Rio Bairros Zona Sul

Pais de classe média optam por colocar seus filhos em escolas públicas

Qualidade do ensino e contato com a diversidade são alguns dos motivos

Beatriz tem aulas de ioga na Escola Municipal Albert Schweitzer
Foto: Júlia Amin
Beatriz tem aulas de ioga na Escola Municipal Albert Schweitzer Foto: Júlia Amin

RIO — Com uniforme da rede municipal, Beatriz, de 5 anos, entra no carro e diz: “Na minha escola tem ioga, eu aprendi a fazer a posição da borboleta, do Homem Aranha e da flor de lótus”. A mãe, a jornalista Flávia Perez, optou por colocar seus dois filhos em escolas públicas desde que se mudou de Jacarepaguá para o Flamengo, no fim de 2016. Desde o início do ano, Bia estuda na Escola Municipal Albert Schweitzer, e Leonardo, de 12 anos, na José de Alencar, ambas em Laranjeiras — ela tem outra filha de 19 anos. A escolha de Flávia reflete uma prática que vem sendo cada vez mais adotada pela classe média. Com os altos preços das mensalidades dos colégios particulares, famílias procuram unidades da rede pública que oferecem um ensino crítico e convivência com diversidade social e cultural.

— Fiquei encantada quando descobri que tinha ioga. A direção preza pela interação da criança com a família no ambiente escolar. Estudar em escola pública é uma mudança de paradigma, uma oportunidade de conviver com outras realidades sociais. E, estando sempre presente, participando dos processos, é uma forma de eu contribuir para a melhoria do ensino — explica Flávia, que acredita que o acompanhamento dos pais é fundamental para que a criança tenha bom desempenho.

Com o dinheiro economizado, Flávia investe em atividades extras, como futebol e judô, e em viagens com a família. Referência no ensino, o Colégio Pedro II, no Humaitá, também tem casos semelhantes. Os dois filhos da arquiteta Ana Luisa Peretti Guimarães e do professor de judô Felipe Rosa Guimarães foram sorteados e estão desde o primeiro ano na escola — Pedro tem 13 anos e Carolina, 9. Durante a greve de 2016, Ana e Felipe pensaram em tirar as crianças, mas chegaram à conclusão de que não havia opções viáveis de ensino de ponta, que unissem aprendizado e diversidade, algo que acreditam que é oferecido no Pedro II.


A jornalista Flavia Perez com Beatriz e Leonardo
Foto: Júlia Amin
A jornalista Flavia Perez com Beatriz e Leonardo Foto: Júlia Amin

— Brincamos que o colégio não é para qualquer família. Somos autônomos e conseguimos driblar esses percalços, mas se trabalhássemos todo dia em uma empresa seria mais complicado. Conviver com a diversidade foi um ponto que nos fez procurar a escola, mas já vejo na turma da Carolina uma classe média mais alta. A do Pedro é mais misturada — comenta Ana.

Mãe de Guilherme, de 9 anos, que também estuda no Pedro II, Renata Nichols Loureiro afirma que conseguir uma vaga para o filho foi como ganhar na loteria.

— Na ponta do lápis, eu investiria um R$ 1 milhão na educação do meu filho ao longo dos anos. Além do Pedro II, ele foi sorteado para a Escola de Música Vila-Lobos, que também é pública. São dois colégios de referência que estão disponíveis para todo mundo. Fico aliviada, já basta bancar a saúde, que é caríssima — diz ela.

A educadora, escritora e doutora em Educação pela PUC-Rio Andrea Ramal comenta que a participação das famílias de classe média contribui para “contagiar positivamente” o ambiente escolar. Para ela, é uma forma de exigir qualidade da escola pública e mostrar que os outros pais também podem interagir e demandar mais do corpo docente. Andrea elogia, ainda, o comprometimento dos professores. Segundo ela, muitos dos que lecionam na rede pública escolhem estar lá para formar pessoas capazes de mudar de vida. Ela ressalta, entretanto, que ainda há muita disparidade no ensino, e que muitos colégios sofrem com falta de políticas públicas.

