'fugiu' do país para não responder à Justiça brasileira por ofensas racistas, xenofóbicas e ao STF (Supremo Tribunal Federal) e outro que ficou menos de cinco dias no cargo de ministro, após serem descobertas falsas informações contidas em seu currículo.

Além dos sucessivos cortes de investimentos, a pasta foi envolvida em denúncias de corrupção no repasse de verbas, de uso ideológico e religioso dos seus cargos e recursos financeiros e tornou-se um instrumento de ataques sistemáticos às práticas de ensino desenvolvidas nas universidades públicas.

Chegaram a criar uma aberração conhecida como "Escola Sem Partido", que pregava a demonização do espírito crítico e democrático da sala de aula.

Principal porta de acesso às universidades do país, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) atravessou uma série de crises na gestão Bolsonaro, como denúncias de interferência ideológica na produção das questões e de perseguição política contra servidores do Inep, órgão responsável pelas provas.

A má gestão do Governo na pandemia impactou consideravelmente a participação dos estudantes, sobretudo os mais pobres, no exame.

Em janeiro de 2021, quando o Brasil havia superado a marca de 200 mil mortos pela Covid e vivia uma terrível segunda onda de transmissão, com registros de reinfecção e de uma variante mutante do coronavírus, além do colapso nos hospitais e das incertezas sobre a vacinação, denunciamos aqui na coluna que Insistir na realização do Enem era parte da necropolitica bolsonarista.

Ações afirmativas tornaram as universidades mais inclusivas e diversas

Parece que agora, neste novo governo, a situação das universidades recebe outro tratamento e o reconhecimento do problema do esvaziamento e do excesso do Ensino à Distância já sensibilizou o Ministério da Educação a atitudes concretas.

O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou uma série de medidas para enfrentar os problemas evidenciados pelos números coletados pelo Censo da Educação Superior.

Entre as medidas estão a regulação da oferta de cursos EAD, com suspensão imediata em algumas áreas, melhorias na formação docente e promoção da eficiência da educação superior.

Sem contar o aumento do número de bolsas para pesquisadores e o reajuste no valor dos benefícios, no início deste ano, que incluiu a Iniciação Científica que atende aos estudantes de graduação e funciona como um estímulo para a permanência dos jovens no curso superior.

"Nos últimos anos, houve uma tentativa do governo federal de desconstruir o ensino superior no Brasil (...), com corte orçamentário nas universidades. Esse é o efeito."
Camilo Santana, ministro da Educação

Há um longo caminho para contornar os prejuízos dos últimos anos para as universidades brasileiras e é urgente um esforço coletivo para que essas instituições retornem à trajetória recente de aumento da sua relevância social após a ampliação da diversidade, da inclusão de grupos populacionais historicamente apartados e da valorização de saberes tradicionais antes ignorados.

Não podemos admitir esse afastamento dos jovens das universidades justamente quando essas instituições tiveram a oportunidade de se tornarem mais inclusivas e diversas, com a presença feminina, negra e indígena em suas salas de aula, nas referências epistemológicas e nas obras disponibilizadas em suas bibliotecas e centros de pesquisas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes