Por Júlia Montenegro e Pedro Lins, G1 PE e TV Globo


Alunos enfrentam falta de recursos tecnológicos e desafios de saúde emocional na pandemia

Alunos enfrentam falta de recursos tecnológicos e desafios de saúde emocional na pandemia

Os desafios socioeconômicos ligados, principalmente, à desigualdade de oportunidades de aprendizagem e de acesso ao ambiente escolar são as principais barreiras encontradas na educação atual brasileira. A pandemia do novo coronavírus pegou o mundo inteiro de surpresa, acentuou essa problemática e impôs desafios ainda mais urgentes (veja vídeo acima).

As dificuldades de estudantes e profissionais da educação durante a quarentena têm sido incontáveis. Além da falta de recursos tecnológicos e da ausência de estrutura para continuidade das aulas, muitos alunos enfrentam, também, problemas de saúde emocional.

Até a sexta-feira (6), o G1 e a TV Globo mostram, em reportagens, os desafios e o futuro da educação no contexto de pandemia.

Rua onde Rosângela Mercês mora não é calçada; o sinal de internet não funciona bem — Foto: Reprodução/TV Globo

Rosângela Mercês, de 31 anos, já estava desempregada quando as escolas foram fechadas em março de 2020 para conter a disseminação do novo coronavírus. Ela mora com o marido e os quatro filhos no Sítio Belenga, na zona rural de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife. A rua onde mora não é calçada, não tem sinalização e o sinal da internet não funciona bem.

Uma combinação de problemas fez com que Rosângela passasse sufoco para ter internet em casa. “Lugar de difícil acesso. Primeiro, tivemos que limpar o caminho, abrir a estrada, não tinha caixa por perto. Na época, cobraram R$ 350 para colocar internet. Mas aí eu fiz tudo e coloquei. Depois, foi outro aprendizado: lidar com a internet que eu não sabia", diz.

Rosângela Mercês e os quatro filhos revezam os estudos com apenas um celular, que já é antigo — Foto: Reprodução/TV Globo

Sem uma renda para comprar smartphone ou computador, ela e os quatro filhos - Alexandra, de 5 anos, Jakson, de 7 anos, Júlia, de 10 anos, e Maria Eduarda, de 12 anos - precisam estudar e se revezam com apenas um aparelho eletrônico: o celular, que já é antigo e não tem sido o bastante para dar conta das aulas.

“A gente tem que revezar o horário: dois pela manhã e dois pela tarde. Eu também estudo à noite. E eu uso (o aparelho) à noite. Não saio com o celular porque ele tem que estar em casa. É um aparelho só para todo o mundo”, conta Rosângela.

Quarto das duas filhas mais velhas de Rosângela Mercês virou a sala de aula — Foto: Reprodução/TV Globo

Mesmo assim, Rosângela afirma fazer o que pode para garantir a educação dos filhos. Ela adaptou o lar e a rotina. O quarto das duas filhas mais velhas virou a sala de aula. E a sala virou o espaço de estudo dos dois filhos mais novos.

“Pela manhã, o link de Júlia chega primeiro e ela começa a estudar. Antes de ela sair da aula, ela escreve no chat avisando à professora que vai sair porque o link da irmã chegou. Aí Júlia não assiste a aula completa, mas tem que sair porque Maria Eduarda precisa entrar na aula”, revela.

Sala da casa de Rosângela Mercês virou o espaço de estudo dos dois filhos mais novos — Foto: Reprodução/TV Globo

À tarde, o celular é dividido entre os dois filhos mais novos, que estudam na sala da casa. A pequena Alexandra ainda nem sabe o que é aula presencial. “É o primeiro ano escolar dela e já foi na pandemia. Então, ela não sabe, nunca foi à escola. Para ela, foi mais rápido se adaptar do que para os irmãos", conta.

O ensino remoto escancara a desigualdade e as dificuldades enfrentadas pela família. Para a filha mais velha de Rosângela, algumas dúvidas o professor não consegue esclarecer por conta de dificuldade na internet.

“Algumas dúvidas que a gente tem o professor não tira 100%. Às vezes, ele não escuta tudo. Outras vezes, ele não entende o que a gente falou por causa da internet que fica caindo. E não dá para entender quase nada", diz Maria Eduarda.

Um celular para cinco pessoas. Essa é a realidade de Rosângela. Não dá para assistir a aula toda, mas a mãe não abre mão do estudo dos filhos. “Eu penso que eles vão estudar, se formar, fazer faculdade, arrumar um emprego bom. Um futuro bem diferente do meu. Mas, em primeiro lugar, é o estudo, que é tudo. E eu sempre digo isso para eles”, diz Rosângela.

Emocional

Para quem sabe bem o que é aula presencial, estudar no celular ou no computador, em casa, dificultou. A educação foi uma das áreas mais atingidas pela pandemia. A migração do ensino presencial para o remoto, o estresse causado pelo medo da doença e o possível não aproveitamento do conteúdo pedagógico influenciaram, negativamente, na saúde mental dos educandos.

