Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Os impactos da COVID-19 nas políticas públicas da educação básica


Por Redação

ALEXSANDRO SANTOS, pós-doutorando em Administração Pública e Governo (FGV), Diretor-Presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo e Coordenador do curso de Pedagogia da FEDUC.

CLAUDIO ALIBERTI DE CAMPOS MELLO, mestrando em Administração Pública e Governo (FGV)

ERIKA CARACHO RIBEIRO, mestre em Administração Pública e Governo (FGV) e doutoranda em Administração (UnB), professora na Etec Cepam.

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GABRIELA THOMAZINHO CLEMENTINO SAMPAIO, mestre em Educação (USP) e doutoranda em Administração Pública e Governo (FGV)

De acordo com o Censo Escolar de 2019, o Brasil possui pouco mais de 47,8 milhões de matrículas na Educação Básica. Desse total de alunos, 81% frequenta uma escola pública (48,1% em redes municipais, 32% em redes estaduais e 0,8% na rede federal de ensino). Para dar conta desse universo de educandos distribuidos desde a educação infantil até o ensino técnico-profissional, o país conta com pouco mais de 2,2 milhões de professores em cerca de 180 mil unidades educacionais. Os números impressionam pelo gigantismo e ajudam a entender porque as políticas educacionais são um campo extremamente sensível aos impactos da pandemia de COVID-19.

Pelas características do contágio e disseminação da COVID-19, as medidas de isolamento social fizeram com que todos os sistemas públicos de ensino, bem como as instituições privadas, suspendessem as aulas presenciais ainda no mês de março. A postura passiva (e, em muitos momentos, negacionista) do Ministério da Educação deixou um vácuo de coordenação nacional da política educacional e, nesse cenário, foram as secretarias municipais e estaduais de educação que assumiram o protagonismo, tomando as decisões que julgavam necessárias para responder aos desafios que a pandemia trouxe. A maior parte delas decidiu colocar os professores em recesso escolar ou antecipar as férias enquanto elaboravam as estratégias que julgavam mais adequadas. Mas a retomada das atividades docentes à distância reserva questões desafiadoras.

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Para que as respostas produzidas pelos sistemas de ensino à pandemia sejam efetivas, professores, gestores escolares e equipes que atuam nas diretorias regionais deveriam ser ouvidos e participar ativamente do desenho das soluções propostas. Para além de dar conta do princípio da gestão democrática da escola pública, previsto na LDB, esse processo de escuta e participação favoreceria a efetividade das ações. Professores, gestores e supervisores possuem informações preciosas e detalhadas sobre os diferentes contextos e sobre as demandas e características dos estudantes e de suas famílias sem as quais qualquer política educacional nasce com alta probabilidade de fracasso. Na mesma perspectiva, esses profissionais deveriam ter acesso prévio e privilegiado às decisões e encaminhamentos das Secretarias para que pudessem, no atendimento cotidiano da população, se sentir seguros, respaldados com instrumentos metodológicos estáveis e ter respostas razoáveis às angústias dos usuários.

Até agora, essas premissas básicas do processo de formulação e implementação das políticas educacionais foram ignoradas pelos principais tomadores de decisão. O NEB - Núcleo de Estudos da Burocracia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, na série de debates que tem realizado sobre os impactos da pandemia no cotidiano dos servidores públicos da linha de frente, identificou que professores, gestores e supervisores escolares sentem-se alijados do processo de construção das soluções, percebem que as ações propostas desconsideram questões elementares que enxergam em seus territórios e expressam sofrimento, angústia e uma sensação de desprestígio quando descobrem os próximos passos da política educacional pelos jornais ou na coletiva de imprensa do governador, do prefeito ou do secretário de educação, no mesmo momento e com a mesma quantidade de informação que os usuários da política estão recebendo. Recentemente, um coletivo de educadores e pesquisadores publicou uma carta aberta à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo expressando essa percepção. (clique aqui)

