Por Bárbara Muniz Vieira, Renata Bitar, g1 SP — São Paulo


Foto de arquivo mostra estudantes em aula na Escola Municipal de Ensino Fundamental Garcia D'Ávila, no bairro da Casa Verde, zona norte da capital paulista — Foto: Ed Viggiani/Estadão Conteúdo

Mais de 90% dos alunos do 9º ano da rede municipal de ensino da capital paulista foram avaliados com nível de aprendizado abaixo do adequado em disciplinas do currículo básico em 2021, segundo ano letivo afetado pela pandemia de Covid-19.

Os resultados da Prova São Paulo, usada para avaliar o aprendizado dos alunos, foram divulgados na segunda-feira (14). A prova é composta por quatro avaliações: língua portuguesa, matemática, ciências naturais, ciências humanas e produção de texto.

Questionada sobre quais conhecimentos teriam sido avaliados na última edição da Prova SP, a SME informou inicialmente que todas as disciplinas haviam sido cobradas. Ao ser questionada pelo g1 sobre os dados obtidos na avaliação em ciências humanas e produção de texto, a secretaria não os forneceu.

A avaliação mostrou que 94% dos alunos do 9º ano têm conhecimentos abaixo do adequado tanto em matemática quanto em ciências naturais e 90% estão abaixo do adequado em língua portuguesa.

A Secretaria Municipal de Educação dividiu a classificação de conhecimento dos alunos nas três disciplinas em: avançado, adequado, básico e abaixo do básico. O objetivo era avaliar o déficit de aprendizado dos estudantes durante a pandemia nos últimos anos dos ciclos.

A pasta considera como abaixo do adequado a soma do número de estudantes que foram classificados com conhecimentos básicos e abaixo do básico.

O resultado demonstrou que houve uma piora expressiva no conhecimento dos estudantes em relação aos resultados da Prova SP de 2019. Mais da metade dos alunos da rede municipal do 6º e 9º anos foram classificados com conhecimentos “abaixo do básico” em todas as áreas do conhecimento.

Prova SP: alunos do 9º ano da rede municipal de São Paulo vão para o Ensino Médio sem ter conteúdo básico — Foto: Juan Silva/Arte g1

No 6º ano, último ano do Ciclo Interdisciplinar, os indicativos foram iguais em ciências naturais e em matemática: 85% dos alunos foram classificados com conhecimento abaixo do adequado. Em 2019 eram 77% abaixo do adequado em ciências e 78% em matemática.

Já em língua portuguesa, 57% dos alunos sabiam abaixo do adequado em 2019. Em 2021, foram 74%, uma alta de 17 pontos percentuais.

No 9º ano, último ano do Ciclo Autoral, a piora foi maior dentre os estudantes que sabem abaixo do básico em língua portuguesa: passou de 25% em 2019 para 52% em 2021, ou seja, mais do que dobrou.

Em ciências naturais a alta foi de 20 pontos percentuais dentre os que têm conhecimentos abaixo do básico. Passou de 43% em 2019 para 63% em 2021. Já em matemática, passou de 36% em 2019 para 56% em 2021, alta de 20 pontos percentuais também.

Prova SP: alunos do 6º ano da rede municipal de São Paulo têm piora no ensino durante a pandemia — Foto: Juan Silva/Arte g1

Os resultados surpreenderam o professor de políticas educacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do grupo Rede Escola Pública e Universidade (Repu), Fernando Cássio.

“Tanto o 6º quanto o 9º anos são etapas finais de ciclos e por isso definidoras do que vai acontecer depois no futuro dessas crianças e jovens. O quadro é gravíssimo. Nós, pesquisadores, já imaginávamos que haveria déficit de aprendizagem durante a pandemia, mas eu não imaginava que seria tão ruim. Essas avaliações têm limitações, mas são maneiras de mensurar.”

Para o pesquisador, comparados aos resultados da Prova SP de 2019, os números mostram que além de não ter havido progresso dos alunos, houve piora nos conhecimentos que já haviam sido adquiridos.

“Estamos diante de um impacto brutal da pandemia. Além dos alunos não terem progredido, houve descolarização especialmente nas situações que as redes não atenderam adequadamente. Compreendendo as limitações do ensino à distância, é fundamental manter minimamente as crianças em contato com as escolas e em movimento de aprendizagem, mas isso não aconteceu”, afirma.

Questionada sobre os possíveis fatores que teriam levado aos resultados da última edição da Prova SP, a Secretaria Municipal da Educação citou a pandemia e disse que a gestão municipal tomou diversas ações ao longo do período na tentativa de amenizar o impacto na educação, como a distribuição de cartões-alimentação, entrega de tablets e chips para conectividade e de material impresso.

Como forma de recuperação dos estudantes, a Prefeitura vai oferecer aulas no contra-turno para 45% dos estudantes (saiba mais abaixo). Para Fernando Cássio, no entanto, o problema maior são os alunos do 9º ano, que vão direto para o ensino médio, que é majoritariamente de responsabilidade do governo estadual.

"Esse contingente de alunos sem saber o básico e precisando de apoio vai chegar às escolas estaduais e sabemos como elas estão: faltam vagas, são precárias na estrutura, e ainda há a confusão com o novo ensino médio. É necessário ter uma articulação entre as redes nessa transição pensando nesses dados alarmantes. Se não houver uma política séria para esses alunos, eles vão continuar assim", afirma.

Alunos da rede estadual da capital paulista fazendo prova diagnóstica — Foto: Sandra Tonon/Divulgação

Um dos complicadores da situação dos alunos do 9º ano é que a capital paulista é um dos 13 municípios do estado que não aderiram ao currículo da secretaria estadual, ou seja, não há uma continuidade direta do trabalho com o estudante, apesar de a base nacional curricular ser comum.