Estudante Deyvison Victor Bezerra, de 15 anos, disse que teve a saúde mental impactada durante pandemia — Foto: Reprodução/TV Globo

Na Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Mariano Teixeira, no bairro de Areias, na Zona Oeste do Recife, os alunos contam as dificuldades que enfrentaram durante os primeiros meses de pandemia.

O estudante Deyvison Victor Bezerra, de 15 anos, que é aluno do 1º ano do Ensino Médio, disse que teve a saúde mental impactada.

“Eu não conseguia compreender tantas aulas e nem a mim mesmo. O que me ajudou, realmente, foram os hobbies e os passatempos que acabei desenvolvendo. Consegui começar a escrever um livro e, também, poemas”, revela.

Lucas Barbosa da Silva, de 17 anos, cursa o 3º ano do Ensino Médio no Erem Mariano Teixeira. Para ele, o início das aulas remotas foi uma sequência de transtornos.

“Tive muita dificuldade para acessar as aulas, falar com os professores. Depois disso, acabei perdendo o celular por conta de um defeito e fiquei de dois a três meses sem acesso às aulas”, declara.

A estudante Taissa Moniki, de 16 anos, precisou se revezar entre as aulas e afazeres domésticos. “Até pouco tempo, eu cuidava da minha avó e cuido da minha irmã pequena. Minha mãe precisa sair para trabalhar e eu tenho que me dividir entre fazer as tarefas de casa, as tarefas da escola e cuidar”, diz Taissa Moniki, aluna do 2º ano do Ensino Médio.

Educação durante a pandemia passou pelos processos de adaptação e inovação — Foto: Reprodução/TV Globo

A educação durante a pandemia passou pelos processos de adaptação e inovação. Até os estudantes pegarem o ritmo foi difícil. Para a aluna Maria Eduarda Santos, focar na aula foi uma das tarefas mais desafiadoras.

“Focar no celular ou no computador, com várias coisas ao redor para tirar a atenção, foi bem difícil. E manter o foco é ainda mais difícil porque, claramente, um aluno vai preferir ficar na televisão do que assistir aula”, disse.

Mas com o ensino híbrido - aula remota e presencial - os estudantes passaram a ter a sensação de retomada. Para a aluna Joanna Emilly, os professores e a escola também precisaram se readaptar.

“Eu não tenho computador. Ano passado foi bem difícil. Este ano já está bem melhor, as coisas estão voltando na escola também. Hoje, são mais ferramentas oferecidas pela escola, mais aplicativos que a escola oferece para a gente assistir aula”, conta.

Professores

A professora de inglês Klaudyilene Rodrigues explicou como foi a mudança para os docentes. “Na minha disciplina, a gente dá aula remota. A gente usa a plataforma do Google Sala de Aula. Aqui é feito por disciplina. Então, os alunos têm a disciplina de inglês e aí a gente posta o material".

Para o gerente geral de Educação de Pernambuco, George Bento, as famílias que tomam a decisão se os alunos voltam ou não às aulas. “O professor divide, uma parte, em presencial e a outra em remota. No caso dos estudantes, eles podem ficar à vontade para escolher se eles querem voltar pra escola completamente e vão ter parte presencial e parte online ou se querem ficar totalmente remota. As famílias que tomam essa decisão”, diz.

Para resolver o problema de quem não tem internet, a solução foi exibir as aulas pela televisão — Foto: Reprodução/TV Globo

Para resolver o problema de quem não tem internet, a solução foi exibir as aulas pela televisão, no canal da TV Pernambuco. São três estúdios e, também, outro desafio para os professores. O professor de física Alexandre Nogueira é docente há 39 anos e também enfrentou transtornos para se adaptar.

“Eu sou acostumado na sala de aula. Na sala, você tinha o aluno. No estúdio, o tempo é outro, a linguagem é outra, a motivação é outra. Então, a gente teve que se readaptar”, diz.

Mesmo com todas as dificuldades, o sonho da estudante Ana Cibele Fernandes, de 15 anos, que é estudante do 1º ano do Ensino Médio, é concluir os estudos e ser exemplo para outros jovens. Ela quer ter a foto no quadro de concluintes da escola.

Ana Cibele Fernandes, de 15 anos, sonha concluir os estudos e ser exemplo para outros jovens — Foto: Reprodução/TV Globo

“Sempre quis isso. Pra motivar as pessoas e quando alunos novos vierem aqui vão ver quantas pessoas conseguiram conquistar o sonho de terminar os estudos. A educação pode me levar a muitos lugares", diz Ana Cibele.

E é esse sonho de Cibele que Rosângela, mãe de quatro crianças, quer ver os filhos realizar. Ela reconhece que não é fácil, mas não desiste porque é um exemplo de quem sempre acreditou na educação, de quem tem certeza que, com educação, é possível desenvolver força e coragem para transformar a realidade que vive.

“Primeiro, vem o estudo. Depois, a gente vai pensar em outras coisas, se divertir, brincar, mas se vocês estudarem vai valer a pena. Escutem o que a mãe tá falando”, diz Rosangela.

Vídeos mais vistos de PE nos últimos 7 dias

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!