— A escola municipal tem vantagem porque lida com o ensino fundamental, e nos cinco primeiros anos o aluno só tem um professor. Já no ensino médio é mais complexo. Nem todos os professores são formados na disciplina que lecionam. É o grande gargalo da educação brasileira. O estado precisaria de uma gestão melhor para mudar esse cenário. A diferença em geral, pelo que eu conheço, se faz pelo trabalho dos professores e do diretor. Há escolas em que o diretor liga para a casa dos pais para perguntar o porquê de o aluno ter faltado. Isso faz diferença — diz.

Como matricular

A arquiteta Ana Paula Vilhena e o engenheiro Natan Luz optaram por colocar Mariana, de 3 anos, no Espaço de Desenvolvimento Infantil Claudio Cavalcanti, em Botafogo. Ana faz parte do Conselho Escola Comunidade, que conta com outros dois pais, uma diretora, dois professores e dois funcionários, para discutir assuntos gerais. Para ela, o ponto alto é a preocupação da equipe com o bem-estar dos pequenos. Ela elogia, ainda, a forma inclusiva com que a escola trata as crianças, disponibilizando cuidadores para as que têm necessidades especias.

—Senti muito preconceito quando falei que minha filha estudaria em escola pública. A particular onde ela estava era cara e não dava a atenção que vejo aqui. Sou apaixonada por esse lugar, e não sentia isso na outra escola. As crianças são incentivadas a respeitar as diferenças, dividir os brinquedos e conversar entre elas — conta Ana.


Ana Paula Vilhena e Mariana no EDI Claudio Cavalcant
Ana Paula Vilhena e Mariana no EDI Claudio Cavalcant

Ex-diretora do Ciep Glauber Rocha, na Pavuna, escola localizada em área abaixo da linha da pobreza que já foi campeã no Ideb, Ioliris Paes confirma que a relação próxima com a família dos alunos é a chave para o sucesso. Ela fazia questão de agregar os parentes às atividades do colégio, numa forma de levar mais equilíbrio emocional e prazer para os alunos e para todos os envolvidos. Ioliris ficou no cargo por 18 anos, mas atuou na área por 28.

— A própria criança se sente mais encorajada quando a família acompanha e participa, porque o colégio a passa a ser continuidade da vida dela. A minha escola era em tempo integral, por isso era o lugar onde passava mais tempo. Agregar à família a esse trabalho era de suma importância. Mas não adianta você ter ilhas de excelência. Para que toda a sociedade mude, precisamos de uma educação igualitária para todos — afirma Ioliris.

O período de matrícula para a rede estadual começa quarta-feira e vai até 4 de dezembro (<matriculafacil.rj.gov.br>). No site há informações sobre prazos, escolas com vagas disponíveis, idade para se inscrever em cada série ofertada e como e quando confirmar a matrícula na escola. O resultado da alocação será divulgado dia 21 de dezembro. Este ano, haverá mais 61 escolas em tempo integral, com ensino médio profissionalizante de técnico de administração com ênfase em empreendedorismo.

O campus Humaitá do Colégio Pedro II tem 70 vagas para o 1º ano do ensino fundamental e 20 vagas para alunos do 2º ano do ensino fundamental. As matrículas estão abertas até 25 de novembro pelo site <cp2.g12.br>. A inscrição custa R$ 40, e os sorteios serão realizados dia 17 de dezembro. O processo de seleção para alunos do 6º ano do ensino fundamental e da 1ª série do ensino médio já foi encerrado.

A rede municipal deve abrir as matrículas na próxima semana, mas não informou o dia nem o procedimento.

SIGA O GLOBO-BAIRROS NO TWITTER ( OGlobo_Bairros )