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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Os zigue-zagues do MEC

A pasmaceira anterior não significa que qualquer saracoteado é bem-vindo. E a primeira encruzilhada é a reforma do ensino médio

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Na gestão Bolsonaro, o MEC sumiu. Entrou um ministro que precisava tudo aprender. Foi sucedido por um atrabiliário, investindo contra moinhos de vento. O próximo ignorou a pandemia e cuidou de uma agenda distanciada dos nossos reais problemas. Seu sucessor foi designado por falta de inspiração de quem escolhe.

Novos gestores no MEC, esperanças à frente. Mas não nos esqueçamos, a pasmaceira anterior não significa que qualquer saracoteado é bem-vindo. E a primeira encruzilhada é a reforma do ensino médio.

Temos uma lei sobre o assunto. Está longe de ser perfeita. Os mais azedos acham um desastre. Nem tanto, pois dá dois passos gigantescos à frente – ou, melhor, conserta dois erros.

Não consegui achar um só país onde o ensino médio tenha o mesmo currículo para todos. Nesse nível, há bifurcações ou disciplinas a serem escolhidas, permitindo optar por áreas do conhecimento mais afins às preferências e competências de cada um. Como, desde os anos 90, tínhamos um currículo fixo e único, os nossos oráculos deviam achar que todos os outros países estavam equivocados e o Brasil, certo. Será?

Essa ausência de escolhas agravava a chatice dos cursos. Tinha de estudar também Química quem gostava de Literatura. E entediar-se com Filosofia quem queria ser físico. Não surpreende a estagnação qualitativa e quantitativa desse nível.

Ao adotar um sistema em que se permitem escolhas, o Brasil se alinha novamente com os padrões mundiais. Mesmo com as falhas da lei, não faz o menor sentido voltar atrás nessa mudança.

A segunda distorção, da mesma época, era uma normativa do Conselho Nacional de Educação (CNE) que expulsava as disciplinas profissionalizantes da carga curricular do médio. Ou seja, todo o currículo de preparação para o trabalho tinha de ir mais além das horas previstas para obter um diploma de ensino médio. Assim, quem queria se tornar técnico e entrar rapidamente no mercado de trabalho tinha de enfrentar um curso com mil horas a mais. Outra clássica jabuticaba, só no Brasil.

As consequências são mais do que conhecidas. Na Europa, entre 30% e 70% dos alunos recebem alguma profissionalização nesse nível. No Brasil, a proporção não chega a 10%. Ao introduzir trajetórias profissionalizantes dentro do currículo do médio, consertamos um lastimável equívoco anterior.

A lei aí está, reparando os dois erros, mas ainda há impasses de implementação. Todas as ideias são bem-vindas. Vamos discutir tudo, desde que não se ponham em risco os avanços.

Vejo dois perigos à frente. O primeiro é a repetição do “assembleísmo” que pariu o Plano Nacional de Educação (PNE).

A gigantesca reunião de sindicalistas visando a sugerir ideias para o PNE foi o caos mais memorável que presenciei em minha vida. E não fui só eu. Por casualidade, naquela noite jantei com Fernando Haddad, então ministro. Seu primeiro comentário foi o espanto com a confusão reinante.

E o que saiu era perfeitamente alinhado com a bagunça do evento. Milhares de sugestões disparatadas. Alguém queria que o MEC determinasse a marca e o modelo de todos os ônibus escolares. Mas ninguém comentou a qualidade triste de nosso ensino nem os desperdícios que ocorrem por todos os lados. Pelo que me lembro, as palavras “eficiência” e “qualidade” não aparecem. Implementar o conjunto de sugestões exigiria muitas vezes o orçamento do MEC. E por aí afora. Os técnicos do Congresso levaram anos para transformar o chafariz de cacofonias num documento menos caótico, mas ainda muito ruim. Esperemos que não se repita esta maneira desastrada de discutir assuntos importantes.

O segundo perigo é que, mais uma vez, se exumam as ideias do italiano Gramsci. Nos anos 20, esse filósofo esquerdista se atrapalhou com a lei e foi parar na cadeia. Lá, escreveu sobre educação, com propostas ambiciosas e revolucionárias. Suas preocupações com as diferenças entre a educação dos pobres e a dos ricos eram e são legítimas. Mas, para ele, a cura seria oferecer exatamente a mesma educação para todos, indo da prática aos píncaros da abstração. O modelo ficou conhecido como “politecnia”. Mas essa proposta é fantasiosa. Ao chegar ao ensino médio, as diferenças de interesses e nível de cognição fazem com que qualquer currículo único ficará descalibrado para quase todos. O bom ensino é aquele que leva cada aluno mais próximo ao seu potencial. E, certamente, não será igual para todos.

Por boas razões, suas ideias não prosperaram na Itália ou em qualquer outro país. Pois não é que no Brasil são vistas como dogma?! Para seus apóstolos, a lei que diversifica o médio é crime de lesa-majestade. Excomungando tal heresia, exumam-se as mesmas ladainhas.

Não há que perder tempo com miragens intergalácticas, pois é incontável o número de problemas operacionais na implementação da lei. Cada lugar tem sua vocação e uma realidade diferente. Não se pode diversificar numa cidade de 5 mil habitantes no mesmo grau que em outras grandonas. É delicado integrar o ensino técnico, quando colaboram várias instituições.

Para isso são utilíssimas essas consultas e reuniões. Mas são para resolver problemas concretos, e não para discursar sobre o que disse este ou aquele defunto.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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