RIO — Uma reunião de conciliação entre a ONG Educafro e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mediada pela Procuradoria Geral da República, nesta quarta-feira, terminou sem acordo. A Educafro entrou com uma ação contra o Inep alegando que estudantes que se enquadram nos critérios de isenção de taxa previstos pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não estavam conseguindo o benefício, conforme revelou o Blog do Ancelmo Gois . A justiça negou, em primeira instância, os pedidos da ONG, que entrará com recurso.
Na ação, a Educafro afirma que o site do Inep "dificulta de maneira substancial o exercício do direito à isenção da taxa de inscrição por pessoas que preenchem os requisitos previstos" e pede que o prazo de inscrição, encerrado no dia 18 de maio, seja prorrogado em pelo menos de dez dias úteis a partir da decisão. A Educafro pede, ainda, que os estudantes tenham direito de retificar sua opção pela isenção de taxa. Isso porque a ONG argumenta que muitos candidatos foram induzidos ao erro durante a inscrição.
Devido a isso, a ação movida pedia que o Inep explicasse em todas as etapas da inscrição cada um dos critérios para isenção, além das consequências de optar pela emissão de "GRU (Guia de Recolhimento da União" - boleto para o pagamento da taxa de R$82.
— Tínhamos a intenção de retirar a ação caso o Inep atendesse as reivindicações nesta reunião de conciliação, mas o órgão não atendeu. O Inep argumentou que criou um controle rígido porque tinha informação de que cursinhos pagos têm ensinado alunos a fraudar a isenção. Que façam o controle sobre os ricos, mas prejudicar os pobres somos contra. O Enem é a única porta para os negros e grupos pobres entrarem nas universidades federais, no Prouni e no Fies. Com essa maldade por parte do Inep haverá uma ampliação de negros e brancos pobres que estão sendo impedidos de avançar nos seus estudos— criticou Frei David Santos, diretor-executivo da Educafro.
O Enem prevê o direito à isenção para candidatos concluintes do ensino médio em escola pública; membros de famílias de baixa renda (com renda per capita de até um salário mínimo e meio) e tenham cursado ensino médio em escola pública ou com bolsa em escola privada; ou inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). No entanto, o benefício, segundo a Educafro, deixou de fora parte dessas pessoas. Ex-aluno de escola pública e quilombola, Iranildo dos Santos, 18 anos, não conseguiu a isenção e também não tinha dinheiro para pagar a taxa, que deveria ser quitada até esta quarta-feira.
— Fico bastante indignado. Eu preencho todos critérios de baixa renda e aconteceu essa barbaridade comigo. O enem é uma das únicas oportunidades de nós pobres conseguirmos uma faculdade— disse.
Iranildo chegou a entrar em contato com o atendimento do Inep, por telefone, mas a atendente afirmou que não poderia ajudá-lo. Segundo ela, o candidato deve ter informado algum dado que fez com que o sistema não o considerasse apto, o que, de acordo com ela, não poderia ser corrigido.
Assim como ele, Ana Paula Leocádio, 28 anos, também teve seu direito negado. Recém-casada, a família de Ana vive com apenas um salário mínimo. Ela conta que ao fazer a inscrição não sabia qual dos dois modelos de isenção deveria escolher (já que um diz respeito a famílias inscritas no CadÚnico e outro a famílias de baixa renda) e acha acabou assinalando a opção errada. Segundo ela, o site não permitiu que ela fizesse a correção.
— O que tenho que fazer para conseguir minha isenção? Tenho que morar na rua? Quem vai fazer alguma coisa por mim? Estou ligando para o Inep e me dizem que não podem fazer nada. Tive que pegar dinheiro emprestado com uma colega para pagar a taxa, nem sei como vou pagar. Eu me sinto discriminada, estagnada, porque vejo que o Brasil é uma terra que tem lei, mas ela só funciona para o rico, branco e de classe média alta. A lei que funciona para mim, negra e pobre, é só aquela usada pela polícia para me revistar — protesta.
O GLOBO entrou em contato com o Inep, mas o órgão ainda não respondeu às solicitações da reportagem.