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Por Jornal Nacional


Pandemia aprofunda desigualdade entre os brasileiros em relação à educação

Pandemia aprofunda desigualdade entre os brasileiros em relação à educação

A pandemia aprofundou ainda mais a desigualdade entre os brasileiros em relação à educação, como mostra a reportagem de Renata Ribeiro.

É da natureza dessa doença se espalhar, contaminar a cidade, o estado, o país.

Não é de 2020. Já faz bem mais tempo que esse vírus já é endêmico no Brasil; esse da desigualdade.

O sintoma dessa doença social é a paralisia - mais ricos de um lado, mais pobres do outro e é incrível a enorme capacidade de transmissão entre gerações.

“Vai prejudicar as oportunidades futuras das gerações que vão chegar no mercado de trabalho daqui a alguns anos. Então não é só a desigualdade desse momento que está crescendo em função da pandemia, mas ela também está afetando a distribuição de oportunidades da geração seguinte”, afirmou o sociólogo e professor de Humanidades da PUCRS, André Salata.

O diagnóstico pode estar nas crianças. Elas e os adolescentes sentiram o impacto de forma desigual.

“Repórter: Você lembra qual foi sua última nota de Português?

Breno: 10

Repórter: E Matemática?

Breno: 10

Repórter: Está preparado para o 6° ano?

Breno: Sim.

Repórter: Você sente que não perdeu muita coisa?

Breno: Não, não perdi matéria nem nada.”

Em 2020, a escola do Breno fechou, mas ele teve espaço para aprender.

“Eu já tinha, antes mesmo da pandemia, uma escrivaninha toda preparada. Então, é só instalar meu computador lá e eu conseguia estudar”, contou Breno Barranco, de 11 anos.

No universo das particulares, professores foram protagonistas.

“Tivemos que aprender a lidar com as câmeras e também nos aproximar os alunos, mesmo com a distância”, disse Sandra Lieven, professora de Matemática.

“Professores da casa, enfim, fazendo atendimentos individuais, chamando as famílias para conversa, e além de explorar todas as ferramentas tecnológicas que tínhamos disponíveis”, relatou Áurea Bazzi, coordenadora do Ensino Médio do Colégio Albert Sabin.

Era um cenário pronto para mudança. Um auditório todo preparado para transmissão de conhecimento ao vivo.

Todo o esforço dos professores e o investimento das escolas se justificaram porque tinha "plateia" para as aulas. Alunos com acesso à internet e um computador, tablet ou pelo menos um celular disponível em casa; recursos para a adaptação ao ensino remoto; isso fez com que o número de horas dedicado aos estudos na rede particular fosse bem maior do que na rede pública.

Nas escolas estaduais e municipais o grande desafio nesses meses de escolas fechadas era transmitir conteúdo à distância para alunos que às vezes não tinham nem espaço adequado para assistir às aulas de casa. Para muitos foi um ano perdido.

Nas comunidades da periferia de São Paulo, mal pega a internet. Para as crianças que vivem lá, o ano letivo passou longe.

Pedro não aprendeu quase nada. Ele não tinha como assistir às aulas fora da escola.

“Enquanto eu estava em casa, eu acompanhava pelo meu celular. Depois que eu comecei a trabalhar, tive que levar o celular. Se eu pudesse, ele faria o 3° ano novamente. Um ano que ele não conseguiu estudar”, contou Cláudia Aparecida do Amaral, auxiliar de cozinha.

A partir de dados do IBGE, a Fundação Getúlio Vargas avaliou o tempo dedicado ao estudo pelos alunos no primeiro ano de pandemia. E as conclusões não são boas: de 10 a 17 anos, os alunos estudaram pelo menos duas horas por dia, em média; acima de 18 anos, não chegou a uma hora. Então, quanto mais velho é o aluno, menos ele estudou.

Quando se compara a renda entre os estudantes, os mais ricos estudaram mais tempo do que a média. Já os mais pobres, não atingiram a média.

O estudo também mostrou desigualdades regionais. No mapa, quanto mais escura a cor, maior o tempo dedicado ao estudo. E isso mostra que os alunos da Região Norte foram os mais excluídos, enquanto os da Região Sudeste, Goiás, Distrito Federal, Piauí e Ceará tiveram mais tempo dedicado à escola.

“Os alunos das escolas privadas estão estudando 3 horas e 6 horas que não era o que deveriam, mas é mais de 1 hora do que os alunos pobres. É uma consequência bastante preocupante, porque com todos os pesares sociais, as mazelas que o Brasil já tinha e vinha piorando no período de crise pré-pandemia, uma coisa melhorava como um vento que soprava a favor que era a redução da desigualdade de educação, os pobres conseguiam fechar o gap educacional ao longo do tempo. Com a pandemia, isso foi revertido, o vento a favor começa a soprar contra. E o problema da educaçãio deixa marcas”, lamentou Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

“O Brasil é um país profundamente desigual e infelizmente o atual governo não tenho como uma meta reduzir a desigualdade; o atual governo não vê problema nisso tudo. Então, isso vai agravar mesmo a situação, vai agravar a pobreza, vai agravar a fome e vai deixar muitos jovens sem futuro.O Brasil está vivendo um extraordinário retrocesso”, alertou Renato Janine Ribeiro.

A vendedora ambulante só descobriu a importância da escola quando já era mãe. Foram muitas noites longe da filha, nas aulas do supletivo, para concluir o Ensino Médio. Ela vê a filha pequena repetindo a mesma história.

"Como eu tenho uma filha, sou sozinha, vou terminar os meus estudos para oferecer alho melhor para a minha filha", diz a vendedora ambulante Maiara Santana.

“No Brasil, a educação pública e particularmente a educação pública pré-universitária é a grande maneira que as pessoas mais pobres, menos favorecidas têm de conseguir uma melhor oportunidade na vida, conseguir um emprego melhor, conseguir ter uma renda melhor do que os seus pais, realizar seus sonhos e assim por diante. Um ano parado sem escolas é um dano muito maior do que se pensa”, disse Pérsio Arida, economista.

Os especialistas concordam: educação é a vacina para desigualdade.

“É um instrumento maravilhoso, porque ele permite que as pessoas saiam do seu cantinho confinado, do seu bairro, da sua família, da sua classe social e conheçam o vasto mundo que está diante delas”, afirmou Renato Janine Ribeiro.

No fim do ano passado, a diretora de uma escola estadual em São Paulo cansou de esperar pelos alunos que se perderam. Atrás deles, de casa em casa, aprendeu.

"Você tem familias e crianças morando em acomodações muito precárias. Nós tivemos caso de crianças que perderam a moradia, não tinha conta de luz paga, portanto ficaram sem nenhum acesso”, relatou Rosangela de Lima Iarchel.

Mas a história não acabou.

“Nós estabelecemos um plano com os voluntários. Eu tive dentista, veterinário, arquiteta, advogado, gente de coração muito bom que achou que podia dividir esse pouquinho, mesmo não tendo crianças matriculadas aqui. Isso foi muito importante; as crianças vinham para a escola, vinham de uniforme. Quando eu os via chegar com uniforme da escola para assistir 2 horas de aula com voluntários, isso foi muito... me deixava muito emocionada. E dure o tempo que durar nós vamos vencer”, contou Rosangela.

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