Pai(í)s antirracistas

'Precisamos trazer assuntos tabus para dentro de casa, com linguagem adequada à idade das crianças'


O país acordou, nesta semana, com o seu oitavo atentado violento em escolas. Não devemos naturalizar este tipo de situação, cercada por múltiplas camadas de reprodução do racismo e de outras violências, que desencadeou na morte de uma professora. Mas, para além das situações trágicas e letais que nos chocam, precisamos estar atentos ao dia a dia. Crianças não são blindadas da realidade e aprendem a reproduzir o nosso racismo e todos os vieses e possíveis violências. Sou mãe de dois (o segundo ainda em gestação) e na jornada de eterna aprendiz da maternidade, vejo-me também na construção do meu próprio fortalecimento como uma mãe antirracista.

Este, ao meu ver, precisa ser um papel ativo. Tampouco significa que os filhos estejam blindados de reproduzir o machismo e o racismo estruturais, assim como os outros “ismos”. Vai para além do bem ou do mal e dos valores que possamos compartilhar, uma vez que crianças (e adultos também) são inundados com referências maiores do que nossas próprias vontades. Desde o reforço do que é brincadeira de menino ou menina, quem é bom e quem é ruim e merece a morte ao fato de verem pessoas negras e indígenas em situações de vulnerabilidade e já introjetarem este como o lugar destas pessoas na sociedade.

Mais do que confiar num bom senso coletivo, precisamos trazer assuntos tabus para dentro de casa, com linguagem adequada à idade das crianças e desde cedo. Para isso, é preciso entender quais estímulos a criança responde e começar a introduzir conceitos gradativamente, assim como fazemos com as frutas, quando surgem os primeiros dentinhos. Temas tabus não precisam esperar até a adolescência para serem introduzidos. Quando escrevi o livro “Guerreiras do sim — somos iguais ou diferentes” pensei exatamente em levar uma educação antirracista à primeira infância. Tenho conversado cada vez mais intensamente com algumas pessoas sobre como gerar pais antirracistas na prática.

E mais sobre como solidificar o compromisso das escolas na estrutura, para além da presença de pais mais engajados com a pauta. A questão já vem sendo levantada por muitos especialistas para que as pedagogias implementadas nas escolas sejam mais antirracistas. Para quem vem de escolas particulares que seguem uma pedagogia europeia Waldorf, por exemplo, que busca uma educação holística integrando uma visão das artes para além da grade tradicional, a divisão da vida em setênios embasa o que deve chegar como conteúdo para cada período da vida.

Nos primeiros sete anos, muitos educadores se alinham à visão de que este deve ser um momento de “encantamento” e para muitos este encantamento passa por evitar “temas difíceis” como a escravidão, colonização ou o racismo, por exemplo. O que aliás considero um superprivilégio. Crianças negras e periféricas são ensinadas desde cedo sobre a dureza do racismo, mesmo quando o termo não é mencionado diretamente. Seja por, especialmente meninos, terem que andar sempre com identidade para não serem “confundidos com bandidos” ou meninas que precisam ter seus cabelos presos para que sejam mais aceitas e não virem chacota ou memes, só pra citar alguns exemplos.

Por outro lado, nas escolas lidas como tradicionais, o ensino de uma grade que prepare a criança para provas como o Enem e a adoção de disciplinas alinhadas ao mercado de trabalho são fundamentais. Porém, neste caso, o ensino antirracista na cabeça de muitos passa por um tema quase que anexo e não essencialmente ligado ao mercado de trabalho. Por vezes, é deixado de fora do currículo escolar ou somente trabalhado nas efemérides e olhe lá. Deveria, na verdade, ser trabalhado transversalmente em todas as disciplinas, independentemente da vertente pedagógica assumida pelas escolas.

Embora nunca seja tarde para sair da própria bolha, ter <QL>um entendimento o mais cedo possível pode ajudar a melhor navegar e criar menos vieses e mais comprometimento e corresponsabilidade na coconstrução e estruturação de um mundo mais justo. Por mais pedagogias, orçamento e pais antirracistas já para um país antirracista e com menos bloqueios de oportunidades e menos. Todos ganham com isso.

Mais recente Próxima Ambição 2030