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Opinião|EMI, uma inovação que muitos pedem e já existe

Maior carga horária é ingrediente importante do Ensino Médio Integral, mas há outras variáveis que explicam o seu sucesso

Atualização:

“Essa escola mudou a minha vida.” Você vai ouvir essa frase muitas vezes, se conversar com recém-egressos de escolas integrais de ensino médio da rede pública de Pernambuco, um modelo criado há mais de 15 anos, continuado e aprimorado por diversas gestões. Para um país que tem enormes desafios na última etapa da educação básica, o modelo de Ensino Médio Integral (EMI) é uma inovação que muitos pedem e que já existe.

Comecemos por indicadores que mostram por que o modelo integral pernambucano é destaque. Apesar de ser um dos Estados mais pobres do País, Pernambuco saltou das últimas posições, em 2005, para ocupar, em 2019, o 3.º melhor resultado entre as redes estaduais de ensino médio medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Levando em conta apenas as escolas integrais, seu resultado é o mais alto do País. Além disso, mesmo sendo um dos Estados com maior desigualdade de renda, Pernambuco tem a menor desigualdade de resultados de ensino médio entre estudantes de maior e menor nível socioeconômico. E pesquisas com egressos do modelo integral mostram impactos positivos no acesso à universidade, na renda e na redução de homicídios.

O que está por trás desses avanços é um novo modelo de escola, em tempo integral, criado em 2004. Hoje, 75% dos alunos pernambucanos do 1.º ano do ensino médio estão em escolas integrais. Todos os que estão começando a etapa e querem estudar em tempo integral têm vaga.

Mas o que é este modelo de escola? A ampliação de carga horária é um ingrediente importante, mas há outras variáveis que ajudam a explicar o seu sucesso. Foquemos em três.

Primeiro, trata-se de uma política pública que incide em múltiplas dimensões da escola, modificando estruturalmente a dinâmica escolar. O currículo é diversificado e inclui disciplinas eletivas; aulas práticas; tutoria aos estudantes; mescla o desenvolvimento de conhecimentos acadêmicos com aspectos socioemocionais; introduz uma nova forma de fazer a gestão escolar e garante que o professor tenha dedicação exclusiva à escola, permitindo maior vínculo com os estudantes e seus pares. O resultado? Falas como esta: “Aqui, os professores me conhecem de verdade”.

Segundo, é um modelo que leva a sério um elemento comumente menosprezado no debate e na formulação de política pública: a pedagogia importa muito. O projeto pedagógico, elaborado pelo educador Antonio Carlos Gomes da Costa – um dos principais redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – e aperfeiçoado pelos servidores e educadores de Pernambuco, é ancorado nos conceitos da “pedagogia da presença” e do protagonismo juvenil. Não por acaso, pesquisas mostram o quanto as práticas pedagógicas ajudam a explicar os bons resultados: além de maior tempo de aula, destacam-se a alta expectativa dos professores a respeito dos estudantes, a atenção às necessidades sociais e emocionais dos alunos e a prioridade para os interesses dos jovens, de modo a atribuir sentido à sua experiência escolar. A tradução disso é assim feita pelos alunos: “Eu não preciso me adaptar à escola, é ela quem se adapta ao meu projeto individual”.

Terceiro, boa implementação. Pernambuco conseguiu superar um entrave comum das políticas de educação: tirar boas ideias do papel e materializá-las no dia a dia de centenas de escolas. Para tanto, priorizou a garantia de boas condições de infraestrutura e recursos pedagógicos, muito apoio e formação aos professores e o entendimento de que os diretores escolares são chave para garantir apropriação e senso de pertencimento de todos a um projeto coletivo. Tudo isso com forte compromisso político dos diferentes governadores e equipes fortalecidas na Secretaria de Educação.

Nos últimos anos o modelo pernambucano passou a inspirar outros Estados e, com o apoio da sociedade civil organizada, tem sido adotado Brasil afora, com as devidas contextualizações e adaptações. A Paraíba já tinha, em 2021, 56% das matrículas do ensino médio em tempo integral. O Ceará, 33%. São Paulo, recentemente, promoveu um salto ambicioso, chegando a quase 30% de matrículas, em mais de 1.500 escolas. No Brasil, em média, são 16%. O Ministério da Educação tem uma política de indução criada em 2017, que, apesar de ativa, está longe das prioridades do governo Bolsonaro, que prefere discutir ensino domiciliar.

Sem dúvida, enquanto política pública, o EMI não é obra acabada. Mesmo em Pernambuco, lideranças governamentais e escolares sabem que ainda há muito a avançar. No entanto, em tempos da desafiadora implementação do chamado “novo ensino médio”, as escolas integrais mostram como as mudanças previstas em lei – como a flexibilização curricular e a integração com a formação técnica e profissional – podem ser efetivadas com qualidade e em escala. Mais do que isso, contemplam vários outros aspectos para, de fato, ressignificar o ensino médio. Ou seja, para promover uma verdadeira transformação da etapa, as próximas gestões estaduais precisam priorizar e trabalhar arduamente pela expansão – e contínuo aperfeiçoamento – das escolas integrais. E, no caso de um novo governo federal que se importe com a educação, idem.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR EXECUTIVO E LÍDER DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Opinião por Olavo Nogueira Filho
Gabriel Corrêa