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Rodrigo de Almeida Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Os consensos por trás dos embates sobre o Ensino Médio

Protestos, divisões, fogo amigo no governo, teorias conspiratórias e visões binárias escondem a concordância em torno de problemas e soluções sobre o tema

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 5 abr 2023, 10h14 - Publicado em 5 abr 2023, 10h11

Há muito mais consensos do que creem os radicais livres envolvidos no debate sobre o chamado Novo Ensino Médio. Os decibéis atingidos nas últimas semanas nesse debate são proporcionais aos problemas enfrentados por estudantes e professores nessa fase inicial da reforma, cujo calendário de implantação, felizmente, foi suspenso pelo ministro da Educação, Camilo Santana, na última terça-feira, 4 — decisão que, por efeito, adiou as mudanças previstas para o Enem.

A revolta da comunidade escolar, os protestos, divisões, o fogo amigo nos bastidores do governo contra o ministro, as tentativas de disseminação de tramas conspiratórias e visões binárias sobre revogar ou simplesmente corrigir a reforma parecem até aqui ignorar algo que precisa ser sublinhado: há uma enorme convergência nas críticas ao Novo Ensino Médio e isso, por tabela, é meio caminho andado para a construção de soluções negociadas.

Com exceção dos secretários estaduais (que insistiram até a última hora para que a implementação da reforma não fosse suspensa) e de nomes como Mendonça Filho (União Brasil-PE), deputado federal e ex-ministro da Educação, muito pouca gente discordou que se estava diante de um disparate. Ou de muitos. Os erros se estenderam desde o desenho da reforma até a sua implementação atabalhoada, por obra e graça dos estados e do MEC ausente de Jair Bolsonaro.

A suspensão vai durar 90 dias, prorrogáveis por mais 30 — até o fim de uma consulta pública anunciada pelo MEC. É o tempo de ouvir alunos, professores, gestores estaduais e redefinir os caminhos da reforma. É o tempo também de arrumar o debate, desde que os grupos envolvidos, supostamente antagônicos no tema, exercitem sua capacidade também de escuta. Se conseguirem, verão que é possível construir soluções negociadas e (re)pactuadas.

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Por transparência aos leitores da coluna, é importante dizer que este colunista não é parte desinteressada no tema. Acompanho de perto, como consultor, o trabalho de diversas organizações ligadas à educação, incluindo o Todos Pela Educação — que já no ano passado publicou um documento alertando para as necessidades de mudanças significativas no Novo Ensino Médio.

Também ouvindo especialistas no campo da esquerda e fontes próximas ao MEC, a coluna está convicta de que a decisão de parar as máquinas de implementação da reforma não é mero jogo político de setores radicais da esquerda, como defendeu o ex-ministro Mendonça Filho. Também não significa retroceder à estaca zero ou não querer uma escola mais atrativa para os alunos, como pregou Luciano Huck, em post polêmico nas redes sociais.

É o reconhecimento, isto sim, de que o caminho da reforma estaria impondo graves problemas a jovens de 15 e 16 anos, deixando-lhes sequelas para muitos anos (ou para toda a vida) e não resolvendo os problemas que a reforma prometeu resolver. O que exige uma revisão de rota.

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O consenso não percebido está nos problemas que exigem brecar o processo de implementação da reforma. A divisão principal está na solução: revogar a reforma e reiniciar os debates e desenhos de uma nova, ou ajustar o que foi aprovado em 2016/2017?

Convém lembrar que as discussões começaram há dez anos, durante os governos do PT. Havia um consenso de que era preciso mudar o currículo do Ensino Médio, marcado por 13 disciplinas obrigatórias espremidas em 4 horas diárias de aulas. Que se tem um modelo de ensino fordista, feito linha de produção, e uma escola nada antenada com as possíveis vocações dos jovens. Que boa parte dos adolescentes, especialmente os mais pobres e de escolas públicas, há décadas veem pouco sentido na escola, abandonam ou concluem a etapa sem nada aprender.

