Educação

Os pontos fortes e os problemas da consulta pública sobre o Novo Ensino Médio

O documento apresentado pelo MEC na segunda-feira 7 será encaminhado para avaliação do setor educacional e dos órgãos normativos

Créditos: Wilson Dias / Agência Brasil
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O Ministério da Educação divulgou, na segunda-feira 7, os resultados da consulta pública elaborada para avaliar e reestruturar a Política Nacional de Ensino Médio.

A principal mudança envolve a recomposição da carga horária destinada à formação geral básica, que volta a ter no mínimo 2.400 horas, rompendo com a premissa de 1.800 horas da proposta anterior. O MEC prevê exceção para cursos técnicos de 800 ou 1.000 horas, nos quais o mínimo destinado à formação geral básica será de 2.200 horas.

A pasta também sugeriu que voltem a ser obrigatórios, além de Português e Matemática, as disciplinas de Arte, Educação Física, Literatura, História, Sociologia, Filosofia, Geografia, Química, Física, Biologia, Educação Digital e Espanhol, como alternativa ao Inglês.

A proposta prevê também a redução dos itinerários formativos de cinco para três: Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza; Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais; e Formação Técnica e Profissional. No novo desenho, eles passam a se chamar Percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos.

Também ganha destaque no texto a vedação à educação a distância na formação geral básica, com autorização para uso de até 20% na oferta para a educação profissional técnica, assim como a manutenção do Enem 2024 circunscrito à formação geral básica. O MEC sinalizou que o formato do exame para os anos seguintes será objeto de debate com a sociedade.

Especialistas em educação consultados pela reportagem reconhecem avanços na proposta apresentada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, mas pontuam alguns alertas.

1. Retomada das 2.400 horas para a formação geral

Os especialistas ouvidos pela reportagem foram unânimes em apoiar a medida.

“A manutenção dessa formação tem uma importância enorme, tanto para acesso ao ensino superior quanto para formação mais ampla da cidadania, do pensamento crítico e também para a formação para o trabalho”, afirma a doutora em Educação Ana Paula Corti, integrante da Campanha Nacional pela Educação e da Rede Escola Pública e Universidade.

Para o diretor-executivo do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, o MEC acerta ao enfrentar “equívocos de formulação da reforma vigente”. Também pondera que as mudanças ocorreram mantendo três princípios fundamentais para qualificar o ensino médio: a expansão da carga horária, a flexibilização curricular e maior integração do ensino regular com a educação profissional.

2. Excepcionalidades em cursos técnicos

A sinalização feita pelo Ministério da Educação sobre a possibilidade de reduzir a carga horária da formação geral dos estudantes para um mínimo de 2.200 horas quando existir a oferta de cursos técnicos ainda gera dúvidas entre os especialistas.

“Discordamos da ideia de que a formação geral básica seja reduzida para quem escolher trilhar a educação profissional, já que isso pode gerar um desincentivo para os estudantes escolherem o percurso”, ponderaa Olavo. “Como será definido o que será excluído da formação geral básica, nessa diferença de 200 horas entre os modelos? E como fica a organização disso em uma escola que vai ofertar os dois modelos”?

Ana Paula Corti reconhece que ainda há pontos a serem esclarecidos, mas vê possibilidade de a formação geral básica e a profissional serem integradas ao currículo, sem prejuízos à formação dos estudantes.

“É possível pensar em uma outra dinâmica de carga horária, com certo enxugamento de horas em uma perspectiva de integração curricular. É o caso da experiência da rede federal”, pontua. “Agora, isso não significa que não será necessário negociar isso com as redes de formação técnica.”

A educadora, no entanto, não concorda com o fato de a educação técnica e profissional integrar a parte diversificada do currículo, como um itinerário.

Ela reforça a importância de as escolas terem a estrutura necessária para a oferta e contarem com professores formados nas devidas áreas técnicas. A especialista ainda questiona o fato de as escolas oferecerem cursos de formação técnica de curta duração, sem que eles alcancem a carga horária que regulamenta a modalidade.

