Opinião|‘Educação e empoderamento econômico são chaves para a equidade racial’

Escritora e investidora afirma que a ‘linguagem do capital’, que abrange a geração de renda e a construção de patrimônio, pode combater a desigualdade

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colunista convidado

Quando olho para trás e retorno à infância, ainda consigo sentir o impacto que me invadiu no momento em que decidi cursar Economia. Aquele instante moldou toda a minha trajetória e me trouxe até o limiar do maior evento econômico e de desenvolvimento do mundo, o Fórum Econômico Mundial. Um lugar em que vozes são ouvidas, ideias são compartilhadas e a mudança é forjada. O Fórum não é apenas um pódio para discussões econômicas; é um espaço onde jornadas antes individuais finalmente se entrelaçam para criar um tecido de oportunidades e crescimento.

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Era um pódio como esse que eu almejava quando em uma tarde decidi me tornar economista, em uma jornada que começou em um recanto da periferia do Morro da Cruz, no Rio Grande do Sul. Cresci em um ambiente em que as barreiras pareciam intransponíveis, as oportunidades escassas e o racismo diário com o apagamento da população negra em Porto Alegre, visto que poucas pessoas têm ideia de que 40% da população é composta por pessoas negras, que são inviabilizadas por morarem em comunidades, assim como eu. No entanto, minha determinação foi forjada justamente nessas adversidades e alimentada pela crença de que a mudança começa com o empoderamento econômico.

Entendi isso quando, enquanto criança, após voltar de uma passeata a favor da Lei de Cotas, li em um jornal uma reportagem de um jornalista branco, que argumentava que as cotas raciais seriam prejudiciais para a economia. Eu não entendi nenhum daqueles argumentos, apesar de achá-lo convincente pela forma que falava. Decidi que queria falar aquela língua, queria entendê-la, ser convincente e usar ao nosso favor.

Luana Ozemela, investidora, empresária com atuação no Brasil e na África e vice-presidente de Impacto Social do Ifood Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Entendi que, além da educação, o empoderamento econômico seria a chave para abrir portas e derrubar barreiras. E, quando alcancei a minha própria independência, meu foco se expandiu para além da minha própria trajetória. Não é apenas sobre renda, mas também sobre construir patrimônio para combater a desigualdade e a segregação.

Foi assim que comecei a impactar as vidas das pessoas usando a linguagem do capital, e agora estou prestes a estar à frente das maiores lideranças do mundo, não como ouvinte, mas como oradora, mostrando os caminhos possíveis para atingirmos a equidade racial.

Este não é apenas um sonho realizado de uma menina preta periférica, é a concretização de um anseio que nem eu mesma tinha plena consciência. É a periferia ascendendo ao pódio mundial, é a representação de uma narrativa que desafia as expectativas e desbrava caminhos antes inimagináveis.

A executiva Luana Ozemela foi palestrante no painel 'Caminhos para a mobilidade econômica por meio da equidade racial' em Davos Foto: Acervo Pessoal

E estar em Davos não será apenas uma conquista pessoal, mas uma oportunidade de amplificar vozes que são silenciadas todos os dias em todas as partes do mundo. É a chance de levar a periferia brasileira para o centro das discussões globais, provando mais uma vez que a diversidade não é apenas uma pauta que devemos lembrar somente no ‘S’ do “Environmental, Social and Governance”. Ela deve ter um grande destaque em todas as três letras, pois a inclusão é um catalisador para o desenvolvimento econômico. Se você pensa em impacto, precisa pensar na inclusão.

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Ao me preparar para subir a esse pódio global, não poderia deixar de refletir sobre a jornada que me trouxe até aqui. Cada desafio superado, cada obstáculo enfrentado, tudo contribuiu para moldar a mulher que sou hoje. E quando me encontrar diante de mentes tão brilhantes, estarei ciente de que não carrego apenas a minha história, mas a narrativa de tantos outros que ainda lutam para alcançar esse grande palco.

E encerro tendo a certeza de que este pódio não aguarda apenas por mim, mas por várias outras meninas e meninos periféricos que, assim como eu, têm o propósito de impactar vidas.

* Luana Ozemela é embaixadora do Pacto de Mulheres Negras 2023-24; vencedora do Prêmio Nacional Sim à Igualdade Racial 2023 e do Top 100 Mulheres Inovadoras Brasileiras 2023; cofundadora da BlackWin, PreCapLab e GryndTech; ex-funcionária do Banco Interamericano de Desenvolvimento atuando na América Latina e no Caribe, uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina e vice-presidente de Impacto Social do iFood. Ela foi palestrante no Fórum Econômico Mundial.

Opinião por Luana Ozemela

Embaixadora do Pacto de Mulheres Negras 2023-24

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