Adicionalmente, esses profissionais sentem-se pressionados a transformar suas práticas profissionais, antes realizadas na interação direta e presencial com educandos e famílias, para que caibam em modelagens de interação remota, com uso de apostilas ou plataformas e ferramentas digitais para as quais a maior parte nunca se preparou e uma parcela significativa tem pouca afinidade. O descaso histórico do país com a formação dos professores para lidar com as tecnologias de informação e comunicação ajuda a explicar porque essa variável é tão importante num momento como esse. Mesmo nas situações em que os professores encontram-se com algum conforto nesse campo, eles sinalizam o caráter insubstituível da mediação pedagógica presencial e os riscos de um avanço de estratégias de precarização do trabalho pedagógico que podem emergir a partir de uma utilização acrítica dessas soluções por governos e instituições de ensino.

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Diante de um cenário desafiador e de incertezas, o que é possível esperar no pós-pandemia? Do ponto de vista mais amplo, a combinação de recessão e acirramento de desigualdades socioeconômicas terá impacto direto na permanência dos estudantes na escola, aumentando o risco de abandono e evasão escolar, especialmente nas etapas finais (o IBGE aponta que em 2018 somente 47,4% da população acima de 25 anos havia concluído o ensino médio). Além disso, o longo afastamento de atividades presenciais na escola produzirá a ampliação das desigualdades educacionais, uma vez que as oportunidades de aprendizagem, bem estar e proteção social dos estudantes em isolamento é marcada por graus variados de precariedade de seus lares. Os profissionais sinalizam também a expectativa de aumento da carga de responsabilidades no cenário pós-pandemia, antevendo que precisarão lidar com as repercussões socioemocionais do afastamento, com a reorganização de práticas de cuidado e higiene na escola ou até mesmo com a colaboração para a identificação de casos suspeitos de contaminação.

Apesar dessas angústias, os educadores com os quais temos interagido nas ações do NEB enxergam também oportunidades de reafirmar sua escolha profissional e  apontam ao menos três aprendizados importantes. O primeiro diz respeito à importância do trabalho colaborativo e da partilha de práticas entre professores e gestores. Justamente no momento em que ficaram isolados em suas casas, a conexão mostrou-se ainda mais potente e necessária. O segundo aprendizado tem a ver com a relação entre escolas e comunidades. As famílias - mais uma vez - encontram na Escola uma sinalização segura da presença do Estado e demandam o aprofundamento das relações de vínculo e confiança. Gestores escolares e professores têm respondido a esse sinal e criado iniciativas de diálogo e interação inovadoras, muitas vezes sem qualquer apoio de instâncias superiores: são canais nas redes sociais, grupos de whatsapp, aluguel de carros de som para divulgar orientações às famílias, entre outras estratégias. O terceiro aprendizado se relaciona com a necessidade de reflexão sobre o sentido da escola e da profissão docente e sobre as práticas pedagógicas. Os professores sinalizam que o cenário de pandemia reafirma importância do trabalho pedagógico profissional, o caráter insubstituível da mediação presencial de qualidade no processo de desenvolvimento dos estudantes e a relevância da escola como lugar social especial de aprendizagem. Sinalizam que, mais uma vez, que estamos todos, como país, obrigados a encarar a centralidade do direito à educação para todos, com qualidade e equidade, na construção de uma sociedade efetivamente democrática e justa.

Formular e implementar políticas educacionais é um exercício complexo. Cenários de crise tornam esse processo ainda mais desafiador. Entretanto, o que parece fazer sentido nessa conjuntura é que devemos superar uma visão antiquada segundo a qual os profissionais que atuam nas escolas e diretorias regionais são meros executores de programas e ações pensadas no alto escalão. A literatura acadêmica e a evidência acumulada de casos de maior sucesso no enfrentamento de desafios educacionais demonstram que o conhecimento empírico dos agentes implementadores, que conhecem os desafios pela lupa do dia-a-dia, valem ouro. Se os formuladores de políticas estiverem mais atentos aos profissionais que, na base, dão concretude às políticas, envolvendo-os densamente nas tomadas de decisão, teremos, no curto prazo, uma resposta mais eficaz à pandemia e, no médio e longo prazo, políticas educacionais mais consistentes e efetivas.