Estudantes queriam mudanças. Especialistas queriam mudanças. Lula e Dilma Rousseff queriam mudanças. O Congresso queria mudança. Mas a mudança foi implementada na canetada de uma medida provisória assinada por Michel Temer, pouco depois do impeachment de Dilma. Depois virou lei pelo Congresso, mas aí já estava compreensivelmente tisnada pelo método de sua aprovação.

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A chamada reforma tinha uma lógica-base herdada desde as discussões anteriores a Temer: a mudança curricular, com a divisão entre disciplinas básicas e obrigatórias e disciplinas flexíveis — os chamados itinerários formativos. Cada Estado criaria seu itinerário, com diferentes caminhos de estudo oferecidos aos estudantes, que poderiam escolher conforme seus interesses.

Esse desenho seria feito durante o governo Bolsonaro e a pandemia. Seria preciso formar professores para novas disciplinas, fazer mais contratações, melhorar a estrutura das escolas, escutar estudantes.

Pouco ou nada disso, porém, foi feito. A Covid-19 atrapalhou, e a ausência de ajuda do MEC aos estados complicou ainda mais. Restaram algumas poucas experiências de implementação e muitos problemas. Os centrais:

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1- Sem formação e sem planejamento adequado, os itinerários formativos desandaram. Durante o ano-teste de 2022, conteúdos tradicionais perderam espaço, professores ficaram sobrecarregados na rede pública e, para cumprir as metas de itinerários, brotaram em profusão disciplinas como “A arte de morar”, “Jogo de RPG”, “Brigadeiro Gourmet”, “Como virar um milionário” e “Mundo Pet”, para citar apenas algumas aberrações.

2- Desigualdades ficavam evidentes. Em escolas bem equipadas e com bons laboratórios, estudantes poderiam dar os primeiros passos em direção à Nasa. Em outras, aulas de coach de empreendorismo ministradas por professores formados em Língua Portuguesa. “Fabricação de sabonetes”, pensada como uma forma de alunos aprenderem de maneira holística elementos da química e da biologia, convivia com ausência de… professores de química e biologia. Ou de laboratórios de ciência.

E é nos problemas que moram os consensos.

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Primeiro: os itinerários formativos precisam ser melhor definidos. Do jeito que a legislação deixou, a oferta tende ao infinito, para usar uma expressão da presidente-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz. A dispersão muito grande de ofertas cria desalinhos numa ideia que é originalmente boa e necessária. É preciso dar condições às escolas públicas oportunidades similares às escolas privadas no oferecimento das disciplinas extras.

Segundo consenso: ampliar o teto que a lei estabeleceu à formação geral básica, para dar-lhe mais solidez.

Terceiro consenso: retirar a possibilidade de até 20% da carga total ser feita por ensino à distância. A pandemia e a sensatez já demonstraram que o chamado EAD não funcionou, com flagrante impossibilidade de substituição do espaço escolar e da convivência entre alunos e professores.

Quarto consenso: levar a sério a educação integral — algo que vai muito além do aumento do número de horas da presença dos alunos nas escolas. Isso requer, entre outras coisas, fortalecer e valorizar os professores, que hoje precisam se dividir entre várias escolas quando todas as boas experiências internacionais sugerem uma dedicação mais concentrada.

Tudo isso pode ser alterado sem que haja necessidade de revogação completa da reforma, alternativa que implica um custo político alto para o governo e para o MEC, e longo tempo de (re)construção e negociação no Congresso. O segredo está na forma e no conteúdo: nem revogação, nem meros “ajustes”. É preciso mudança na essência da reforma. E profunda.

Num ambiente de difícil escuta entre grupos supostamente antagônicos, a tarefa não é trivial. Mas factível, desde que se consiga arrumar o debate e atender certas premissas de um ambiente democrático saudável: pluralidade de visões e busca de saídas negociadas. É quando conflitos se transformam em boas soluções.

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