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Pandemia aprofunda diferenças no mercado de trabalho

Pandemia aprofunda diferenças no mercado de trabalho

Desde o início da pandemia, o problema velho, nacional, da desigualdade social se aprofundou muito, e o mercado de trabalho é um exemplo disso. Como a gente vê na reportagem do Davi Faria e da Renata Ribeiro.

Era abril de 2020 e o vírus já fazia vítimas no Brasil. Em São Paulo, com as medidas de contenção à pandemia, sumiram os carros, pedestres, executivos, comerciantes e clientes - e o dinheiro também deixou de circular como antes.

“É a era da desigualdade junto com a era da incerteza, uma combinação bastante problemática”, comentou Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

À medida que os compradores trocavam a prateleira do comércio pela do mercado eletrônico, o restaurante pelo delivery, o escritório pela casa, os recursos se concentravam ainda mais na mão de quem já era grande.

“É uma grande vantagem nesse momento você conseguir manter a sua posição, manter o seu nível de rendimentos; e, para conseguir isso, você tem que ter qualificação. Mas quem está embaixo não tem. Então isso faz com que a pandemia crie um aumento de desigualdade muito claro. Quando você atinge um nível muito alto de desigualdade, isso acaba sendo prejudicial ao crescimento econômico sustentável”, explicou André Salata, sociólogo e professor da Escola de Humanidades da PUC-RS.

Com os principais países impactados, especialistas do mundo todo se perguntam qual o desenho da recuperação - V, com queda e retomada igualmente rápidas? Em U, num retorno mais lento? Ou ainda em L, sem crescimento à vista?

Os dados indicam uma recuperação em K, que provoca desigualdade também entre os setores. Depois da queda, um crescimento vigoroso para os setores financeiro, de tecnologia, telecomunicações, imobiliário e parte do varejo. Em queda livre, lazer e hotelaria, viagens, alimentação, serviços domésticos e outros serviços.

Home office é luxo de poucos brasileiros. Para Marion, que aprendeu a ser bióloga a distância, a única coisa que falta é o contato com a natureza.

“Acabou mantendo mesmo o meu salário e todos os meus benefícios. Eu tenho uma filha de 15 anos, ela estuda, e acaba que eu até fiz algumas economias que eu não estava contando, como redução na matrícula na mensalidade e questão do transporte escolar que a gente acabou não mantendo por conta de toda essa situação”, contou Marion Bartolomeu e Silva, bióloga.

A pandemia deixou um cenário de crise, mas, para quem ocupa uma vaga no topo do mercado de trabalho, o vírus pode ter só mudado o jeito de trabalhar. Os dados mostram que foi mais fácil manter o emprego e a renda para quem tem currículo com nível superior. Imagine para cada cadeira, um profissional que aprendeu a fazer de casa o que fazia no escritório.

Na rua, à procura de emprego ou à espera de clientes, está a parte mais afetada do mercado de trabalho. Profissionais sem qualificação ou trabalhadores informais foram os primeiros a perder com a crise e ainda não veem sinais de recuperação.

“Essas pessoas que estão nos estratos mais baixos estão concentradas no setor informal. Ou seja, elas não têm proteção nenhuma. Então logo que bate a crise, elas sentem imediatamente os efeitos nos seus rendimentos. São pessoas que também tem um nível de qualificação muito mais baixo o que significa que elas são mais facilmente descartadas pelo mercado de trabalho”, explicou André Salata.

A partir da Pesquisa Nacional de Emprego e Renda, pesquisadores da PUC do Rio Grande do Sul compararam o impacto da pandemia nos polos opostos do mercado de trabalho nas regiões metropolitanas do Brasil.

Se o recorte for por qualificação, quanto maior o nível de escolaridade, menor foi a perda. A parcela de trabalhadores que têm até o Ensino Médio teve uma queda média de quase 30% na renda.

Já os mais graduados reduziram 14%.

O contraste entre formais e informais também é grande. Trabalhadores com carteira assinada perderam em média 8,6% da renda; sem carteira, mais de 25%.

“Mulheres negras, por exemplo, são as que mais estão no mercado informal, as que menos têm garantias trabalhistas e com a pandemia ficaram numa situação ainda mais vulnerável”, expôs Djamila Ribeiro, escritora e ativista.

São as primeiras a perder o emprego. Faz três meses que Maria Sandra foi cortada da produção da indústria de alimentos.

“No momento estou procurando serviço, mas está muito difícil, muito difícil mesmo. Você sai da sua casa, gastando condução cara, quando você chega no lugar, as pessoas pedem para ir para casa aguardar e nunca te ligam e é só conta para pagar, todo mês chega conta para pagar: água, luz, telefone”, lamentou Maria Sandra.

E a barraca de camelô ficou pequena para proteger os vendedores informais da crise.

“Primeiro a gente ficou quase quatro meses sem trabalhar e, quando a gente voltou a trabalhar, está nessa situação; 70% a menos do que antes, na média”, relatou Atelino Cruz, vendedor informal.

A queda da renda da população não mudou o gasto médio de R$ 400 no salão frequentado pela elite paulistana.

O dono é famoso pelo corte e tintura, mas está interessado em outro tipo de transformação: mudar o horizonte dos mais pobres. O projeto é formar 2 mil cabeleireiros nas comunidades do Brasil.

“Eu vejo que o que nós estamos dando o governo deveria dar: oportunidade. Eu quero transformar isso em saúde, dinheiro, fé, prosperidade e felicidade. Esse é o meu sonho. Eu vou mostrar para essas pessoas que, se eu cheguei, elas podem chegar mais do que cheguei ainda”, contou Wanderley Nunes, empresário e cabeleireiro.

A desigualdade não é um problema só para quem está na base da pirâmide.

“Uma sociedade onde os ricos que consomem menos têm sua renda protegida e até crescendo é uma sociedade mais estagnada. A vantagem quando você combate a pobreza de maneira eficaz é que não só você beneficia a família dos pobres através dessa redução de desigualdade, como também você beneficia a todos, porque você faz as rodas da economia girarem”, explicou Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

“Quando as famílias têm dinheiro, todo ecossistema vai prosperar, vai aumentar o consumo, aprodução. Então é importante a gente entender que a desigualdade é um dos grandes problemas do Brasil. Nós não somos um país pobre, nós somos um país extremamente desigual. Para a gente sair dessa crise tão profunda que a gente entrou por causa do coronavírus, a gente precisa falar dessa desigualdade, resolver essa desigualdade e avançar na linha do que o mundo todo está fazendo”, afirmou Gabriela Chaves, economista da NuFront.

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