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O artigo foi construído com base nas discussões e seminários realizados pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV-SP,coordenado pela professora Gabriela Lotta.

ALEXSANDRO SANTOS, pós-doutorando em Administração Pública e Governo (FGV), Diretor-Presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo e Coordenador do curso de Pedagogia da FEDUC.

CLAUDIO ALIBERTI DE CAMPOS MELLO, mestrando em Administração Pública e Governo (FGV)

ERIKA CARACHO RIBEIRO, mestre em Administração Pública e Governo (FGV) e doutoranda em Administração (UnB), professora na Etec Cepam.

GABRIELA THOMAZINHO CLEMENTINO SAMPAIO, mestre em Educação (USP) e doutoranda em Administração Pública e Governo (FGV)

De acordo com o Censo Escolar de 2019, o Brasil possui pouco mais de 47,8 milhões de matrículas na Educação Básica. Desse total de alunos, 81% frequenta uma escola pública (48,1% em redes municipais, 32% em redes estaduais e 0,8% na rede federal de ensino). Para dar conta desse universo de educandos distribuidos desde a educação infantil até o ensino técnico-profissional, o país conta com pouco mais de 2,2 milhões de professores em cerca de 180 mil unidades educacionais. Os números impressionam pelo gigantismo e ajudam a entender porque as políticas educacionais são um campo extremamente sensível aos impactos da pandemia de COVID-19.

Pelas características do contágio e disseminação da COVID-19, as medidas de isolamento social fizeram com que todos os sistemas públicos de ensino, bem como as instituições privadas, suspendessem as aulas presenciais ainda no mês de março. A postura passiva (e, em muitos momentos, negacionista) do Ministério da Educação deixou um vácuo de coordenação nacional da política educacional e, nesse cenário, foram as secretarias municipais e estaduais de educação que assumiram o protagonismo, tomando as decisões que julgavam necessárias para responder aos desafios que a pandemia trouxe. A maior parte delas decidiu colocar os professores em recesso escolar ou antecipar as férias enquanto elaboravam as estratégias que julgavam mais adequadas. Mas a retomada das atividades docentes à distância reserva questões desafiadoras.

Para que as respostas produzidas pelos sistemas de ensino à pandemia sejam efetivas, professores, gestores escolares e equipes que atuam nas diretorias regionais deveriam ser ouvidos e participar ativamente do desenho das soluções propostas. Para além de dar conta do princípio da gestão democrática da escola pública, previsto na LDB, esse processo de escuta e participação favoreceria a efetividade das ações. Professores, gestores e supervisores possuem informações preciosas e detalhadas sobre os diferentes contextos e sobre as demandas e características dos estudantes e de suas famílias sem as quais qualquer política educacional nasce com alta probabilidade de fracasso. Na mesma perspectiva, esses profissionais deveriam ter acesso prévio e privilegiado às decisões e encaminhamentos das Secretarias para que pudessem, no atendimento cotidiano da população, se sentir seguros, respaldados com instrumentos metodológicos estáveis e ter respostas razoáveis às angústias dos usuários.

Até agora, essas premissas básicas do processo de formulação e implementação das políticas educacionais foram ignoradas pelos principais tomadores de decisão. O NEB - Núcleo de Estudos da Burocracia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, na série de debates que tem realizado sobre os impactos da pandemia no cotidiano dos servidores públicos da linha de frente, identificou que professores, gestores e supervisores escolares sentem-se alijados do processo de construção das soluções, percebem que as ações propostas desconsideram questões elementares que enxergam em seus territórios e expressam sofrimento, angústia e uma sensação de desprestígio quando descobrem os próximos passos da política educacional pelos jornais ou na coletiva de imprensa do governador, do prefeito ou do secretário de educação, no mesmo momento e com a mesma quantidade de informação que os usuários da política estão recebendo. Recentemente, um coletivo de educadores e pesquisadores publicou uma carta aberta à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo expressando essa percepção. (clique aqui)