"Não vou dizer que é geração perdida porque essa é uma colocação infeliz de quem não aposta na escola e muitas pessoas ainda não desistiram de fazer uma boa escola pública. Os estudantes desejam aprender, as famílias desejam que eles aprendam, as pessoas sabem o valor do conhecimento", afirma Fernando.

"Eu conheço estudantes do ensino médio que queriam repetir de ano para poder aprender o que não tinha aprendido por causa da pandemia e da precariedade do ensino remoto. Uma pessoa assim deseja muito aprender o que a escola tem a oferecer, mas isso não vai acontecer só com a boa vontade individual. Claro que todo mundo tem de estar engajado, mas tem de ter política pública com condições, como profissionais bem preparados e estrutura na escola."

A Secretaria Estadual da Educação (Seduc), responsável por receber os alunos do 9º ano no ensino médio nas escolas estaduais, afirmou que nas duas primeiras semanas de aula foram aplicadas provas diagnósticas para mapear os alunos com dificuldades em cada área do conhecimento.

Além dessa avaliação diagnóstica, a Seduc afirmou que os alunos serão acompanhados durante o ano letivo e, se detectada a necessidade, poderão participar ao longo da trajetória escolar de um programa de recuperação intensiva da rede estadual.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME), a rede municipal de ensino tem 49 mil alunos no 6º ano. Desses, 38 mil realizaram a prova, número que corresponde a 77% do total esperado.

Já no 9º ano são 47 mil alunos no total. Desses, 32 mil realizaram a prova, representando 67% do total esperado. No total, a rede municipal tem 380 mil alunos nos 6º, 7º, 8º e 9º anos.

Língua Portuguesa

Conforme demonstrado nos gráficos, a disciplina que teve a piora mais significativa na avaliação foi língua portuguesa, que mais do que dobrou o número de estudantes com conhecimentos abaixo do básico.

No 6º ano, o percentual de alunos que tinham conhecimentos avançados na área caiu de 9% em 2019 para 3% em 2021, enquanto o percentual dos alunos com conhecimentos abaixo do básico saltou de 19% para 35%.

Já no 9º ano, apenas 1% dos alunos têm conhecimentos avançados na disciplina (em 2019 eram 3%) e 52% sabem abaixo do básico (eram 25% em 2019).

A prova de língua portuguesa avalia o domínio dos alunos de ler e compreender diferentes tipos de texto e a capacidade do aluno de estabelecer uma posição crítica sobre eles. Trata-se de uma ferramenta de compreensão do mundo e de posicionamento crítico em relação a ele.

“São coisas básicas, habilidades de leitura e escrita importantíssimas. Não estão no núcleo central da alfabetização, mas estão nessa ‘alfabetização da leitura’ de diferenciar fato de opinião, por exemplo”, opina Fernando.

A prova do 6º ano avalia as competências desenvolvidas pelos alunos durante o chamado Ciclo Interdisciplinar, que inclui o conteúdo do 4º, 5º e 6º anos. Dentre as competências que teriam de ser desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa e foram avaliadas, estão:

  • Identificar a ideia central do texto e reconhecer diferentes gêneros textuais;
  • Reconhecer a presença de relações de intertextualidade e de interdiscursividade nos textos;
  • Identificar o uso de recursos discursivos, como humor, ironia, crítica e outros, na construção de sentidos e efeitos;
  • Produzir um texto escrito a partir de gêneros da ordem do narrar.

Já a prova do 9º ano avalia as competências desenvolvidas pelos alunos durante o chamado Ciclo Autoral, que inclui o conteúdo do 7º. 8º e 9º anos. Dentre as competências que teriam de ser desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa e foram avaliadas, estão:

  • Recuperar o contexto de produção do texto e reconhecer características possíveis do seu conteúdo, valores que veicula e posições que assume no processo de convencimento do interlocutor;
  • Identificar materiais publicitários que tratam das relações de consumo, valores neles veiculados e pontos de vista apresentados;
  • Identificar os efeitos de sentido decorrentes do uso de diferentes tipos de sujeito em textos;
  • Produzir um texto escrito a partir de gêneros da ordem do argumentar.

Para Fernando, as habilidades que os alunos deixaram de desenvolver listadas acima são importantíssimas.

“São construção de habilidades leitoras e construtoras para dar autonomia ao indivíduo. É muito importante. A solidez de uma formação escolar depende diretamente disso daí e estamos observando os piores resultados e diferenças”, afirma.

A Prefeitura de São Paulo afirma que os estudantes com mais dificuldades diagnosticadas nas avaliações externas e internas, vulnerabilidade social, baixa ou sem frequência escolar em 2021, poderão ser encaminhados para a recuperação paralela pela equipe escolar no conselho de classe, ao final de cada semestre letivo. Haverá um trabalho específico para cada um dos Ciclos.

A estimativa é de que em torno de 45% dos estudantes dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral, que fizeram a Prova São Paulo, sejam atendidos nessas atividades no contraturno.

No Ciclo Interdisciplinar, do 4º ao 6º ano do ensino fundamental, os estudantes serão atendidos em 4h aulas semanais pelo Projeto de Apoio Pedagógico (PAP) nos componentes de Língua Portuguesa e Matemática. Também poderá ser ofertado a este ciclo, a recuperação em Língua Portuguesa, caso haja na Unidade Escolar estudantes que não se apropriaram da base alfabética de escrita.

Os estudantes do Ciclo Autoral, matriculados do 7º ao 9º ano, serão atendidos em 10h semanais, sendo 2h/aula por dia, nos componentes curriculares de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais e Ciências Humanas como extensão de jornada aos estudantes.

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