RIO - O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Eduardo Deschamps, criticou a decisão judicial que tenta mudar as regras da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a poucos dias da aplicação da prova, que acontece nos dias 5 e 12 de novembro. Segundo Deschamps, a medida pode trazer prejuízo para os candidatos, que se prepararam para o modelo vigente. Na quarta-feira, o desembargador federal Carlos Moreira Alves, do Tribunal Regional Federal, suspendeu o critério que anula o texto dos candidatos em caso de violação dos direitos humanos . Em entrevista ao GLOBO, Deschamps ressalta ainda que o tema está acima de ideologias, e trata-se de um preceito firmado internacionalmente.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) afirmou que mantém as competências de redação e que ainda não foi notificado da decisão judicial. Segundo o TRF1, o Inep só será notificado após a publicação do acórdão, o que ainda não aconteceu.
- Algo que me preocupa é que decisões dessa natureza sejam tomadas muito próximas ao Enem, isso gera prejuízo para os estudantes que estão se preparando. Nesse momento, o prudente seria manter a regra que já existe e aprimorar para as próximas provas - argumentou Deschamps.
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O educador argumenta ainda que o contexto atual faz com que princípios universais como os direitos humanos sejam confundidos como algo pertinente somente a determinadas ideologias.
- Estamos vivendo em um mundo muito polarizado e tudo é uma linha muito tênue. Por exemplo, se alguém defende que uma pessoa presa receba um tratamento digno, consideram que essa pessoa está contra a justiça. Isso não tem nada a ver. O debate fica polarizado e sai do foco principal. Os direitos humanos estão acima do patamar de qualquer ideologia e devem valer para todos os seres humanos. Não há doutrinação em trabalhar os direitos humanos, é uma questão de direito universal estabelecida pela sociedade - diz.
Por outro lado, Deschamps defende que o debate sobre retirar o critério sobre a anulação da redação aconteça. De acordo com ele, é pertinente questionar se em um texto argumentativo cabe restringir determinadas visões:
- É necessário travar uma discussão sobre isso e ouvir opiniões variadas. Mas acho que esse não é um debate tão simples, ele precisa ser feito de maneira mais profunda.
ENTENDA A QUESTÃO
A decisão de suspender o critério foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido. No pedido feito ao TRF1, a entidade sustenta que um dos principais objetivos do Enem é o de servir de mecanismo de seleção ao preenchimento de vagas em instituições de ensino superior, e que "ninguém pode ser obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade". O movimento defende que o critério de violação dos direitos humanos na redação é injusto e subjetivo e, por isso, prejudica a liberdade de expressão dos alunos.
Na decisão, o desembargador federal Carlos Moreira Alves, do Tribunal Regional Federal, determinou a suspensão do item 14.9.4 do edital do exame que atribui nota zero, sem correção de seu conteúdo, à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos. Ao analisar o caso, informa a Justiça Federal, o magistrado invocou dois fundamentos que sustentam a ilegitimidade desse item: “Ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião, também vertente dos direitos humanos propriamente ditos; e ausência de um referencial objetivo no edital dos certames, resultando na privação do direito de ingresso em instituições de ensino superior de acordo com a capacidade intelectual demonstrada, caso a opinião manifestada pelo participante venha a ser considerada radical, não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta”.
Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) afirmou que ainda não foi notificado sobre o tema, e reiterou que os critérios de avaliação das cinco competências da redação estão mantidos. O órgão declarou também que "seus atos são balizados pelo respeito irrestrito aos Direitos Humanos, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, consagrada na Constituição Federal Brasileira."