Adicionalmente, esses profissionais sentem-se pressionados a transformar suas práticas profissionais, antes realizadas na interação direta e presencial com educandos e famílias, para que caibam em modelagens de interação remota, com uso de apostilas ou plataformas e ferramentas digitais para as quais a maior parte nunca se preparou e uma parcela significativa tem pouca afinidade. O descaso histórico do país com a formação dos professores para lidar com as tecnologias de informação e comunicação ajuda a explicar porque essa variável é tão importante num momento como esse. Mesmo nas situações em que os professores encontram-se com algum conforto nesse campo, eles sinalizam o caráter insubstituível da mediação pedagógica presencial e os riscos de um avanço de estratégias de precarização do trabalho pedagógico que podem emergir a partir de uma utilização acrítica dessas soluções por governos e instituições de ensino.

Diante de um cenário desafiador e de incertezas, o que é possível esperar no pós-pandemia? Do ponto de vista mais amplo, a combinação de recessão e acirramento de desigualdades socioeconômicas terá impacto direto na permanência dos estudantes na escola, aumentando o risco de abandono e evasão escolar, especialmente nas etapas finais (o IBGE aponta que em 2018 somente 47,4% da população acima de 25 anos havia concluído o ensino médio). Além disso, o longo afastamento de atividades presenciais na escola produzirá a ampliação das desigualdades educacionais, uma vez que as oportunidades de aprendizagem, bem estar e proteção social dos estudantes em isolamento é marcada por graus variados de precariedade de seus lares. Os profissionais sinalizam também a expectativa de aumento da carga de responsabilidades no cenário pós-pandemia, antevendo que precisarão lidar com as repercussões socioemocionais do afastamento, com a reorganização de práticas de cuidado e higiene na escola ou até mesmo com a colaboração para a identificação de casos suspeitos de contaminação.

Apesar dessas angústias, os educadores com os quais temos interagido nas ações do NEB enxergam também oportunidades de reafirmar sua escolha profissional e  apontam ao menos três aprendizados importantes. O primeiro diz respeito à importância do trabalho colaborativo e da partilha de práticas entre professores e gestores. Justamente no momento em que ficaram isolados em suas casas, a conexão mostrou-se ainda mais potente e necessária. O segundo aprendizado tem a ver com a relação entre escolas e comunidades. As famílias - mais uma vez - encontram na Escola uma sinalização segura da presença do Estado e demandam o aprofundamento das relações de vínculo e confiança. Gestores escolares e professores têm respondido a esse sinal e criado iniciativas de diálogo e interação inovadoras, muitas vezes sem qualquer apoio de instâncias superiores: são canais nas redes sociais, grupos de whatsapp, aluguel de carros de som para divulgar orientações às famílias, entre outras estratégias. O terceiro aprendizado se relaciona com a necessidade de reflexão sobre o sentido da escola e da profissão docente e sobre as práticas pedagógicas. Os professores sinalizam que o cenário de pandemia reafirma importância do trabalho pedagógico profissional, o caráter insubstituível da mediação presencial de qualidade no processo de desenvolvimento dos estudantes e a relevância da escola como lugar social especial de aprendizagem. Sinalizam que, mais uma vez, que estamos todos, como país, obrigados a encarar a centralidade do direito à educação para todos, com qualidade e equidade, na construção de uma sociedade efetivamente democrática e justa.

Formular e implementar políticas educacionais é um exercício complexo. Cenários de crise tornam esse processo ainda mais desafiador. Entretanto, o que parece fazer sentido nessa conjuntura é que devemos superar uma visão antiquada segundo a qual os profissionais que atuam nas escolas e diretorias regionais são meros executores de programas e ações pensadas no alto escalão. A literatura acadêmica e a evidência acumulada de casos de maior sucesso no enfrentamento de desafios educacionais demonstram que o conhecimento empírico dos agentes implementadores, que conhecem os desafios pela lupa do dia-a-dia, valem ouro. Se os formuladores de políticas estiverem mais atentos aos profissionais que, na base, dão concretude às políticas, envolvendo-os densamente nas tomadas de decisão, teremos, no curto prazo, uma resposta mais eficaz à pandemia e, no médio e longo prazo, políticas educacionais mais consistentes e efetivas.

