Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Weintraub na terra dos oxímoros

Como o paradoxo literário pode iluminar as profundezas do bolsonarismo

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“Com Weintraub sob pressão, Bolsonaro busca saída honrosa para ministro da Educação”, noticiou a Folha na segunda-feira (15). O que saltou da tela, quando li aquilo, foi o oxímoro fulgurante produzido pelo encontro de duas ideias: “Weintraub” e “saída honrosa”.

Oxímoro é aquela figura de retórica que promove (a definição é do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) a “aproximação de duas palavras ou de duas expressões contraditórias, que se excluem mutuamente de um ponto de vista puramente lógico”.

A própria palavra traz um oxímoro embutido. O grego “oxúmoron”, que nos chegou por tabela com o latim “oxymorus”, junta a noção de “agudo” com a de “tolo, louco”.

O oxímoro não é um paradoxo qualquer. É aquele usado com arte para expressar o que é de difícil expressão. Num bom espécime, o disparate sempre ilumina um aspecto profundo do que nomeia.

Não foi preciso esperar o momento da “saída honrosa” para transportar nosso infausto personagem à terra dos oxímoros. “Weintraub, ministro da Educação” deu e sobrou. Ah, e isso joga luz sobre o quê? O bolsonarismo, lógico.

Mais inspiradores, os exemplos que encontramos no dicionário luso são os famosos versos de Camões sobre o amor: “É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer”.

Com todo o seu potencial poético, é uma pena que a carreira do oxímoro no Brasil seja prejudicada por uma mesquinha disputa de doutores.

Sempre que a gente enuncia a palavra como a escrevo aqui, proparoxítona, aparece um para corrigir: “Oximoro, sem acento!”. Ah, como meu contentamento é descontente nessa hora!

Ninguém aguenta lidar com sabichonice o tempo todo. A “correção” é um equívoco, mas explicar isso dá algum trabalho, e assim vamos aprendendo a evitar o termo para poupar dor de cabeça.

O problema começa na opção de alguns dicionaristas brasileiros por entender a palavra —exclusivamente!— como paroxítona, e de vogal aberta ainda por cima: “oximóro”.

Não são quaisquer dicionaristas. Aurélio, Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras formam um ataque poderoso —para não falar no corretor do Word.

Na vida real, pouca gente favorece essa prosódia feia, mas não faltam professores de português para comprar a idiossincrasia dos lexicógrafos e sair repetindo que oxímoro é uma cacoépia, uma pronúncia inculta, como “rúbrica” ou “fluído”.

Não é. O que se omite aí é que outros dicionaristas tão respeitáveis quanto aqueles pensaram e pensam diferente. Se em Portugal a forma consagrada é “oxímoro”, a mesma abraçada pela maioria dos falantes no Brasil, qual será o sentido de criminalizar o belo proparoxítono?

O sentido sabichonista, é claro. Seria mais sábio, além de mais respeitoso com a língua e seus falantes, registrar as duas formas e observar que a pronúncia dominante no mundo lusófono, com acento em “xí”, se baseia na matriz grega.

Em seguida acrescentar que a forma com a sílaba tônica “mo”, menos usada, imita a sonoridade que a palavra tinha no entreposto latino em que contratamos sua importação.

Se não faltam argumentos eruditos a nenhum dos lados da briga, por que não deixar que cada um fale do seu jeito e seja feliz? Porque o que é mais sábio é também, invariavelmente, ofensivo às leis do sabichonismo.

A escola de trato com a língua que cria interdições supérfluas para melhor exercer seu poder bem poderia ser definida num oxímoro perfeito: sabedoria estúpida.

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