Já sobre o caso de o MEC priorizar formação em tempo integral para cursos técnicos de 1.200 horas, Corti faz um alerta. “O ensino em tempo integral exclui parte dos estudantes que precisam conciliar a escola com alguma atividade de trabalho”, afirma. “Muitas escolas da rede federal ofertam esse curso integrado em quatro anos sem necessariamente ter de fazer em período integral.”

Para a educadora, seria uma boa saída para os estudantes que precisam trabalhar e uma chance para que os jovens busquem estágios na área de formação técnica.

3. Componentes curriculares obrigatórios

Sobre a sugestão do MEC de retomar componentes curriculares obrigatórios, Olavo ressalta uma preocupação: a de retornar ao modelo de ensino médio com um currículo inchado, “que promete muito e entrega pouco”.

Já na análise de Corti, a pasta acerta ao recomendar que os currículos definam os componentes necessários para cada área do conhecimento, mas erra ao fazer disso uma sugestão, sem uma postura mais enfática.

“Entendo que ao deixar essa decisão para os estados se abre a possibilidade de ter componentes curriculares diferentes em cada unidade da Federação. E isso seria um problema enorme do ponto de vista dos vestibulares e do Enem”, pondera. “Acho que essa ideia de sugerir não é possível. É preciso definir nacionalmente os componentes curriculares que serão obrigatórios nas áreas de conhecimento.”

4. Redução dos itinerários formativos

Na proposta, o Ministério da Educação defende uma integração das quatro áreas do conhecimento em dois percursos de aprofundamento, além do reservado à educação técnica e profissional.

Olavo Filho reconhece que as diretrizes e as orientações fornecidas aos antigos itinerários formativos foram ruins, mas considera que o MEC passa de um modelo muito aberto e flexível para um bastante rígido, “em que há uma definição nacional exata de quais são os percursos a serem trabalhados”.

“A gente defende um caminho intermediário, que seria manter certa liberdade aos estados na definição dos itinerários, porém com diretrizes e orientações muito mais claras do que existem hoje.”

Corti, por sua vez, prega uma postura de mais regulação por parte do MEC. “Primeiro, acho que é possível se falar em aprofundamento de conhecimento com uma base de formação geral mais robusta. O segundo ponto é definir exatamente o que significa um itinerário de aprofundamento de Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza. É uma questão a ser melhor definida e detalhada do ponto de vista pedagógico, de quem são os professores que vão ministrar essas aulas, e do ponto de vista de material didático também.” 

5. Manutenção do Enem 2024

Os especialistas também veem com bons olhos a decisão do Ministério da Educação de manter o Enem 2024 focado na formação geral dos estudantes, mas divergem sobre possíveis mudanças no exame a longo prazo.

Para Ana Corti, ainda que o debate sobre alterações precise ser feito, seria necessário primeiro “recompor um projeto de ensino médio para o País, para então ter um Exame Nacional de Ensino Médio”.

“É importante que esse debate seja feito com a sociedade, mas, em princípio, acho que a vocação do Enem tem a ver com a formação geral básica, porque, para além dela, você vai ter diferenças de percurso dos estudantes, de aprofundamento, e entendo que isso não é objeto de avaliação do exame.”

Já Olavo entende ser necessário que, ao longo do tempo, o exame tenha uma articulação com a parte flexível dos currículos do ensino médio.

“A discussão deve ser em torno de como isso pode ser feito. Nesse sentido, acho importante que não haja uma contra-indução, porque se você diz que o Enem só vai focar na formação geral básica, muito provavelmente as redes de ensino vão seguir o mesmo caminho, e a parte flexível, que está mantida, ficaria em segundo plano – o que, a meu ver, seria um prejuízo a um ensino médio de fato consistente e aderente aos anseios dos jovens.”

Próximos passos

O documento apresentado pelo MEC na segunda-feira 7 será encaminhado para avaliação do setor educacional e dos órgãos normativos, que terão até 21 de agosto para enviar suas considerações. Depois, o ministério consolidará as propostas na versão final do relatório, a ser enviado ao Congresso Nacional.

As diretrizes também serão apresentadas às comissões de educação da Câmara dos Deputados e do Senado.

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