O artigo foi construído com base nas discussões e seminários realizados pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV-SP,coordenado pela professora Gabriela Lotta.

ALEXSANDRO SANTOS, pós-doutorando em Administração Pública e Governo (FGV), Diretor-Presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo e Coordenador do curso de Pedagogia da FEDUC.

CLAUDIO ALIBERTI DE CAMPOS MELLO, mestrando em Administração Pública e Governo (FGV)

ERIKA CARACHO RIBEIRO, mestre em Administração Pública e Governo (FGV) e doutoranda em Administração (UnB), professora na Etec Cepam.

GABRIELA THOMAZINHO CLEMENTINO SAMPAIO, mestre em Educação (USP) e doutoranda em Administração Pública e Governo (FGV)

De acordo com o Censo Escolar de 2019, o Brasil possui pouco mais de 47,8 milhões de matrículas na Educação Básica. Desse total de alunos, 81% frequenta uma escola pública (48,1% em redes municipais, 32% em redes estaduais e 0,8% na rede federal de ensino). Para dar conta desse universo de educandos distribuidos desde a educação infantil até o ensino técnico-profissional, o país conta com pouco mais de 2,2 milhões de professores em cerca de 180 mil unidades educacionais. Os números impressionam pelo gigantismo e ajudam a entender porque as políticas educacionais são um campo extremamente sensível aos impactos da pandemia de COVID-19.

Pelas características do contágio e disseminação da COVID-19, as medidas de isolamento social fizeram com que todos os sistemas públicos de ensino, bem como as instituições privadas, suspendessem as aulas presenciais ainda no mês de março. A postura passiva (e, em muitos momentos, negacionista) do Ministério da Educação deixou um vácuo de coordenação nacional da política educacional e, nesse cenário, foram as secretarias municipais e estaduais de educação que assumiram o protagonismo, tomando as decisões que julgavam necessárias para responder aos desafios que a pandemia trouxe. A maior parte delas decidiu colocar os professores em recesso escolar ou antecipar as férias enquanto elaboravam as estratégias que julgavam mais adequadas. Mas a retomada das atividades docentes à distância reserva questões desafiadoras.

Para que as respostas produzidas pelos sistemas de ensino à pandemia sejam efetivas, professores, gestores escolares e equipes que atuam nas diretorias regionais deveriam ser ouvidos e participar ativamente do desenho das soluções propostas. Para além de dar conta do princípio da gestão democrática da escola pública, previsto na LDB, esse processo de escuta e participação favoreceria a efetividade das ações. Professores, gestores e supervisores possuem informações preciosas e detalhadas sobre os diferentes contextos e sobre as demandas e características dos estudantes e de suas famílias sem as quais qualquer política educacional nasce com alta probabilidade de fracasso. Na mesma perspectiva, esses profissionais deveriam ter acesso prévio e privilegiado às decisões e encaminhamentos das Secretarias para que pudessem, no atendimento cotidiano da população, se sentir seguros, respaldados com instrumentos metodológicos estáveis e ter respostas razoáveis às angústias dos usuários.

Até agora, essas premissas básicas do processo de formulação e implementação das políticas educacionais foram ignoradas pelos principais tomadores de decisão. O NEB - Núcleo de Estudos da Burocracia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, na série de debates que tem realizado sobre os impactos da pandemia no cotidiano dos servidores públicos da linha de frente, identificou que professores, gestores e supervisores escolares sentem-se alijados do processo de construção das soluções, percebem que as ações propostas desconsideram questões elementares que enxergam em seus territórios e expressam sofrimento, angústia e uma sensação de desprestígio quando descobrem os próximos passos da política educacional pelos jornais ou na coletiva de imprensa do governador, do prefeito ou do secretário de educação, no mesmo momento e com a mesma quantidade de informação que os usuários da política estão recebendo. Recentemente, um coletivo de educadores e pesquisadores publicou uma carta aberta à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo expressando essa percepção. (clique aqui)

