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O voto dos jovens no Brasil: 'L' de Lula e 'E' de educação

30/09/2022 08h54

Na calçada de um bar carioca, três universitárias contam os dias para as eleições. Em quem vão votar? "Estamos sentadas formando um L", de Lula, afirmam, ecoando a preferência esmagadora dos jovens estudantes brasileiros pelo ex-presidente.

A política está na boca de todos neste bar ruidoso de toldo vermelho onde os estudantes se reúnem ao fim das aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). 

"A última coisa que eu quero é o Bolsonaro ser reeleito. Temos que lutar pelo nosso futuro e pelo futuro da universidade", diz uma das jovens, Letícia Corvello, estudante de direito.

Os jovens têm sido a ponta de lança do movimento de oposição ao presidente Bolsonaro, protagonizando desde o primeiro ano de seu mandato protestos contra os cortes na Educação e somando-se às manifestações contra a gestão da pandemia ou a violência policial.

Sua mobilização se traduz em números: mais de 2,1 milhões de adolescentes entre 16 e 17 anos se registraram para votar no domingo, um salto de 51% em comparação a 2018 numa faixa etária em que o voto é facultativo.

- Mobilização histórica -

O número de inscrições "não tem precedentes na história do Brasil", explica à AFP Marco Antonio Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas. "O jovem percebeu que se ele não participar, se ele não interferir, vai continuar sem capacidade de cobrar, de fazer pressão".

A juventude "foi muito afetada pela covid, foi o segmento mais afetado pelo desemprego", mas sobretudo Bolsonaro governou ignorando sua "diversidade cultural e de gênero", com um discurso de defesa dos valores conservadores, acrescenta.

O abismo se reflete, por exemplo, nas declarações de seu terceiro ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro, ao se referir aos jovens em março de 2020.

"Nós temos hoje no Brasil verdadeiros zumbis existenciais. Não acreditam mais em nada, desde Deus à política", afirmou.

Uma declaração à qual Corvello, de 22 anos, responde agora: "Nunca imaginei que a gente tivesse um pensamento tão retrógrado. Bolsonaro deu margem para a galera sair da casa defendendo a violência e a discriminação". 

- O legado de Lula -

As pesquisas indicam que os eleitores de 16 a 24 anos vão votar maciçamente no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): 52% contra 32% para Bolsonaro (PL), segundo pesquisa de quinta-feira do Datafolha.

Ainda que fossem muito jovens, o legado de Lula (2003-2010) na educação, promovendo bolsas de estudo e adotando um sistema de cotas de diversidade racial e classes sociais nas universidades, é conhecido de todos, muitas vezes graças ao que seus pais viveram.

"O mundo todo sabe o que o Lula fez", afirma Adrianny Brasil, moradora do complexo da Maré, onde frequentar a escola depende de não haver tiroteios e a universidade é um sonho inalcançável para a maioria.

"Eu sou a única favelada no curso de Física Médica. Os meus colegas são das zonas elitizadas do Rio, como Ipanema", explica esta jovem de 22 anos, que espera que com o retorno de Lula voltem a se multiplicar as bolsas como a que garantiu sua vaga.

- "Escravos" -

Mateus de Medeiros, de 18 anos, também defende o legado de Lula na educação, mas lamenta que nestas eleições polarizadas não se possa escolher além da "extrema direita e a extrema esquerda". 

"Eu gostaria de escolher outro candidato, mas a gente vai votar num candidato para tirar o outro ou vice-versa", diz este estudante de engenharia mecânica durante o Rock in Rio, realizado este mês.

Bolsonaro conta, no entanto, com um apoio minoritário dos jovens. Em um comício em Campinas, interior de São Paulo, Gabriel Lira, de 22 anos, afirma que muitos universitários no Brasil são vítimas de uma "lavagem cerebral" por parte de "muito professor de esquerda".

"Se pesquisar sobre o candidato oposto, veriam que (Lula) se parece muito com o (presidente venezolano Nicolás) Maduro, com os ditadores de esquerda", diz este jovem negro, que trabalha em uma loja.

Ele descarta que Bolsonaro seja racista, apesar de ter dito que os negros pesam "arrobas", como na época da escravidão.

"Foram falas infelizes. Se fosse racista, ele estava aqui prendendo negros para que voltassem a ser escravos", alega o jovem.

app/mel/mvv

© Agence France-Presse