Publicidade

Publicidade

competências socioemocionais

Organização, autoconfiança, trabalho em equipe: o que são competências socioemocionais?

por Ricardo Falzetta

tpe

As regras da matemática e da física, a tabela periódica, a conjugação de verbos, os lugares geográficos, os caminhos da história... Os chamados conteúdos curriculares são frequentemente cobrados em provas e lições de casa. Também são frequentes em vestibulares e avaliações externas como a Prova Brasil e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que aferem se o aluno é proficiente em disciplinas como língua portuguesa, matemática e ciências. O domínio desses conteúdos é essencial para o prosseguimento na vida escolar, que se desenvolve como um entrelaçamento de várias escadas em espiral – a cada degrau, novas conexões são estabelecidas e o corpo geral do conhecimento vai ficando cada vez mais robusto. Mas será que é apenas isso que a escola deve ensinar?

Pesquisas recentes sobre aprendizagem indicam que não. Como um dos primeiros espaços de convivência pública do cidadão, a escola é, por excelência, um ambiente que coloca as crianças e adolescentes em crise, palavra originada do latim crisis, que significa “momento de decisão, de mudança súbita”. É nesse contexto de desafios e diversidade que os profissionais da Educação devem colocar outras atividades em movimento dentro da escola: seminários, feiras, pesquisas de campo, peças teatrais, trabalho em grupo e debates, para citar apenas algumas das atividades e metodologias mais comuns usadas em sala de aula.

Essas ações servem de condição pedagógica para que outras aprendizagens sejam trabalhadas. Estamos falando das competências socioemocionais, características ligadas à chamada inteligência emocional dos indivíduos, que os ajudam a lidar com relacionamentos interpessoais, consigo mesmos e, de maneira geral, com os obstáculos do dia a dia.

A lista de competências pode se estender longamente mas os estudiosos do assunto, no entanto, identificaram cinco dimensões (a chamada teoria do Big Five) que agrupam diversas características: abertura a novas experiências, consciência, extroversão, amabilidade e estabilidade emocional.

Essas perspectivas estão associadas a traços de personalidade como sensibilidade, organização, acolhimento, tolerância e autoconfiança. Exercitar e qualificar essas e outras características prepara os estudantes para uma realidade em que velocidade e adaptação são as palavras de ordem do que está por vir, uma vez que, de acordo com um estudo do Fórum Econômico Mundial, 65% das crianças que estão iniciando hoje a Educação Básica trabalharão em profissões ainda inexistentes. A ascensão dos relacionamentos virtuais nas redes sociais e as carreiras profissionais transversais, que exigem comportamentos cada vez mais flexíveis e abertos às diferenças, também entram nessa conta.

Vale destacar, contudo, que a importância dessas competências não se restringe às tarefas imediatas ao universo profissional. Vivemos uma era de embate de opiniões diversas, onde, por exemplo, a equipe do governo da nação mais poderosa do mundo, os Estados Unidos, alega existir “fatos alternativos” e que nem sempre o contrário da verdade é uma mentira. Isto é, vivemos tempos em que é preciso aprender a ser um curador de informações e seus contextos e, para isso, não basta apenas dominar os conteúdos obrigatórios ensinados na escola. 

Ainda que de difícil mensuração, os impactos das competências socioemocionais na rotina da escola têm se revelado positivos por meio de pesquisas como as do Instituto Ayrton Senna e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os resultados mostram, por exemplo, que estudantes mais responsáveis, focados e organizados aprendem matemática com mais facilidade e que alunos mais abertos e que são mais “protagonistas” se saem melhor em português. Ou seja, há uma retroalimentação entre essas perspectivas de saberes.

Algumas dessas características foram incluídas nas diretrizes transversais da Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, atualmente em discussão no Conselho Nacional de Educação (CNE). Confira.

Vale lembrar que físico alemão Albert Einstein (1879-1955), o mais célebre cientista do século 20, cultuado por sua capacidade teórica era, na verdade, um grande fã do pensamento crítico e da imaginação e teve alguns episódios de dificuldades com as disciplinas tradicionais. Na biografia Einstein – Sua Vida, Seu Universo (Ed. Companhia das Letras, R$50,40), um dos pensamentos do físico sobre a Educação é retomado: “A acumulação de material não deve sufocar a independência do estudante.”

Sabemos que é impossível criar uma legião de Einsteins, mas é possível construir um ambiente escolar capaz de impulsionar o desenvolvimento máximo infantil e juvenil, incentivando a criação de um espaço em que infraestrutura adequada, professores capacitados, currículos instigantes e competências socioemocionais estejam interconectados.

É importante ressaltar que as inteligências socioemocionais não devem ser tratadas como disciplinas à parte. Não se dá uma aula de trabalho em grupo, de resiliência ou de respeito, de maneira desconectada do projeto político pedagógico da escola. Só para ficar em um exemplo, de nada adiantaria um professor se esforçar isoladamente para trabalhar a importância do trabalho em grupo com sua turma, se os próprios docentes e gestores da escola não trabalharem com esse mesmo espírito no planejamento das aulas, na formação continuada e na condução do dia a dia escolar. Se não houver uma postura institucional em relação ao desenvolvimento socioemocional de todos, as crianças e jovens serão os primeiros a perceber que algo está incoerente.

*Com a colaboração de Pricilla Kesley, jornalista no Todos Pela Educação

 

Publicidade