Adicionalmente, esses profissionais sentem-se pressionados a transformar suas práticas profissionais, antes realizadas na interação direta e presencial com educandos e famílias, para que caibam em modelagens de interação remota, com uso de apostilas ou plataformas e ferramentas digitais para as quais a maior parte nunca se preparou e uma parcela significativa tem pouca afinidade. O descaso histórico do país com a formação dos professores para lidar com as tecnologias de informação e comunicação ajuda a explicar porque essa variável é tão importante num momento como esse. Mesmo nas situações em que os professores encontram-se com algum conforto nesse campo, eles sinalizam o caráter insubstituível da mediação pedagógica presencial e os riscos de um avanço de estratégias de precarização do trabalho pedagógico que podem emergir a partir de uma utilização acrítica dessas soluções por governos e instituições de ensino.

Diante de um cenário desafiador e de incertezas, o que é possível esperar no pós-pandemia? Do ponto de vista mais amplo, a combinação de recessão e acirramento de desigualdades socioeconômicas terá impacto direto na permanência dos estudantes na escola, aumentando o risco de abandono e evasão escolar, especialmente nas etapas finais (o IBGE aponta que em 2018 somente 47,4% da população acima de 25 anos havia concluído o ensino médio). Além disso, o longo afastamento de atividades presenciais na escola produzirá a ampliação das desigualdades educacionais, uma vez que as oportunidades de aprendizagem, bem estar e proteção social dos estudantes em isolamento é marcada por graus variados de precariedade de seus lares. Os profissionais sinalizam também a expectativa de aumento da carga de responsabilidades no cenário pós-pandemia, antevendo que precisarão lidar com as repercussões socioemocionais do afastamento, com a reorganização de práticas de cuidado e higiene na escola ou até mesmo com a colaboração para a identificação de casos suspeitos de contaminação.

Apesar dessas angústias, os educadores com os quais temos interagido nas ações do NEB enxergam também oportunidades de reafirmar sua escolha profissional e  apontam ao menos três aprendizados importantes. O primeiro diz respeito à importância do trabalho colaborativo e da partilha de práticas entre professores e gestores. Justamente no momento em que ficaram isolados em suas casas, a conexão mostrou-se ainda mais potente e necessária. O segundo aprendizado tem a ver com a relação entre escolas e comunidades. As famílias - mais uma vez - encontram na Escola uma sinalização segura da presença do Estado e demandam o aprofundamento das relações de vínculo e confiança. Gestores escolares e professores têm respondido a esse sinal e criado iniciativas de diálogo e interação inovadoras, muitas vezes sem qualquer apoio de instâncias superiores: são canais nas redes sociais, grupos de whatsapp, aluguel de carros de som para divulgar orientações às famílias, entre outras estratégias. O terceiro aprendizado se relaciona com a necessidade de reflexão sobre o sentido da escola e da profissão docente e sobre as práticas pedagógicas. Os professores sinalizam que o cenário de pandemia reafirma importância do trabalho pedagógico profissional, o caráter insubstituível da mediação presencial de qualidade no processo de desenvolvimento dos estudantes e a relevância da escola como lugar social especial de aprendizagem. Sinalizam que, mais uma vez, que estamos todos, como país, obrigados a encarar a centralidade do direito à educação para todos, com qualidade e equidade, na construção de uma sociedade efetivamente democrática e justa.

Formular e implementar políticas educacionais é um exercício complexo. Cenários de crise tornam esse processo ainda mais desafiador. Entretanto, o que parece fazer sentido nessa conjuntura é que devemos superar uma visão antiquada segundo a qual os profissionais que atuam nas escolas e diretorias regionais são meros executores de programas e ações pensadas no alto escalão. A literatura acadêmica e a evidência acumulada de casos de maior sucesso no enfrentamento de desafios educacionais demonstram que o conhecimento empírico dos agentes implementadores, que conhecem os desafios pela lupa do dia-a-dia, valem ouro. Se os formuladores de políticas estiverem mais atentos aos profissionais que, na base, dão concretude às políticas, envolvendo-os densamente nas tomadas de decisão, teremos, no curto prazo, uma resposta mais eficaz à pandemia e, no médio e longo prazo, políticas educacionais mais consistentes e efetivas.

O artigo foi construído com base nas discussões e seminários realizados pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV-SP,coordenado pela professora Gabriela Lotta.

ALEXSANDRO SANTOS, pós-doutorando em Administração Pública e Governo (FGV), Diretor-Presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo e Coordenador do curso de Pedagogia da FEDUC.

CLAUDIO ALIBERTI DE CAMPOS MELLO, mestrando em Administração Pública e Governo (FGV)

ERIKA CARACHO RIBEIRO, mestre em Administração Pública e Governo (FGV) e doutoranda em Administração (UnB), professora na Etec Cepam.

GABRIELA THOMAZINHO CLEMENTINO SAMPAIO, mestre em Educação (USP) e doutoranda em Administração Pública e Governo (FGV)

De acordo com o Censo Escolar de 2019, o Brasil possui pouco mais de 47,8 milhões de matrículas na Educação Básica. Desse total de alunos, 81% frequenta uma escola pública (48,1% em redes municipais, 32% em redes estaduais e 0,8% na rede federal de ensino). Para dar conta desse universo de educandos distribuidos desde a educação infantil até o ensino técnico-profissional, o país conta com pouco mais de 2,2 milhões de professores em cerca de 180 mil unidades educacionais. Os números impressionam pelo gigantismo e ajudam a entender porque as políticas educacionais são um campo extremamente sensível aos impactos da pandemia de COVID-19.

Pelas características do contágio e disseminação da COVID-19, as medidas de isolamento social fizeram com que todos os sistemas públicos de ensino, bem como as instituições privadas, suspendessem as aulas presenciais ainda no mês de março. A postura passiva (e, em muitos momentos, negacionista) do Ministério da Educação deixou um vácuo de coordenação nacional da política educacional e, nesse cenário, foram as secretarias municipais e estaduais de educação que assumiram o protagonismo, tomando as decisões que julgavam necessárias para responder aos desafios que a pandemia trouxe. A maior parte delas decidiu colocar os professores em recesso escolar ou antecipar as férias enquanto elaboravam as estratégias que julgavam mais adequadas. Mas a retomada das atividades docentes à distância reserva questões desafiadoras.

Para que as respostas produzidas pelos sistemas de ensino à pandemia sejam efetivas, professores, gestores escolares e equipes que atuam nas diretorias regionais deveriam ser ouvidos e participar ativamente do desenho das soluções propostas. Para além de dar conta do princípio da gestão democrática da escola pública, previsto na LDB, esse processo de escuta e participação favoreceria a efetividade das ações. Professores, gestores e supervisores possuem informações preciosas e detalhadas sobre os diferentes contextos e sobre as demandas e características dos estudantes e de suas famílias sem as quais qualquer política educacional nasce com alta probabilidade de fracasso. Na mesma perspectiva, esses profissionais deveriam ter acesso prévio e privilegiado às decisões e encaminhamentos das Secretarias para que pudessem, no atendimento cotidiano da população, se sentir seguros, respaldados com instrumentos metodológicos estáveis e ter respostas razoáveis às angústias dos usuários.

Até agora, essas premissas básicas do processo de formulação e implementação das políticas educacionais foram ignoradas pelos principais tomadores de decisão. O NEB - Núcleo de Estudos da Burocracia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, na série de debates que tem realizado sobre os impactos da pandemia no cotidiano dos servidores públicos da linha de frente, identificou que professores, gestores e supervisores escolares sentem-se alijados do processo de construção das soluções, percebem que as ações propostas desconsideram questões elementares que enxergam em seus territórios e expressam sofrimento, angústia e uma sensação de desprestígio quando descobrem os próximos passos da política educacional pelos jornais ou na coletiva de imprensa do governador, do prefeito ou do secretário de educação, no mesmo momento e com a mesma quantidade de informação que os usuários da política estão recebendo. Recentemente, um coletivo de educadores e pesquisadores publicou uma carta aberta à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo expressando essa percepção. (clique aqui)

Adicionalmente, esses profissionais sentem-se pressionados a transformar suas práticas profissionais, antes realizadas na interação direta e presencial com educandos e famílias, para que caibam em modelagens de interação remota, com uso de apostilas ou plataformas e ferramentas digitais para as quais a maior parte nunca se preparou e uma parcela significativa tem pouca afinidade. O descaso histórico do país com a formação dos professores para lidar com as tecnologias de informação e comunicação ajuda a explicar porque essa variável é tão importante num momento como esse. Mesmo nas situações em que os professores encontram-se com algum conforto nesse campo, eles sinalizam o caráter insubstituível da mediação pedagógica presencial e os riscos de um avanço de estratégias de precarização do trabalho pedagógico que podem emergir a partir de uma utilização acrítica dessas soluções por governos e instituições de ensino.

Diante de um cenário desafiador e de incertezas, o que é possível esperar no pós-pandemia? Do ponto de vista mais amplo, a combinação de recessão e acirramento de desigualdades socioeconômicas terá impacto direto na permanência dos estudantes na escola, aumentando o risco de abandono e evasão escolar, especialmente nas etapas finais (o IBGE aponta que em 2018 somente 47,4% da população acima de 25 anos havia concluído o ensino médio). Além disso, o longo afastamento de atividades presenciais na escola produzirá a ampliação das desigualdades educacionais, uma vez que as oportunidades de aprendizagem, bem estar e proteção social dos estudantes em isolamento é marcada por graus variados de precariedade de seus lares. Os profissionais sinalizam também a expectativa de aumento da carga de responsabilidades no cenário pós-pandemia, antevendo que precisarão lidar com as repercussões socioemocionais do afastamento, com a reorganização de práticas de cuidado e higiene na escola ou até mesmo com a colaboração para a identificação de casos suspeitos de contaminação.

Apesar dessas angústias, os educadores com os quais temos interagido nas ações do NEB enxergam também oportunidades de reafirmar sua escolha profissional e  apontam ao menos três aprendizados importantes. O primeiro diz respeito à importância do trabalho colaborativo e da partilha de práticas entre professores e gestores. Justamente no momento em que ficaram isolados em suas casas, a conexão mostrou-se ainda mais potente e necessária. O segundo aprendizado tem a ver com a relação entre escolas e comunidades. As famílias - mais uma vez - encontram na Escola uma sinalização segura da presença do Estado e demandam o aprofundamento das relações de vínculo e confiança. Gestores escolares e professores têm respondido a esse sinal e criado iniciativas de diálogo e interação inovadoras, muitas vezes sem qualquer apoio de instâncias superiores: são canais nas redes sociais, grupos de whatsapp, aluguel de carros de som para divulgar orientações às famílias, entre outras estratégias. O terceiro aprendizado se relaciona com a necessidade de reflexão sobre o sentido da escola e da profissão docente e sobre as práticas pedagógicas. Os professores sinalizam que o cenário de pandemia reafirma importância do trabalho pedagógico profissional, o caráter insubstituível da mediação presencial de qualidade no processo de desenvolvimento dos estudantes e a relevância da escola como lugar social especial de aprendizagem. Sinalizam que, mais uma vez, que estamos todos, como país, obrigados a encarar a centralidade do direito à educação para todos, com qualidade e equidade, na construção de uma sociedade efetivamente democrática e justa.

Formular e implementar políticas educacionais é um exercício complexo. Cenários de crise tornam esse processo ainda mais desafiador. Entretanto, o que parece fazer sentido nessa conjuntura é que devemos superar uma visão antiquada segundo a qual os profissionais que atuam nas escolas e diretorias regionais são meros executores de programas e ações pensadas no alto escalão. A literatura acadêmica e a evidência acumulada de casos de maior sucesso no enfrentamento de desafios educacionais demonstram que o conhecimento empírico dos agentes implementadores, que conhecem os desafios pela lupa do dia-a-dia, valem ouro. Se os formuladores de políticas estiverem mais atentos aos profissionais que, na base, dão concretude às políticas, envolvendo-os densamente nas tomadas de decisão, teremos, no curto prazo, uma resposta mais eficaz à pandemia e, no médio e longo prazo, políticas educacionais mais consistentes e efetivas.

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